Bahia é o estado mais letal do Nordeste para pessoas negras, segundo pesquisa
Outros três estados e o Distrito Federal foram analisados
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A Bahia é o estado mais letal do Nordeste, é o que afirma a pesquisa inédita “Iniciativa negra por direitos, reparação e justiça”, da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas, divulgada nesta quinta-feira (15). O levantamento aponta que em 2021 a Bahia foi o Estado do Nordeste com maior número de mortes em operações policiais: foram registradas 461 pessoas vitimadas, das quais 247 pessoas foram vítimas de chacinas, com 165 vítimas fatais.
De acordo com a pesquisa, entre os meses de junho de 2019 e maio de 2020, o estado registrou a maior porcentagem de operações policiais motivadas pela repressão ao tráfico de drogas Região, numa compreensão de 36% (824 ocorrências).
Além disso, no primeiro semestre de 2022, a Bahia foi o Estado que registrou a maior quantidade de mortes violentas, com 2.360 casos, que incluem homicídios dolosos, latrocínios e lesões seguidas de morte.
O estudo atrela os dados citados ao “genocídio negro com as políticas de combate às drogas”. “O perfilamento racial é, portanto, variável fundamental para compreender a estratégia institucional de combate às drogas existente no Estado”, diz texto.
Esta é a primeira publicação nacional da organização, que traz um panorama das medidas de reparação e justiça no país, além de análises sobre como a atual política de drogas contribui para injustiças criminais e o aprisionamento em massa da população negra, resultando em violações de direitos e morte.
Além da Bahia, foram analisados dados dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Distrito Federal para abordar o conceito de conceito de reparação, que segundo o documento, é pouco discutido no contexto da política de drogas.
O relatório está dividido em três partes: pesquisa documental, discussão sobre reparação nos territórios e trabalho de campo com escuta qualificada e coleta de relatos de pessoas que sofreram injustiças criminais.
O levamento analisou legislações e políticas públicas relacionadas às vítimas de injustiças criminais com perfil racial. E afirma que não foram encontradas políticas públicas e programas sobre uso de drogas, legislações e projetos de leis sobre reparação para vítimas de injustiças criminais nos estados incluídos na pesquisa.
“A legislação vigente, portanto, não ampara uma perspectiva de reparação que inclua pessoas negras, especialmente aquelas vitimadas por injustiças criminais. Nesse sentido, para ampliar a pesquisa nos bancos de acadêmicos, foram executadas buscas por trabalhos que a proposta de reparação estivesse associada aos temas do projeto. O objetivo é situar em linhas gerais de que maneira o tema da reparação tem sido debatido e que tipo de questões têm suscitado”.
Para a socióloga, diretora e co-fundadora da Iniciativa Negra, Nathalia Oliveira, é importante responsabilizar o Estado brasileiro pelas injustiças cometidas contra o povo negro. Segundo ela, é necessário um embasamento em dados e produção de conhecimento para reparar os danos sofridos nos territórios.
O documento apresenta também seis recomendações para mudanças legislativas e institucionais, baseadas no critério da Justiça de Transição da Organização das Nações Unidas (ONU). Confira abaixo:
1 - Construção da memória, justiça e verdade
Sugestão de criação de uma comissão da verdade para investigar fatos e a incidência de países estrangeiros em projetos de guerra às drogas; averiguação e responsabilização sobre casos, como por exemplo, a participação de agentes do Estado em crimes contra a humanidade e ainda a averiguação de casos de pessoas desaparecidas em conflitos envolvendo a política de drogas.
2 - Reparação às comunidades afetadas
Faz parte das medidas de reparação, o reconhecimento formal do Estado brasileiro às famílias que tiveram filhos vitimados ou encarcerados dentro da lógica da guerra às drogas, com o oferecimento de uma reparação financeira.
3 - Anistia a pessoas envolvidas no conflito
Anistiar pessoas presas por tráfico de drogas será um grande passo para um processo de desencarceramento em massa da população mais afetada pela lógica da guerra às drogas, a juventude negra. Esse processo, considerado urgente pela organização, deve ser estabelecido junto a mediações locais continuadas e alternativas que permitam processos reconciliatórios entre pessoas autoras e vitimadas pela violência, garantindo reinserção e repactuação em territórios e processos de promoção da paz.
4- Mudanças legislativas e institucionais para o fim do conflito
É preciso o esforço político e legislativo para que sejam feitas mudanças que possibilitem o fim do conflito hoje justificado pela proibição das drogas.
5- Melhoria nas leis para drogas lícitas
Propõe-se a regulamentação de toda a cadeia produtiva das drogas lícitas, aprimorando as normativas existentes para álcool, tabaco e medicamentos, interferindo inclusive nas regras de publicidade dessas substâncias.
6- Regulamentação da cannabis com vistas nos passos 1, 2, 3, 4 e 5
A Iniciativa Negra reforça a importância de discutir a legalização e a regulação de um mercado canábico que garanta e privilegie a produção pela agricultura familiar, em modelos de impacto e de redistribuição financeira que gerem trabalho e renda nos territórios. É necessária a discussão sobre a participação de pessoas anistiadas pela nova política de drogas neste mercado regulamentado, levando em consideração os modelos aprovados ou em processo de aprovação em outros países.