Bancos reduzem financiamento para construtoras em quase 50% em 2025, diz Cbic

A principal causa é a queda acentuada do financiamento via caderneta de poupança

Por FolhaPress
Ás

Bancos reduzem financiamento para construtoras em quase 50% em 2025, diz Cbic

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Enquanto dados recentes mostram otimismo com o desempenho de lançamentos e vendas de imóveis, impulsionados pelo programa Minha Casa, Minha Vida, há um crescente temor sobre a disponibilidade de recursos para financiar a produção de novos empreendimentos, especialmente os voltados para a classe média, que é mais afetada pelos juros em alta.

A Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) aponta uma reversão significativa na oferta de crédito para a produção. Em 2024, os bancos destinaram cerca de R$ 50 bilhões ao financiamento da produção imobiliária. No entanto, entre janeiro e abril de 2025, o volume de financiamentos para empresas do setor caiu 49% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a entidade.

Se essa tendência se mantiver, estima a Cbic, o ano pode fechar com uma aplicação de R$ 20 bilhões para produção, um recuo de 60% em relação a 2024.

A principal causa é a queda acentuada do financiamento via caderneta de poupança, principal fonte de recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo). Dados do Banco Central mostram que a poupança acumula resgates líquidos superiores a R$ 200 bilhões nos últimos quatro anos. Apenas em maio de 2025, a saída líquida foi de R$ 10,3 bilhões. Desde o início de 2024, o total supera R$ 100 bilhões.

Essa queda, segundo a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), é explicada pela oferta de novas formas de investimento ao público em geral nos últimos anos. A entidade projeta que essa tendência de redução vá persistir, já que o crescimento da poupança é "muito inferior ao crescimento da demanda habitacional e dos lançamentos".

Segundo Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção na FGV/Ibre, por trás da queda expressiva do financiamento à produção realizada pelo SBPE, há aspectos conjunturais, como os juros elevados do cenário atual e estruturais, que refletem a diminuição dos depósitos da poupança dos últimos anos.

"Assim, os agentes financeiros estão destinando o recurso de menor custo [poupança] para a aquisição e financiando a produção com recursos captados no mercado, de maior custo no cenário atual. É possível que essa configuração transcenda o ciclo monetário, pois faz sentido destinar o recurso de menor custo preferencialmente para a aquisição", afirma.

Para especialistas, o problema atual não é a falta de recursos no sistema. Em artigo publicado no blog do FGV Ibre, Ana Maria Castelo, Cláudia Magalhães e Iuri Viana mostram que, somando as principais fontes de captação bancária --poupança, LCI e LIG--, o sistema acumulava R$ 1,13 trilhão em dezembro de 2024, já descontado o compulsório de 20%. No mesmo período, porém, a carteira de crédito habitacional somava apenas R$ 551 bilhões, o equivalente a 48,5%, segundo dados do Banco Central.

De acordo com os autores, se os bancos aplicassem o mínimo exigido por lei (65% do total captado), a carteira (sem considerar os recursos do FGTS) poderia chegar a R$ 839 bilhões. Ou seja, há dinheiro em caixa. O desafio está em fazer com que esses recursos cheguem, de fato, aos canteiros de obras, afirma Ana Maria.

No entanto, a Caixa Econômica Federal, principal financiadora habitacional de pessoa física e pessoa jurídica, afirma que não enfrenta restrições de funding para construtoras e, ao contrário do que apontam as estatísticas setoriais, registrou crescimento no financiamento à produção no primeiro trimestre de 2025.

Marcos Brasiliano Rosa, vice-presidente de finanças e controladoria da Caixa, diz que a queda de 49% reportada pode ser resultado de comparações entre trimestres diferentes --por exemplo, o quarto trimestre de um ano com o primeiro trimestre do seguinte--, momento em que excessos orçamentários do FGTS (fundo de garantia) costumam influenciar a leitura dos dados.

Ele afirma que, na Caixa, a comparação entre o primeiro trimestre de 2025 e o primeiro trimestre de 2024 mostra um crescimento significativo na linha de financiamento à produção. Segundo Rosa, a Caixa financia a produção com recursos livres, o que significa que não há restrição orçamentária, e a instituição tem atendido a todos os pedidos que chegam.

