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Ações policiais crescem mais de 15% em ano eleitoral no Brasil, diz relatório

Em entrevista, Dudu Ribeiro fala sobre política de morte e segurança pública

Por Ane Catarine Lima
Ás

Ações policiais crescem mais de 15% em ano eleitoral no Brasil, diz relatório

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, modificou as relações pessoais e de trabalho em todo o Brasil. No entanto, apesar das remodelações impostas ao modo de vida, a violência policial juntamente com a política de morte se mantiveram inalteradas nos últimos dois anos. Além disso, dados recentes da Rede de Observatórios da Segurança mostram  uma maior tendência de ações policiais violentas em ano eleitoral. 

Segundo o relatório “Raio X Das Ações de Policiamento”, produzido pelos Observatórios da Rede na Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, houve um aumento das atividades policiais no primeiro semestre de 2022. Em maio, os pesquisadores registraram um acréscimo geral de 30% no número de ações de policiamento em comparação ao mesmo período de 2021, seguido por abril com incremento de 16% e junho com 10%. Dessa forma, ao comparar os meses de abril, maio e junho de 2022 ao mesmo período do ano passado, o levantamento aponta um crescimento de 18% nas ações.

 

Fonte: Rede de Observatórios da Segurança 

Os pesquisadores observam que as polícias estaduais tendem a aumentar o número de operações durante o ano eleitoral, na medida em que as eleições se aproximam, devido à necessidade de mostrar serviço à população e de, portanto, alavancar a visibilidade da corporação. Além disso, o estudo aponta que o número de ações policiais é sensível aos contextos políticos e cenários eleitorais. 

Em entrevista ao Farol da Bahia, Dudu Ribeiro, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia e co-fundador da Iniciativa negra por uma nova política de drogas, reforçou que as forças policiais tendem a mostrar mais serviço em ano eleitoral porque buscam dar uma espécie de "resposta" para a sociedade. 

“Do ponto de vista do gestor do Executivo, o governador, é um incentivo a narrativa da sociedade. Como a segurança pública é sempre um tema sensível nas eleições, a tendência dos governadores, sobretudo daqueles que estão em busca da reeleição, é de incentivar a lógica das operações policiais como se isso fosse uma resposta para a sociedade”, explicou o especialista.

De acordo com o relatório, independentemente dos candidatos, as próprias corporações policiais podem ser estimuladas a mostrar mais sua importância em ano eleitoral, propiciando mais ações e mais violência policial, aumentando a visibilidade e espetacularização das ações de segurança. 

“Existe uma atuação cotidiana da polícia que é baseada em uma lógica violenta. No caso da Bahia, que é o estado mais letal do Nordeste no nosso monitoramento e, proporcionalmente, o que provocou mais mortes em operações, a tendência quando você incentiva o aumento das operações é também aumentar a letalidade e a violência”, disse Ribeiro.

Dados da Rede de Observatórios revelam também que os negros são o alvo da letalidade policial nos cincos estados monitorados. Somente na Bahia, por exemplo, mais de 95% dos mortos pela polícia são negros. Ainda em entrevista, Dudu Ribeiro afirmou que a política de segurança pública baseada no terror racial visa a manutenção de um sistema de distribuição desigual de oportunidades dentro da sociedade.

“Existe uma escolha política muito baseada em uma lógica de terror racial contra as populações periféricas. O que sustenta essa concentração [de ações policiais violentas nessas áreas] não é a ciência e a produção de dados, mas sim a manutenção de uma lógica de distribuição desigual de oportunidades”, pontuou o especialista.

“O racismo institucional, quando a gente está falando da organização das polícias, e o racismo estrutural, do ponto de vista de como a sociedade vê os sujeitos negros como detentores de menos humanidade, são certamente a resposta para que os negros sejam os principais alvos de abordagens policiais. Os dados apresentados têm demonstrado que a violência é distribuída racialmente em todo o Brasil”, completou.

Incansável busca por combater o tráfico

Ainda de acordo com o estudo, o combate a violência por parte da polícia tem menos a ver com o crime ou com as drogas, e mais com a reafirmação de que existem territórios perigosos, predominantemente negros e pobres, e que o “ Estado” está lá para combatê-los. Partindo desse pensamento, Dudu Ribeiro alertou para a cotidiana tentativa de extermínio da  população negra.

“As operações policiais são legitimadas frente a sociedade como motivadas no combate ao tráfico de drogas. Apesar de termos um índice muito reduzido de ações policiais que de fato realizam apreensão, cerca de 26% nacionalmente, a guerra às drogas serve como uma justificativa dessa política de distribuição de morte enquanto exercício do poder do Estado. Muitos autores vão chamar essa realidade de ‘necropolítica’”, afirmou Ribeiro.

Segundo ele, a política de segurança pública dos estados monitorados não está pautada na prioridade de preservação da vida, principalmente quando o assunto é pessoas negras e periféricas. “Nós temos um índice de 76% de mortes provocadas por arma de fogo e apenas 4% das operações têm como motivação primária o tráfico de armas”, pontuou o especialista.

“Então, existe uma inversão da lógica da segurança pública que é pautada no confronto e na ocupação dos territórios periféricos ao invés da proteção da vida e solução de crimes a partir da inteligência e do aproveitamento da ciência dos dados”, continuou.

Para Dudu, o Estado precisa ampliar o entendimento sobre o conceito de segurança pública para atuar efetivamente na segurança da população. “É preciso retirar do centro que a segurança pública é apenas a ação das polícias. Isso já é um ganho importante porque a gente vai passar a perceber que a segurança pública também melhora conforme a gente vai melhorando a vida da população como um todo, quando a gente amplia o acesso a direitos”, concluiu Ribeiro. 

Veja o relatório completo (aqui).

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