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Salvador

'Em São Paulo, a prefeitura custeia 50% do transporte', diz especialista ao comparar alta tarifa de ônibus em Salvador

Segundo Carlos Batinga, os usuários não deveriam ser responsáveis por pagar pelo serviço sem qualidade

Por Emilly Lima
Ás

Atualizado
'Em São Paulo, a prefeitura custeia 50% do transporte', diz especialista ao comparar alta tarifa de ônibus em Salvador

Foto: Reprodução

A falta da participação dos usuários do transporte público nas discussões sobre melhorias na mobilidade urbana pode ser considerada um grande problema, segundo explica Carlos Batinga, engenheiro civil especialista em transporte, desenvolvimento urbano e gestão pública, em entrevista ao Farol da Bahia. 

Segundo Batinga, conforme a cidade cresce, é natural a implantação de meios de transporte que comportam maior capacidade de usuários, como por exemplo o metrô e o BRT [Bus Rapid Transit]. "Em Salvador, acompanhamos a implantação do metrô e fica até difícil uma pessoa imaginar a cidade sem, porque a capital vai crescendo e o sistema viário com apenas ônibus de capacidade máxima de 100 passageiros não suporta. Então, tem que procurar fazer e planejar o sistema tronco alimentador para atender as pessoas", disse. 

Contudo, ele enfatiza que, entre os problemas mais frequentes, estão o planejamento, obra, operação do serviço e a falta da inclusão da população que utiliza o transporte coletivo público nas discussões do setor. "É necessário uma discussão mais técnica, depois política - de focar em obras mais do que em serviço. Agora, se essa operação e a discussão com a comunidade está bem articulada ou não, é uma coisa que se tem que trabalhar. Você precisa vender e convencer o usuário que aquele é o melhor processo porque muitas vezes  o projeto é pensado tecnicamente ou politicamente, só que quem vai utilizar não participa diretamente dessa discussão. Esse é o grande problema que se enfrenta nas cidades", explicou. 

Recentemente, a Prefeitura de Salvador inaugurou o trecho 2 do BRT, que liga a região da Cidade Jardim até a Estação da Lapa. O lançamento foi alvo de críticas de usuários ouvidos pelo Farol da Bahia, por meio do quadro "Diz Aí Povo", onde afirmaram que o novo modal não trazia benefícios para a capital baiana e que a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) não teria divulgado sobre o corte de linhas de ônibus convencionais devido a nova implantação. 

Mas, apesar das críticas da população que utiliza o coletivo público, Batinga destaca que o  deslocamento do BRT acontece com fluidez e sem trânsito, o que torna a mobilidade eficaz. 

"O BRT nada mais é do que um passo intermediário para o sistema metroviário. Quem sabe se daqui a alguns anos, esses corredores não serão metrôs. É possível, caso a demanda cresça e não seja atendida por ônibus", explica o especialista. 

Questionado sobre o que a prefeitura poderia ter feito para reduzir as críticas dos usuários com relação ao novo modal, Carlos Batinga pontuou que a inclusão dos cidadãos nas discussões do projeto poderia fazer com que a ideia fosse absorvida com mais facilidade. 

"O que tem que se fazer sempre é ter você ter mais investimento de equipe técnica na prefeitura, em tecnologia, com monitoramento ou acompanhamento do comportamento da demanda e crescimento da cidade,  sempre discutindo com a população usuária. Isso é fundamental para que a ideia seja absorvida. Toda mudança leva a uma reação porque a gente se acostuma com as coisas, e uma pessoa comum - que não tem estudos técnicos - não tem uma visão de como será no futuro. A prefeitura precisa mostrar o motivo pelo qual está construindo aquele projeto para que o cidadão se insira no processo", enfatizou o especialista, considerado referência internacional em Mobilidade Urbana. 

Custos do transporte público 

Para Batinga, a temática não é considerada uma prioridade do governo, apesar de ser um serviço essencial para a população. E, por esse motivo, ele não acha justo que o transporte público seja custeado apenas por quem utiliza o coletivo público, mas também pelas gestões do município. Na entrevista, ele exemplifica o caso de São Paulo, onde o município subsidia 50% dos gastos que envolvem o transporte público da cidade. 

