Ao lado de Lula, Petro diz que Brasil apoia plano de conciliação política na Venezuela
Dois líderes sublinharam a importância de manter "a interlocução e o diálogo constante entre o governo e os demais setores políticos".
Foto: Ricardo Stuckert/PR
A Colômbia propôs a realização de um plebiscito na Venezuela para proteger direitos humanos e políticos dos opositores do ditador Nicolás Maduro -e o Brasil apoia a ideia, segundo o líder colombiano, Gustavo Petro, que esteve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Bogotá, nesta quarta-feira (17).
Considerado um aliado de Maduro, Petro esteve em Caracas na semana passada para tratar do que chamou de proposta democrática para garantir o "bem-estar do povo venezuelano". Ele não especificou, entretanto, quem eram seus interlocutores nem revelou detalhes do plano na ocasião.
Agora, porém, diz que falou com Lula sobre a ideia e que o brasileiro manifestou seu apoio à proposta. O petista não comentou o assunto nem respondeu a questionamentos dos jornalistas presentes acerca da situação da Venezuela.
Em declaração conjunta após o encontro, lê-se que, sobre a Venezuela, os dois líderes sublinharam a importância de manter "a interlocução e o diálogo constante entre o governo e os demais setores políticos".
Ainda segundo a declaração, Lula e Petro "exortaram o governo e os setores de oposição a considerar a possibilidade de chegar a um acordo de garantias democráticas que possa ser referendado nas urnas" e "reiteraram seu repúdio a qualquer tipo de sanções que unicamente servem para aumentar o sofrimento do povo venezuelano".
O regime de Maduro e a oposição assinaram em outubro passado um pacto segundo o qual concordavam com a realização de eleições livres e com observadores internacionais na Venezuela. A ditadura, no entanto, vem perseguindo líderes opositores e dificultando o acesso de rivais ao processo.
Aliados próximos de María Corina Machado -que venceu com folga as primárias da oposição mas está inabilitada a assumir cargos públicos por 15 anos- foram presos. A escolhida para substituí-la foi Corina Yoris, acadêmica que também não conseguiu inscrever sua candidatura. A oposição tem até o próximo sábado (20) para trocar o candidato inscrito, Edmundo Gonzalez, que não é nome consensuado pelo grupo.
Foi após o bloqueio da candidatura de Yoris que Lula mudou de tom com relação ao regime Maduro, antes blindado de críticas pelo governo brasileiro. Em nota, o Itamaraty disse que acompanhava "com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" na Venezuela.
Pela manhã, os dois líderes tiveram suas agendas alteradas em decorrência de um atraso de 1h30 no início do encontro bilateral. A reunião privada entre ambos durou duas horas, seguida de um almoço. Pouco se sabe sobre o que foi conversado, uma vez que a declaração à imprensa, prevista para depois do encontro, não aconteceu.
Horas mais tarde, em um discurso lido no Foro Empresarial Colômbia-Brasil, Lula afirmou que o Brasil sempre "deu as costas para a América Latina e para a África".
"Somos um continente colonizado, voltado para a Europa ou para a economia mais pujante, a dos Estados Unidos. E isso só nos trouxe pobreza. Hoje os EUA têm como projeto construir um muro para separar-se dos latino-americanos", disse Lula, em referência à promessa renovada de Donald Trump de levantar uma barreira física na fronteira com o México.
Lula também lançou algumas perguntas aos empresários que o assistiam. "A Colômbia não é um país qualquer. O que falta para que o Brasil perceba que a Colômbia é um país virtuoso em que vale a pena investir? E o que falta para que a Colômbia veja o Brasil como um parceiro único, para quem podem exportar e importar?".
O brasileiro disse a Petro que ambos devem trabalhar juntos para "encontrar os obstáculos que impedem uma maior integração entre os dois países". Ao dizer que os dois líderes devem manter uma postura altiva e que "se essa integração ocorrer, os EUA e a Europa vão nos respeitar", foi aplaudido pelos presentes. Outra salva de palmas ecoou quando disse que é possível e necessário que os dois países se conheçam mais e que "tripliquem o comércio" bilateral.
"Por que não há uma Finlândia, uma Suécia, na América Latina? Por que somos todos pobres? Temos de parar de ter medo dos demais", argumentou Lula.
Petro foi mais incisivo no discurso verde, pauta em que Brasil e Colômbia têm muitos pontos em comum, ainda que haja divergências relacionadas à exploração de petróleo -o colombiano, por exemplo, aderiu a um tratado de não proliferação de combustíveis fósseis na COP28, a conferência do clima da ONU, no ano passado, enquanto o governo brasileiro tem procurado impulsionar a exploração.
Em sua fala, Petro criticou o que chamou de máfia em operação na Amazônia, em referência à exploração ilegal de madeira e minérios, e disse que é justamente esse tipo de atividade o responsável por acelerar a mudança climática.
"A seca que estamos vivendo está relacionada ao El Niño, que neste ano nos castigou mais do que antes, isso junto com o elevamento do oceano Pacífico que ocorre por sua vez por causa das altas temperaturas, nos coloca diante de uma situação apocalíptica", argumentou o colombiano.
De fato, o país de Petro passa por uma grave crise hídrica, de modo que Bogotá se viu forçada a fazer um rodízio --uma vez a cada nove dias, os cidadãos ficam sem água. Olhando diretamente para Lula, Petro afirmou: "Nós precisamos salvar a selva amazônica. Brasil e Colômbia necessitam fazer isso e ser a vanguarda da produção de energias limpas no planeta."
Os chanceleres da Colômbia (Luis Gilberto Murillo) e do Brasil (Mauro Vieira) assinaram atos e tratados de colaboração nas áreas de segurança, ambiente, agricultura e de políticas de gênero. Entre eles, o ato para combater o tráfico de pessoas e um acordo de colaboração na área de comunicação.
Estavam presentes na cerimônia ministros de ambos os países. Do lado brasileiro estavam presentes também os escritores Ailton Krenak e Fernando Morais. Ambos participam da Feira Internacional do Livro de Bogotá, que começa também nesta quarta-feira.