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Alienação Parental: projeto que revoga lei avança no Senado e vítimas celebram

Legislação abre brecha para que abusadores se livrem de acusações

Por Ane Catarine Lima
Ás

Alienação Parental: projeto que revoga lei avança no Senado e vítimas celebram

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

A Lei de Alienação Parental (LAP) é considerada polêmica e rodeada de embates. A medida, conforme especialista ouvida pelo Farol da Bahia, acirra conflitos e expõe crianças a situações de violência. Desde 2010, a legislação é aplicada no Brasil sob a justificativa de proteger crianças de genitores que exerçam alguma forma de manipulação durante situações de separação.

No entanto, a aplicação dessa lei tem sido criticada por abrir brecha para que abusadores se livrem de acusações e por ser usada com um viés de gênero que prejudica principalmente as mulheres. Esse entendimento é reforçado, inclusive, pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal que recentemente aprovou um projeto (PL 1.372/2023) que visa revogar integralmente a LAP.

Apresentado pelo senador Magno Malta (PL-ES), o texto recebeu voto favorável da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e agora segue para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Malta defende que a LAP é alvo de críticas de instituições de defesa dos direitos de crianças e adolescentes porque teve o uso deturpado por genitores acusados de abusos para assegurar a convivência com a criança e o convívio familiar. 

Esse avanço no Senado é comemorado por vítimas da lei, incluindo Hélia Braga. Ela foi acusada de alienação parental após descobrir e denunciar que  o pai de suas filhas estava envolvido em um esquema de corrupção. Anteriormente, Hélia já havia relatado ao Farol o problema da aplicação da lei e denunciado casos em que mães foram acusadas de alienação parental após denunciarem abuso sexual por parte de seus parceiros.

"Dentro do Senado, esse avanço é tudo. Durante mais de cinco anos de trabalho no Congresso Nacional, lutando pela revogação da Lei de Alienação Parental (LAP), muitas vezes percebi o Senado resistente. Alguns senadores usavam a LAP em benefício próprio, especialmente em casos de disputa de guarda, enquanto fingiam apoiar nossa causa. Além disso, era comum campanhas do Senado que retratavam mães abraçando seus filhos, enquanto os pais apareciam sozinhos e chorando à distância. Tudo isso era tendencioso e absurdo”, afirmou Hélia.

“Em 2018, chegamos a solicitar que o Senado se retratasse devido ao formato dessas campanhas, mas fomos reprimidas. A relatora da LAP, hoje, se diz arrependida por seu papel na relatoria. Esse arrependimento acaba sendo benéfico e gerando um apoio, mesmo que conveniente, para o fim deste suplício na vida das crianças e de suas famílias”, continuou.

Segundo a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o Brasil é, atualmente, o único país com legislação específica sobre alienação parental. Diante dessa realidade, Hélia defende que o Brasil deveria adotar o entendimento de outros países que reconheceram os impactos causados pela lei em questão. Apesar do avanço do PL  no Senado, ela enfatizou que a luta continua.

“É importante ressaltar que pedófilos e pessoas de má fé podem estar em qualquer lugar e muitas vezes apoiam aqueles que defendem a LAP, a pedofilia e a litigância de má fé que ela promove. Sendo assim, a luta continua, mas é bom ver um parlamento mais renovado e consciente dos efeitos dantescos da Lei de Alienação Parental”, disse. 

Reconhecimento e frustração

No dia 16 de agosto, durante a aprovação do projeto que busca revogar integralmente a LAP, Hélia Braga recebeu uma homenagem do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Na ocasião, a pasta reconheceu seus esforços em busca da revogação da lei.

Foto: Arquivo Pessoal/Farol da Bahia

Contudo, Hélia não hesitou em compartilhar os impactos que a LAP já teve em sua vida: "Eu sou falsamente acusada de alienação parental e denunciante de crime de corrupção, situação que está muito clara para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Infelizmente, hoje, as minhas filhas estão alienadas contra mim."

