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A cada uma hora, uma medida protetiva é concedida a mulheres na BA; vítimas são mortas mesmo com o recurso

Especialistas destacam importância das providências, mas chamam atenção para a necessidade de maior eficácia; órgãos enfrentam déficits em fornecimento de dados sobre o tema

Por Bélit Loiane
Ás

Atualizado
A cada uma hora, uma medida protetiva é concedida a mulheres na BA; vítimas são mortas mesmo com o recurso

Foto: Ascom/PC

A cada uma hora, uma medida protetiva de urgência, com base na Lei Maria da Penha, é concedida na Bahia. Segundo dados divulgados pela Polícia Civil, 4.804 medidas foram solicitadas somente no primeiro semestre de 2024. Com 50 casos de feminicídio registrados entre 1º janeiro e 2 julho deste ano, o estado tem estabilidade dos números, já que registrou a mesma quantidade de casos no período do ano anterior. 

Além da manutenção do cenário de violência contra a mulher, outro fator preocupa: a recorrência de casos de feminicídio - ou tentativas - nos quais as vítimas tinham medidas protetivas contra os algozes. Segundo levantamento feito pelo Farol da Bahia com a desembargadora Nágila Brito, coordenadora da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), cerca de três mulheres assassinadas pelos ex-companheiros no estado, em menos de um mês, tinham conseguido as providências. 

As vítimas identificadas são Rafaela Ramos dos Santos, morta em Feira de Santana a facadas pelo ex-companheiro na frente do filho de 13 anos, no dia 23 de abril; Edneia Nascimento dos Reis, de 41 anos, morta após ser espancada na casa em que morava, na cidade de Conceição do Coité, também no dia 23 de abril; e Eliene de Jesus Santos, de 43 anos, assassinada no bairro de Mata Escura, em Salvador, no dia 13 de maio. 

Já neste semestre, outra mulher com medida protetiva foi vítima de feminicídio no da 26 de julho. Jéssica Carvalho Martins foi morta aos 33 anos, no município de Campo Formoso, norte da Bahia. O algoz dela, um homem de 22 anos, que não teve a identidade divulgada por causa da Lei de Abuso de Autoridade, foi preso em flagrante.

Tentativas 

Além das vítimas fatais, somente entre os meses de junho e julho foram registrados outros três casos de tentativas de feminicídio contra mulheres na Bahia que também conquistaram o recurso perante a Justiça.

Andréia Moreira dos Santos, de 34 anos, levava para a creche os dois filhos, de 10 e 8 anos, quando foi atacada pelo ex-marido, em Itambé, sudoeste da Bahia. O filho mais velho do casal tentou defender a mãe e também foi ferido. Ela ficou em estado grave e a criança sofreu um corte na mão. Andréia tinha medida protetiva contra o suspeito, que foi preso.

No dia 27 de junho, uma jovem de 23 anos foi atacada pelo ex-companheiro enquanto estava a caminho de um ponto de ônibus, e internada em estado grave. Ela foi esfaqueada seis vezes, nas regiões do pescoço, cabeça, costas e peito. A vítima tinha quatro boletins de ocorrência contra o suspeito, que já havia a mantido em cárcere privado por 24 horas.

Já no dia sete deste mês, uma mulher também ficou ferida ao tentar fugir das agressões do ex-companheiro, que descumpriu a medida de urgência, no Jardim Nova Esperança, em Salvador. 

Inexatidão dos números

Desde 2018 o descumprimento da medida protetiva de urgência passou a ser definido como crime, previsto no artigo 28 A da Lei Maria da Penha. A partir da definição, o suspeito que desobedece as restrições determinadas, tem as penas das agressões somadas com a da transgressão, de seis meses a dois anos de prisão. No entanto, apesar de seis anos da adequação da legislação, os números relacionados ao recorte ainda são escassos.

O levantamento reunido pela equipe da desembargadora Nágila Brito para esta reportagem coletou os nomes das vítimas a partir de matérias jornalísticas em portais de notícias. Das 50 vítimas de feminicídio mortas neste ano apontadas pela Polícia Civil, a equipe conseguiu apenas os dados de 30, as quais coletaram as informações processo por processo.

“O que a gente está tentando é adequar a nossa TI para, por exemplo, poder ‘puxar’ pelo termo chave […] Esse cenário vai melhorar”, disse Nágila Brito sobre o sistema do TJ-BA.

Ao Farol da Bahia, o TJ do estado definiu como “tecnicamente inviável” a reunião dos números de medidas protetivas de urgência descumpridas neste ano no estado, por não haver “parametrização de assuntos que deveriam ser utilizados na classificação da tabela, para o assunto pretendido”. 

A Polícia Civil foi questionada sobre quantas mulheres com medidas protetivas de urgência foram mortas pelos ex-companheiros no estado este ano e quantos suspeitos foram presos pelos descumprimentos do recurso, mas a corporação informou que não realiza este tipo de recorte de dados. Uma entrevista com uma delegada também foi solicitada, no entanto a PC disse que não havia nenhuma títular disponível para tratar sobre o assunto.

