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Bahia

A cada sete horas, uma pessoa negra foi morta pela polícia na Bahia, aponta levantamento

Boletim é da Rede de Observatórios da Segurança e corresponde ao ano de 2023

Por Bélit Loiane
Ás

Atualizado
A cada sete horas, uma pessoa negra foi morta pela polícia na Bahia, aponta levantamento

Foto: Polícia Militar da Bahia

Uma pessoa negra foi morta a cada sete horas por intervenções policiais na Bahia, ao longo de 2023. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (7) pelo boletim “Pele Alvo: mortes que revelam um padrão” da Rede de Observatórios da Segurança. 

O estado acumula 47,48% das vítimas negras de todos os nove analisados pelo levantamento - Amazonas, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia - e se manteve no posto de mais letal em operações da polícia, colocação alcançada em 2022. 

Ao todo, foram 1.702 mortos em ações de agentes de segurança, desses 1.321 eram negros, o que representa 94,6%. Em entrevista ao Farol da Bahia, Ana Paula Rosário, graduanda em ciências sociais e pesquisadora da Rede de Observatórios, disse que o boletim expõe as semelhanças entre as vítimas de ações policiais.

“O combate através da morte é para um grupo social específico. O Estado vê esses corpos como matáveis e essas mortes têm uma cor, um território, uma ginga, um dialeto. No Brasil, a condição de morte por estar em alguma atividade ilícita é produzida dentro dos espaços de comunidade, onde as pessoas já estão em vulnerabilidade por outras pautas que o Estado deixa que ocorra. Não se é pensada uma solução, o policial muitas vezes não tem um acompanhamento psicológico, uma regalia, e as famílias são mais e mais afetadas”.

A Bahia enfrenta um período delicado na segurança pública, com crescente de confrontos entre facções criminosas e letalidade em ações policiais. Todos têm ponto central de atuação as periferias das cidades, como evidenciado por Ana Paula Rosário.

Somente no mês de setembro do último ano, 52 pessoas foram mortas pela polícia. Todas as mortes foram registradas como autos de resistência - quando há confrontos entre suspeitos e policiais. À época, uma série de operações foram realizadas no estado, após a morte do policial federal Lucas Caribé, em uma ação no bairro de Valéria, na capital baiana.

“No Brasil não temos pena de morte, não temos como diretriz a morte de pessoas que estão em atividades ilícitas, mas o governo tem a prática de usar a morte como mecanismo e ferramenta de combate à violência. Há anos se apontam as problemáticas da punição e da morte como prática de resolução para a Segurança Pública, e há anos essa violência vem aumentando, porque quando o Estado adota a violência como prática, é óbvio que a sociedade também vai achar que a violência é a solução”, pontuou Ana Paula Rosário. 

Nos últimos cinco anos, a Bahia registrou um aumento de 161,8% no número de mortes decorrentes da intervenção do Estado - em 2018 foram contabilizados 650 óbitos. No boletim divulgado nesta quinta, o estado foi o única a registrar mais de mil óbitos, o segundo maior número já registrado desde 2019 dentre as nove unidades federativas monitoradas pelo observatório. 

Em 31 municípios ocorreram mais de dez mortes em ações da polícia. Entre eles, Salvador, Feira de Santana, Jequie, Eunápolis e Camaçari lideraram letalidade. 

O que diz a SSP

Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) reiterou o compromisso com a população e destacou a redução de 6% das mortes violentas em 2023, na comparação com o ano anterior. A pasta informou ainda que nos últimos três anos, cerca de 300 viaturas foram atingidas por disparos de arma de fogo.

Segundo a SSP-BA, há investimento em capacitação, tecnologia e equipamentos de investigação nas forças policiais, na busca de "retirar das ruas armas de fogo", o que totalizou na apreensão recorde de seis mil armas, ainda em 2023. Nos meses de maio, junho, julho e agosto de 2024, a Polícia Civil contabilizou os menores índices de mortes violentas em 12 anos.

Juventude afetada

Das vítimas de operações na Bahia em 2023, os jovens são a maioria. 62% dos mortos tinham entre 18 e 29 anos. Além disso, 102 adolescentes, de 12 a 17 anos, foram assassinados por agentes de segurança. 

Segundo um estudo divulgado pela Unicef no mês de agosto, um terço das mortes de jovens entre 10 e 19 anos em 2023, na Bahia, aconteceram em operações das forças de segurança. Foram 289 mortes, uma média de 13,9 a cada 100 mil habitantes. Enquanto isso, a média nacional foi de 3,1 - 4,4 vezes menor. 

Uma das vítimas foi Gabriel Silva da Conceição Júnior, de 10 anos, morto com um tiro no rosto enquanto brincava na porta de casa, durante uma ação policial realizada no bairro de Portão, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). 

Na análise de Ana Paula Rosário, é preciso entender as ausências de políticas públicas e da presença ativa do Estado nas periferias, como na falta de fornecimento de saneamento básico e educação de qualidade, para que seja possível chegar à raiz da motivação de tantas mortes entre as primeira e segunda idades. 

“A gente vive nessa luta contínua do enfrentamento contra o genocídio da juventude negra e não é somente um problema de segurança pública, mas de políticas públicas. Há um modus [operandi] de tratar as pessoas periféricas, muitas vezes são desumanizadas, e não só no campo da segurança, mas na saúde, educação e acessos a direitos básicos. Tem que pensar no que está faltando nesses lugares”.

No início de outubro deste ano, dois irmãos percussionistas, de 15 e 21 anos, foram assassinados durante um ataque a tiros no Emissário de Arembepe, em Camaçari, na RMS. Segundo as investigações, as vítimas tiraram uma foto fazendo sinais com as mãos, que podem ter sido confundidos com gestos de facções.

Os irmãos não foram os únicos a perder a vida por esse motivo. Em 2024, ao menos seis pessoas foram assassinadas no estado após exibirem gestos associados a facções criminosas. Do outro lado, a cor de cabelo pode resultar em abordagens e prisões. Em 2020, um jovem de 22 anos foi preso suspeito de roubo, na capital baiana, por se enquadrar na descrição “preto, cabelo loiro e tatuado”, dada por uma testemunha.

“É preciso fazer uma mudança no imaginário social, onde as pessoas não sejam olhadas como traficantes. Temos mortes de pessoas inocentes que por usarem um cabelo de certa cor, uma camisa de maneira específica, até pelos gestos que se faz numa foto. Muitas mãe proíbem os filhos de pintarem o cabelo de loiro, porque podem sofrer uma violência policial por isso. Esse é o nível de insegurança que as pessoas estão”, analisou Ana Paula Rosário.

Os dados do boletim são obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), junto à Secretaria de Segurança Pública e órgãos correlatos da Bahia. A Rede de Observatórios é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança, fenômenos de violência e criminalidade.

Anuário de Segurança Pública

Os números reunidos pelo estudo convergem com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e divulgado em julho deste ano. Segundo o levantamento, uma a cada quatro mortes por intervenção policial registradas no Brasil, em 2023, ocorreu na Bahia.

O município de Jequié, no sudoeste do estado, teve o maior número de mortes em ações em todo o Brasil: 46,6 mortes a cada 100 mil habitantes. A Bahia colocou ainda outras quatro cidades no TOP 10: Eunápolis, no extremo sul, na quarta posição (29 mortes a cada 100 mil/hab.), Simões Filho, na Região Metropolitana, em sétimo lugar (23,6), Salvador, em oitavo (18,9), e Luís Eduardo Magalhães, no oeste, em décimo (18,5).

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