“Entendo que a minha luta e tudo o que venho passando começa a ser percebida pelo Congresso Nacional e pela sociedade. A LAP caminha para a sua revogação definitiva, mas os transtornos causados na minha vida e na relação com as minhas filhas são irreparáveis. Se tudo tem um preço, estou pagando alto por nos defender. Há um misto de reconhecimento e frustração.”

Convenção de Haia e alienação parental

A Convenção de Haia, em vigor desde 1980, é um acordo internacional com 103 países signatários, incluindo o Brasil. A medida tem a premissa de evitar que crianças sejam retiradas de seu país de residência habitual sem a autorização de ambos os pais ou do guardião legal do menor. 

A comissária de bordo Tunísia Viana, de 42 anos, é uma vítima da Convenção de Haia. Ela explicou ao Farol da Bahia que, nos processos envolvendo a convenção, os advogados do genitor frequentemente alegam alienação parental devido à mudança na residência habitual da criança. Além disso, segundo ela, a dinâmica visa desconsiderar as denúncias de violência doméstica feitas pelas mães e os casos de abuso e maus-tratos de crianças em situações binacionais.

Quando a convenção foi inicialmente aprovada, a maioria dos casos de subtração de menores era cometida por pais descontentes com a guarda da mãe. No entanto, hoje em dia, o cenário mudou. Em muitos casos, é a mãe que toma a iniciativa dessa conduta, mudando-se com o filho.

Esse é o caso da Tunísia. Em fevereiro de 2014, após passar meses com restrições de contato com a própria família e ter seu passaporte confiscado por seu então companheiro, ela se viu obrigada a fugir dos Estados Unidos para o Brasil com suas duas filhas. Essa decisão, segundo ela, foi tomada após episódios de violência psicológica e patrimonial.

Foto: Arquivo Pessoal: Tunísia e filhas

Atualmente, ela vive em São Paulo com uma permissão judicial de 15 dias e nunca voltou aos EUA devido ao medo. Tunísia afirmou que o ex-companheiro tentou tirar a filha deles de sua proteção usando a Convenção de Haia, ao perceber que ela não retornaria mais, mas o processo não chegou a ser judicializado porque ele agrediu o cônsul brasileiro. 

Agora, ela celebra o avanço do projeto de revogação da LAP no Senado. “O Congresso Nacional compreendeu a importância da revogação da lei diante de todas as denúncias e da situação de vulnerabilidade em que muitas crianças se encontram. A senadora Damares Alves, por exemplo, destacou que temos mais de 40 mães e crianças escondidas, devido a decisões que colocam em risco a vida desses menores”, afirmou Tunísia.

"Esse avanço representa um olhar para a situação dessas crianças que, além de estarem sob o risco de genitores denunciados por abuso sexual ou maus-tratos, acabam afastadas da escola e do convívio social. Sempre priorizo o bem-estar da criança. Infelizmente, as mães que estão nessa situação de fuga tentam proteger seus filhos porque o sistema jurídico brasileiro não protege as crianças quando elas sofrem abusos dentro do âmbito familiar”, completou.

Projeto em tramitação

Dados do Ministério das Mulheres revelam que no Brasil existem 376 casos de disputas internacionais pela guarda de filhos de brasileiros com estrangeiros ou de brasileiros separados que vivem no exterior. Nessas circunstâncias, a mãe ou o pai podem perder imediatamente seus direitos, levando a Justiça brasileira a ordenar o retorno da criança ao país onde residia.

No Senado, uma proposta está em tramitação com o potencial de mudar essa realidade. O projeto de lei, de autoria da deputada Celina Leão (PP-DF), visa evitar que a Convenção de Haia seja interpretada de maneira prejudicial às mulheres brasileiras que sofrem agressões, assim como a seus filhos, em países estrangeiros. O texto estabelece que, ao existir um mínimo de evidências que apontem para a ocorrência de situações de violência no país de residência, o juiz brasileiro poderá qualificar a situação como intolerável.

Leia também: Mães reivindicam revogação da LAP

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