De acordo com dados apresentados à reportagem pela Caixa, considerando recursos livres, SBPE e FGTS, o banco concedeu R$ 186,3 bilhões nos últimos cinco anos, distribuídos da seguinte forma:

ANO        Valor concedido
2020    R$ 24.837.749.433,09
2021    R$ 31.506.812.792,55
2022    R$ 36.293.253.228,87
2023    R$ 41.966.246.695,50
2024    R$ 51.693.544.913,54

A Cbic, que representa o setor da construção, trabalha com dados agregados de todo o mercado e monitora a tendência ao longo de 2024 e o ritmo até abril de 2025. A entidade diz que o volume de crédito para a produção imobiliária como um todo tem caído, especialmente entre os bancos privados, que respondem por parcela significativa dos recursos via poupança.

Segundo a Cbic, os bancos já usaram quase todo o dinheiro da poupança que, por lei, precisa ser destinado ao crédito imobiliário. Em alguns casos, até passaram do mínimo exigido, o que significa que há pouco espaço para aumentar esse tipo de financiamento com recursos da poupança.

Desde 1964, a poupança é a principal fonte de financiamento do mercado imobiliário brasileiro. Embora o crédito para pessoa física tenha sido mantido, o setor aponta que as operações voltadas a construtoras e incorporadoras --conhecidas como plano empresário-- vêm sendo progressivamente reduzidas.

A preocupação do setor ocorre porque, enquanto falta financiamento para produzir, o mercado imobiliário registrou um crescimento de 15% no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o mesmo período de 2024. Além de reduzir os financiamentos à produção, os bancos também aumentaram os critérios para a aprovação de novos projetos. Isso pode gerar gargalos, atraso em obras ou até retração futura se o crédito não for ajustado à demanda.

O setor busca outras fontes de financiamento, mas enfrenta outro desafio. Instrumentos como as LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) têm fortalecido os recursos para financiar as obras. O estoque de LCIs, por exemplo, já soma R$ 427 bilhões, tornando-se a principal fonte de novos financiamentos habitacionais. No entanto, o risco de tributação das LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) para pessoas físicas pode comprometer esse recurso.

"É fundamental garantir a isenção tributária da LCI, que vem se tornando uma das principais fontes de funding para o SBPE", afirma Luiz França, presidente da Abrainc.

A isenção das LCIs é uma das principais razões para sua popularidade entre investidores. Em 2024, o estoque desses papéis cresceu quase 15%, ultrapassando R$ 400 bilhões, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Esses títulos são emitidos por bancos para captar recursos destinados ao setor imobiliário.

Caso o governo leve adiante a ideia de tributar os rendimentos das LCIs, o impacto será direto na atratividade desses papéis, podendo encarecer o custo de captação dos bancos e, por consequência, os juros cobrados nos financiamentos às construtoras. O fim da isenção pode acabar por afastar investidores e reduzir a liquidez.
A Cbic reforça o pedido de diversificação e diz que, em março de 2025, a estrutura de funding total para o mercado imobiliário era de R$ 2,44 trilhões, com R$ 1,05 trilhão vindo do estoque de FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário), LIGs (Letras Imobiliárias Garantidas), CRIs e LCIs. Porém, a entidade afirma que, embora esses recursos sejam "muito bem-vindos", a chegada deles ao mercado "encareceu sobremaneira os custos dos novos empreendimentos".

A entidade sugere a redução do depósito compulsório da poupança, que hoje retém mais de R$ 150 bilhões, como forma de liberar recursos para a produção e reduzir os custos do crédito. A entidade, no entanto, reconhece que não existe "bala de prata" para o financiamento habitacional e alerta que os recursos direcionados ao setor já estão no limite de sua aplicação, exigindo alternativas estruturais para manter o ritmo de lançamentos e atender à demanda crescente.

A Abrainc propõe uma série de medidas para ampliar o financiamento imobiliário, entre elas a criação de uma LCI institucional voltada a grandes investidores, como fundos de pensão, e a ampliação da exigibilidade da poupança para o crédito imobiliário dos atuais 65% para 70%. A entidade também defende a preservação dos recursos do FGTS, com o fim do saque-aniversário, e uma reforma administrativa que contribua para a redução estrutural dos juros.

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