Em evento sobre a reunião do dados de Segurança Pública da Bahia, a delegada-geral da PC-BA, Heloísa Brito, chegou a definir a redução dos casos de violência contra a mulher na Bahia como “complexa”, durante entrevista ao Farol da Bahia

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) também foi procurado para a declaração de alguma procuradora sobre os números coletados, mas o órgão informou que não havia como atender ao pedido de entrevista.

Na análise da advogada criminalista doutoranda em gênero pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Daniela Portugal, entre os percalços encontrados para o cumprimento efetivo da proteção das mulheres, a ausência de levantamento e divulgação destes dados, aparece como um dos principais fatores. 

“[O problema] Passa dentre outros fatos por transparência por parte dos tribunais em divulgarem esses números para que a sociedade civil possa cobrar. É preciso que a imprensa, a sociedade de modo geral, e principalmente os campos políticos tenham ciência desses dados, para que possamos nos debruçar sobre maneiras mais efetivas de proteção destas mulheres“, declarou. 

Medidas e funcionamento

A medida protetiva de urgência é considerada um dos principais recursos de proteção da Lei Maria da Penha - que criminalizou a violência contra a mulher -, e tem como objetivo prevenir a ocorrência de crimes ou de crimes mais graves. A advogada Daniela Portugal explica que há diferentes tipos de medidas, entre elas:

  • - Afastamento do agressor do lar;
    - Suspensão da posse ou porte de arma do agressor;
    - Proibição de proximidade da vítima com distância definida pelo juiz e/ou frequência a determinados lugares indicados, como por exemplo: local onde a vítima estuda, trabalha e/ou realiza atividade física;
    - Restrição de visita aos menores dependentes;
    - Comparecimento do agressor a grupos de educação com orientação pedagógica.

Os especialistas em casos de agressões às mulheres são unânimes em afirmar a importância do recurso de proteção, mas sinalizam a necessidade de políticas públicas que permitam melhor efetividade. “Em termos de legislação, a protetiva tenta cobrir a mulher de todas as formas, evitando que essa violência continue, e tem uma eficácia muito grande, mas não dá conta, porque não é um problema do texto da lei, é de como colocar ela em segurança na prática”, analisou a advogada criminalista Thaís Bandeira em entrevista ao Farol da Bahia.

Destinar maiores recursos para a Ronda Maria da Penha, que acompanha as mulheres que possuem medidas protetivas e permitem que acionem o botão do pânico, e recorrer para instalações de tornozeleiras eletrônicas nos suspeitos está entre as sugestões. 

“É necessário algo no sentido de fiscalizar mais o mecanismo das protetivas. A gente pode colocar no agressor a proteção eletrônica, por exemplo, já seria mais uma garantia para a vítima de que esse agressor não vai se aproximar dela [a vítima]. A ampliação da ronda, porque elas ficam com o telefone direto do policial que permite uma comunicação mais rápida, seria outra opção. É preciso fazer valer”, disse Thaís.

Na visão da desembargadora Nágila, o interior da Bahia precisa de mais investimentos nos equipamentos destinados ao acolhimento das vítimas de agressão doméstica e fiscalização do cumprimento das ordens judiciais por parte dos suspeitos.

“É preciso o aumento dos centros de referências para onde encaminhar as mulheres após essas violências, um acompanhamento maior para essas mulheres. A medida protetiva salva vidas, afasta o agressor, retira a arma de quem possui arma para que a mulher não corra tanto risco, retira procurações para que não tenha violência matrimonial, mas temos que cuidar dos instrumentos [de execução] também”, refletiu.

Já Daniela Portugal, reforça que o centro da problemática se encontra nos tribunais baianos. A advogada comentou os dados de um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que analisou o desemprenho dos tribunais na aplicação concreta da Maria da Penha, em 2018. Na quantidade de medidas protetivas por número de mulheres residentes do estado, a Bahia foi o estado com o menor número de medidas protetivas deferidas entre os tribunais de médio porte.

O estado também apresentou o pior desempenho no recorte que diz respeito ao total de sentenças, com apenas uma entre os anos de 2016 e 2017. Ou seja, apesar do alto número de aplicação de medidas, os crimes encontram dificuldades em serem processados.

“Quando uma situação de violência acontece, a gente tanto vai ter o processo das protetivas, quanto deveríamos ter o criminal referente a essa situação de violência. Muitas mulheres, ainda que não conhecam esses números do CNJ, sabem a partir do diálogo com outras mulheres que a garantia de efetividade da Maria da penha aqui na Bahia ainda encontra uma série de obstáculos [...] enquanto os relatos forem esses, essas mulheres não vão se sentir encorajadas a demandar do Estado algum tipo de proteção”, concluiu.

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