Aposta em alta nos juros no Brasil continua apesar de corte nos EUA
Segundo especialistas, o cenário continua inalterado pois o ciclo de cortes nos juros americanos já era considerado na elaboração dessas projeções
Foto: Marcello Casal JR/Agência Brasil
Apesar da forte reação positiva do mercado financeiro nesta sexta-feira (23), a confirmação de um corte nos juros dos Estados Unidos em setembro não alterou, por ora, as previsões dos economistas para o Brasil.
A expectativa da maioria do mercado segue por uma manutenção da Selic em 10,50%, enquanto os demais ainda veem uma taxa básica de juros acima de 11% ao final deste ano.
Segundo especialistas, o cenário continua inalterado pois o ciclo de cortes nos juros americanos já era considerado na elaboração dessas projeções.
É possível, porém, que uma eventual desvalorização maior do dólar ante o real e uma queda mais expressiva na curva de juros ajudem a reduzir as expectativas de inflação e a própria alta dos preços. Isso poderia facilitar a missão do Banco Central brasileiro de manter o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) dentro da meta de 3% ao ano, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Nos últimos 12 meses, a inflação bateu no teto limite, com uma alta acumulada de 4,50%, o que levou diversas instituições financeiras a apostarem em uma alta na taxa básica de juros brasileira já em setembro.
É o caso da do BTG. Segundo Álvaro Frasson, estrategista-macro do BTG Pactual Portfolio Solutions, por mais que a queda de juros nos EUA ajude a reduzir a aversão a risco dos investidores, o que derruba as expectativas de inflação, a atividade econômica brasileira está muito resiliente, o que torna o IPCA mais resistente.
"Acho difícil o Copom deixar de subir juros aqui porque a atividade doméstica está surpreendendo bastante", diz Frasson.
O Brasil está com a menor taxa de desemprego em dez anos (6,9%) e com a aumento real na renda dos trabalhadores, o que, mesmo com um juro restritivo de 10,50% ao ano, eleva os preços. E a perspectiva é que a atividade siga em expansão, com revisões altistas a cada semana na expectativa para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) deste ano. A mais recente é de 2,23%, com um IPCA de 4,22%.
O BTG, por sua vez, espera uma alta de 2,7% no PIB deste ano, com uma Selic a 11,75% --um acréscimo de 0,25 ponto percentual em setembro, seguido e duas altas de 0,50 cada uma.
As XP tem as mesmas projeções. De acordo com Francisco Nobre, economista da instituição, além da inflação, o risco fiscal também demanda cautela por parte do BC.
"Sabendo que atividade econômica [no Brasil] está saudável, o Copom tem espaço para subir juros", afirma Nobre.
Segundo o economista, o maior risco no momento é a saúde da economia dos EUA. Com uma recente alta inesperada na taxa de desemprego americana, para 4,3%, o receio em relação a uma possível recessão voltou à mesa.
"Essa alta de juros nos EUA já estava bem telegrafada, ela não muda a perspectiva macroeconômica. A dúvida é a magnitude do corte por lá", diz Nobre.
Para ele, um corte de 0,5 ponto percentual na taxa do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) pode indicar uma maior preocupação da autoridade monetária com a saúde da maior economia do mundo, o que aumentaria o risco de recessão.
"Se as empresas americanas ficarem preocupadas com recessão, elas cortam custos, cortam vagas, e isso acaba gerando recessão, com alta de desemprego. Vira uma bola de neve", afirma o economista.
As expectativas de inflação funcionam da mesma maneira. Elas são utilizadas no ajuste de preços e acabam sendo uma profecia autorrealizavel. Quanto menores as expectativas, menor tende a ser a alta de preços de fato.
Segundo o economista Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda, as expetativas de inflação desancoradas são o maior fator de preocupação para o Copom no momento.
"Vejo como o cenário mais provável uma elevação de 0,25 ponto percentual na Selic na reunião de setembro", diz Nóbrega.
Já o Itaú Unibanco está alinhado com a previsão da maioria dos economistas, com expectativa de manutenção da Selic em 10,5% até o fim de 2025, com um PIB de 2,5%% este ano.
Para Pedro Castanheira Schneider, economista do banco, o maior risco também é a possibilidade de uma recessão nos EUA. "Por que o Fed está cortando juros? É porque a inflação caiu ou porque ele está com medo de recessão?"
Por enquanto, o Itaú não vislumbra uma contração na maior economia do mundo, o que alivia o cenário brasileiro. "Quando o externo fica benigno, diminui a sensibilidade [do mercado] aos nossos problemas", diz Schneider.
Porém, se a inflação der indicações que ficará acima da meta do BC, o economista vê chances de alta na Selic.
O cenário é o mesmo trabalhado pela BRCG Consultoria.
"A Selic fica em 10,5% até o fim do ano que vem, sem inflação no centro da meta, mas dentro da banda de tolerância", diz Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria.
Para ele, a queda dos juros americanos ajuda o BC a não ter que subir juros, mas não é o principal fator na mesa. Para Ribeiro, o Copom ainda calcula os impactos de uma atividade mais forte, da dificuldade de convergência da inflação para a meta e do risco de desaceleração dos EUA.