"O transporte coletivo não é prioridade da prefeitura, essa é a grande questão. Não sei se porque é usado somente pela população mais carente. Então, eles acham que investir em transporte público é gastar dinheiro, apesar de ser constitucionalmente, um serviço essencial, ele é tratado muito diferente da saúde, educação e segurança, por exemplo", disse. 

"A maioria dos executivos públicos não vê isso como uma coisa essencial, então foca muito na obra e pouco na qualidade do serviço. Aí fica difícil porque quanto melhor o serviço, mais caro ele é. O metrô de Salvador é uma boa opção porque parte é custeada pelo governo. Por que o transporte de São Paulo é bom? Porque a prefeitura banca 50% do custo e o passageiro só paga a metade. Se não partir por esse caminho, vai continuar tendo ônibus superlotados e serviço ruim. O que tem que se investir primeiro é melhorar essa qualidade de todas as formas. Se não tivesse os corredores do BRT e não tivesse o metrô, não teria como o sistema viário estar atendendo a demanda porque não tem espaço para isso. Tem que ser racionalizado, mas dando qualidade e segurança ao usuário", acrescentou o consultor. 

Ao comentar sobre o valor da tarifa de ônibus de Salvador, que atualmente está em R$ 5,20, uma das mais caras da região Nordeste, Carlos ressalta que é um valor muito alto para o usuário comum, já que o serviço não é de qualidade. "O usuário não tem condições de pagar tudo, a prefeitura tem que entrar com uma parte. Não tem como ter transporte de qualidade sendo pago apenas por quem utiliza. No caso de Salvador, mesmo o serviço não sendo bom, ele ainda é caro para o usuário comum. Tem que existir uma ação da prefeitura para pagar parte desse custo, já que é um serviço essencial", explicou à reportagem.

Tarifa zero

Sobre a tarifa zero, tema já abordado pelo prefeito da capital baiana Bruno Reis (UB), que chegou a comentar sobre a possibilidade de adotar o transporte público sem custos para a população, Batinga esclareceu que esse é um assunto que deve ser planejado a médio ou longo prazo, e que em Salvador poderia provocar um "estrangulamento no sistema viário".

"Os dois temas mais discutidos neste ano eleitoral são eletromobilidade e tarifa zero. No caso da tarifa, é possível pensar nela a médio ou longo prazo porque aumenta muito a demanda. Se você coloca em Salvador e aumenta de 3 a 4 vezes, seria preciso dobrar a frota. Isso ia provocar um estrangulamento no sistema viário e de trânsito que pararia a cidade. Os ônibus iriam circular como? Tem coisas que precisam ser pensadas e planejadas a longo prazo", ponderou o especialista

Ele comparou a situação com a capital de São Paulo, que já iniciou estudos para avaliar a possibilidade de implantar a taxa zero, e destacou a importância de uma maior discussão sobre o tema, se a população acha interessante investir no transporte público o mesmo que se investe na Saúde, por exemplo. "São Paulo fez estudos recentes e investe cerca de 6% do orçamento para subsidiar parte do custo. Se fosse para adotar a tarifa zero, a capital iria gastar cerca de 14% do orçamento, que é muito próximo do valor da Saúde. Tem que ter uma discussão maior com a sociedade se deve colocar tanto dinheiro no transporte urbano tanto quanto na Saúde".

Batinga também endossou uma crítica aos políticos que se aproveitam da pauta dos transportes públicos para midiatizar durante o período eleitoral e esclareceu que mudanças no setor não são feitas em curto prazo. 
 
"Infelizmente só pensam em discutir isso como discurso e comício em época de eleição. Eles [os políticos] utilizam temas que sejam midiáticos e de retorno eleitoral. Não existe milagre para transporte e trânsito em curto prazo. Precisa ser planejado", finalizou.

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