40 anos de Axé Music: conheça as raízes do movimento cultural baiano que transformou a música popular brasileira
O ritmo se destacou através dos circuitos carnavalescos e se fortaleceu através da mistura de gêneros musicais, que tornou esse movimento artístico tão único e cativante
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Foto: Reprodução/Shutterstok
Há 40 anos, a “magia” do Axé Music transforma a indústria musical brasileira e projeta a Bahia para o mundo. Dos atabaques às guitarras elétricas, o movimento cultural se destacou através dos circuitos carnavalescos e se fortaleceu através da mistura de gêneros, que tornou este movimento artístico tão único e cativante.
Os músicos Adolfo Antônio do Nascimento (Dodô) e Osmar Álvares Macêdo (Osmar) protagonizaram o início no começo dos anos 50, quando buscaram formas de amplificar o som dos instrumentos de corda. Eles conseguiram eletrificar uma ripa de madeira com cordas de aço, que deram o nome de “pau elétrico”, colocaram caixas de som em um velho Ford e arrastaram uma multidão pelas ruas de Salvador.
Reprodução/Guitarra Baiana
O “pau-elétrico” foi aperfeiçoado e originou a Guitarra Baiana, que veio do casamento entre o cavaquinho e o bandolim. A dupla posteriormente chamou um terceiro amigo, Temístocles de Aragão, para se apresentar com eles na folia ao som do frevo elétrico, característico do carnaval pernambucano. E assim nasceu o Trio Elétrico, a maior marca do carnaval baiano que também está fazendo aniversário, completando 75 anos de história.
Reprodução
Em entrevista ao Farol da Bahia, o historiador Paulo Miguez, contou como a criação deste novo instrumento contribuiu para a estética do Carnaval e para a indústria musical brasileira.
"A presença da guitarra baiana é fundamental para toda a estética do trio elétrico e do Carnaval. Essa é mais uma contribuição nossa, colocar à disposição do mundo da música um novo instrumento musical. Você vai encontrar na Axé Music e vai encontrar em outros momentos da trama musical baiana a presença forte deste instrumento".
Os maiores circuitos do Carnaval de Salvador receberam os nomes de Dodô e Osmar. O circuito Osmar fica localizado no Campo Grande, e Dodô liga as praias da Barra e Ondina. Hoje em dia, quem carrega o legado da dupla originária do Axé é o cantor Armandinho, nome artístico de Armando da Costa Macedo.
Divulgação/Guitarra Baiana
Mas esse foi apenas o princípio da folia. Pode-se dizer que o marco zero deste movimento foi o disco ‘Magia’, de Luiz Caldas, lançado em 1985. Foi Luiz quem conseguiu unir diversos gêneros musicais e fazer com que o Axé deixasse de ser comum somente no carnaval da Bahia, mas sim em todo Brasil e em qualquer época do ano.
40 anos do disco Magia
Olha a nêga do cabelo duro
Que não gosta de pentear
Quando passa na praça do tubo
O negão começa a gritar
Pega ela aí
Pega ela aí
Pra quê?
Pra passar batom
De que cor?
De violeta
Na boca e na bochecha
Essa é uma parte da letra da música “Fricote”, o maior destaque do primeiro disco de Luiz Caldas, que teve mais de 100 mil cópias vendidas em Salvador. A letra foi escrita por Paulinho Camafeu, famoso pelas composições que iam do duplo sentido até as que mostrasse a potência do povo negro. A partir deste sucesso, Luiz passou a ser considerado como o pai do Axé Music, que conseguiu fundir vários ritmos musicais como o Ijexá dos Afoxés, a percussão dos blocos afros, o samba, samba-reggae, o frevo baiano, lambada e diversos outros.
Paulo Miguez contou como esse estouro de Luiz Caldas foi fundamental para abrir as portas para novos artistas deste gênero ainda em ascensão.
"Luiz é um nome que merece ser celebrado. Foi a primeira geração que encantou a todos nós quando a Axé Music ultrapassa a trama baiana e vai alcançando o Brasil. Luiz e Sarajane, acho que são dois nomes importantíssimos, que ajudaram no desenvolvimento de novos artistas como Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Bell Marques, Durval, Saulo, Carlinhos Brow e muitos outros”.
Axé Music e a influência das músicas de terreiro
O surgimento dos primeiros blocos afros no início da década de 70, chamados de Afoxés, também influenciaram na popularização do Axé Music. Eles foram criados com o intuito de lutar contra o preconceito racial e tem uma relação muito forte com as músicas de terreiro das religiões de matriz africana. A principal musicalidade é o Ijexá, um ritmo nigeriano usado de forma ritualística para cultuar os orixás no Candomblé, guiado pelo som de atabaques, agogôs e xequerês.
Os agogôs são instrumentos de origem Yorubá e significa “sino golpeado sem badalo”. Eles são compostos por duas campânulas metálicas - como os sinos - unidas por uma haste e, para tocar é utilizado uma vara de madeira ou metal.
Divulgação
Já o xequerê, conhecido também como abê ou agbê, é um instrumento de percussão feito por uma cabaça seca - nome popular para os frutos das plantas dos gêneros Lagenaria e Cucurbita -, cortada em uma das extremidades e coberto por uma rede de contas.
Divulgação
Os atabaques são mais populares. Com um formato cônico e feito de madeira com aros de ferro, estes tambores africanos são tocados utilizando a palma das mãos e são comuns não só dentro dos terreiros de candomblé, mas também em rodas de capoeira.
O som criado a partir destes instrumentos guiam o Ijexá, a dança que chegou através do povo Yorubá, trazido para o Brasil durante a escravidão e se manteve vivo através das cerimônias feitas nas religiões de matriz africana. Após o nascimento do Ilê Aiyê (1974) e o Olodum (1979), principais blocos afros nascidos em Salvador, todo esse conjunto passou por mudanças e influências da música popular brasileira.
Agência Brasil
A principal demonstração dessas influências, foi a criação do samba-reggae, um novo ritmo criado a partir do samba e do reggae jamaicano. O fundador foi Antônio Luís Alves de Souza, conhecido como Neguinho do Samba, que foi membro da bateria do Ilê Aiyê e também foi responsável pela criação do Olodum.
Divulgação/Neguinho do Samba
Lucas di Fiori, um dos cantores do bloco Olodum, contou ao Farol da Bahia como essa criação levou os afoxés aos trios de carnaval e ajudou na expansão do Axé Music.
“O Olodum tem uma parcela de contribuição muito grande por causa dos seus tambores e da sua levada. Com a criação do samba reggae através do nosso mestre, Neguinho do Samba, tudo se modifica. O samba reggae começou a criar novas claves e novas células de percussão. Quando esses blocos de trio começam a pegar as músicas do bloco afro, que antigamente só era percussão e voz, e levavam para cima do trio, o Axé se expandiu para o Brasil inteiro”.
Lucas também relembrou dos principais clássicos do Olodum como a música Faraó, que marcou gerações e consegue arrastar multidões em qualquer lugar que tocar. A letra carrega a missão dos blocos afros no combate ao racismo e valorização da cultura africana.
Eu falei faraó (ê, faraó)
É, eu chamo Olodum Pelourinho (ê, faraó)
É, que mara mara mara maravilha ê (Egito, Egito ê) - 2x
Faraó (ó ó ó) - 2x
Huum, Pelourinho
Uma pequena comunidade
Que porém o Olodum unirá
Em laço de confraternidade
Despertai-vos
Para a cultura egípcia no Brasil
Em vez de cabelos trançados
Veremos turbantes de Tutancamon
E nas cabeças
Enchem-se de liberdade
O povo negro pede por igualdade
Deixando de lado as separações
Divulgação/Olodum Faraó
“O Olodum é ligado diretamente com o Candomblé, na nossa musicalidade, na nossa religião, tudo aquilo que a gente desenvolve, tudo aquilo que a gente quer ao próximo e ao nosso povo. O nome do Olodum é extraído da palavra Olodumaré, o Deus em Yorubá. Está tudo envolvido”, afirmou Lucas.
Paulo Miguez também reforça que o axé, como um movimento musical de rua, é inegável a presença africana e do povo santo.
“Axé music é uma festa de rua, é uma música de rua. A presença africana dialoga com a axé, nem sempre de formas perceptíveis, mas ela sempre está presente”.
Apesar de toda a riqueza e contribuição para a música popular brasileira, o Axé Music não escapou da desvalorização e intolerância do mercado. Mesmo com o destaque durante o carnaval baiano, com o passar do tempo, o Olodum percebeu que o bloco precisava se manter vivo durante o restante do ano, e isso foi possível através dos projetos sociais.
“O Olodum foi fundado em 79, mas em 83 ele já entendeu que nem só de carnaval poderia viver o bloco, ele precisava cuidar das crianças da comunidade. Eu sou um exemplo vivo disso, entrei no Olodum com 9 anos, hoje tenho 43, é isso que dá longevidade. As crianças são preparadas para dar seguimento a tudo isso. Durante esse processo há renovação, há novas músicas e há verdade do acolhimento, do amor. O que é de verdade dura, e vai durar por muitos anos”, concluiu.