Economia

BC completa 60 anos com passado de resistência e autonomia ainda em debate

Primeiro presidente da ditadura militar, sancionava a lei que transformou a Sumoc em uma autarquia federal

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BC completa 60 anos com passado de resistência e autonomia ainda em debate

Foto: Marcello Casal JR/Agência Brasil

Há 60 anos, em 31 de dezembro de 1964, o general Humberto Castello Branco, primeiro presidente da ditadura militar, sancionava a lei que transformou a Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) em uma autarquia federal denominada Banco Central.

Registros históricos mostram um passado de resistências e um longo processo de maturação até a criação tardia da autoridade monetária do país, que ainda hoje tem a sua autonomia em debate.

"O Jango [João Goulart] mandou para o Congresso um projeto de lei de criação do Banco Central ao qual o governo se opõe radicalmente. Eu queria que você fosse para Brasília parar esse projeto", disse Octavio Gouvêa de Bulhões, então ministro da Fazenda, ao economista Denio Nogueira.

"Eu só vou para a Sumoc se for para criar o Banco Central. Senão, não aceito ser nomeado diretor da Sumoc", respondeu Nogueira. Depois de conversar com Castello Branco, Bulhões trouxe o veredito: "Está bem. Vá criar o seu banco central."

O diálogo é narrado na coleção "História Contada", do Banco Central, em depoimento de Nogueira, que comandou o BC nos dois primeiros anos de existência.

"A evolução institucional até a criação do Banco Central é uma história de gradualismo", diz o economista Marcelo Lourenço Filho, que tratou da história do pensamento econômico brasileiro sobre o BC em seu mestrado na USP (Universidade de São Paulo).

Segundo ele, uma série de tentativas não prosperaram e houve atraso na criação do BC em comparação com os países vizinhos. Colômbia, Chile e Bolívia, por exemplo, instituíram suas autoridades monetárias na década de 1920.

"Se a gente elencar os motivos pelos quais o Banco Central demorou tanto para ser criado, o Banco do Brasil tem, sem dúvida, uma parcela nessa história, mas não é a única", diz.

O BB desempenhava funções típicas de banco central, como a gestão do equivalente na época a depósitos compulsórios. Em paralelo, atuava como um banco comercial e de desenvolvimento, concedendo empréstimos e crédito subsidiado. Atividades que conflitavam com o papel de uma autoridade monetária.

"Criar um banco central significaria uma subtração de recursos dos quais o Banco do Brasil dispunha, uma perda da influência na economia brasileira, uma perda de prestígio", afirma Lourenço Filho.

Os governos resistiam à criação de uma instituição que colocasse uma fronteira mais bem definida entre as políticas monetária e fiscal, de modo que ela não pudesse ser instrumentalizada para financiar o poder público.

Diante das dificuldades macroeconômicas que o Brasil enfrentava, como inflação e déficit público elevados, havia dúvidas se aquele seria o momento adequado para reformar o sistema financeiro e se a criação do BC seria bem-sucedida.

Os bancos privados também não viam com bons olhos a criação de um órgão que pudesse disciplinar o sistema bancário no país.

Segundo registro do arquivo do Senado, o lobby do Banco do Brasil foi forte nos debates do Congresso.

"Existem pelo mundo numerosos bancos centrais que, além das atividades monetárias que lhes são próprias, praticam operações bancárias comuns sem que se tenha notícia de perturbações no seu funcionamento", disse o deputado Franco Montoro (PDC-SP) na época.

"É que eles, como acontece com o Banco Central da Austrália, separam as duas atividades em dois departamentos distintos. Não nos custará fazer o mesmo, criando no Banco do Brasil, como se tem sugerido, uma diretoria monetária e uma diretoria bancária", acrescentou.

Mas os parlamentares favoráveis à criação do BC asseguraram que não havia risco de o banco perder prestígio.

O projeto do BC chegou ao Senado em outubro de 1964 e, após discussões apressadas, foi aprovado no fim de novembro. Como a lei previa um prazo de 90 dias para entrar em vigor, o BC só iniciou suas atividades oficialmente em 31 de março de 1965.

O economista Carlos Eduardo de Freitas, que foi diretor do Banco Central, conta à Folha que viu na criação da autoridade monetária uma oportunidade de carreira. Ele era funcionário do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, e conseguiu transferência em junho daquele ano para o novo órgão, onde trabalhou até a aposentadoria.

"Foram requisitados muitos funcionários do Banco do Brasil, principalmente os que tinham uma formação em ciências econômicas, e eu fui nesse grupo", recorda.

Na visão dele, a criação do BC formalizou uma estrutura já em funcionamento. "O Banco Central foi se consolidando e ganhando autoridade. Criou uma estrutura técnico-administrativa muito sólida", diz.

Nos primeiros anos de funcionamento do BC, os serviços ficaram espalhados na cidade do Rio de Janeiro em prédios distintos, embora o edifício da Caixa de Amortização tenha sido cedido para abrigar a instituição.

Em 1967, um decreto reforçou que, "por força de lei", a sede do BC era a "capital da República". Um grupo de trabalho estudou a transferência para Brasília.

Freitas estava entre os jovens que se voluntariaram para trabalhar na capital federal. Mas nem todos os voluntários foram aceitos, alguns acabaram barrados pelo governo militar.

"Eu queria vir para Brasília por uma razão pessoal, porque era uma oportunidade de carreira, e por uma razão ideológica. Sempre fui a favor da proposta do presidente Juscelino Kubitschek de colocar uma cabeça de ponte de ocupação no território aqui", diz.

Por ordem do governo Médici, a diretoria e respectivos gabinetes deveriam estar funcionando na capital até julho de 1970 e os demais setores até dezembro do mesmo ano. O edifício-sede do Banco Central foi inaugurado em 1981 e, antes de sua construção, a autarquia chegou a funcionar em 12 locais em Brasília.

A primeira função comissionada de Freitas foi chefiar a seção de Orçamento Monetário no Departamento Econômico do BC. Segundo ele, o controle monetário era muito primitivo naquela época e o país enfrentava uma "turbina inflacionária". Narra que, no início, havia um excesso de membros no CMN (Conselho Monetário Nacional).

Ao longo do tempo, buscou-se dotar o BC de mecanismos para o papel de "banco dos bancos". Em 1985, foi promovida a separação das contas e das funções do Banco Central, do Banco do Brasil e do Tesouro Nacional.

A autoridade monetária enfrentou períodos críticos, como o da hiperinflação entre as décadas de 1980 e 1990, e atravessou a criação de sete planos econômicos na tentativa de conter a escalada de preços.

Foi liderada por nomes influentes, como Arminio Fraga, Persio Arida, Pedro Malan, Henrique Meirelles e Affonso Pastore.

O BC é dotado formalmente de autonomia operacional desde 2021. A aprovação ocorreu sob a gestão de Roberto Campos Neto, que vê o modelo atual como inferior ao desenho pensado por seu avô, em 1964. Já a autonomia administrativa e financeira segue em debate no Congresso.
 

MARCOS NOS 60 ANOS DE HISTÓRIA DO BANCO CENTRAL
**1964**
- Criação do BC Criação do CMN (Conselho Monetário Nacional)  
**1965**
- Lei do Mercado de Capitais  
**1983**
- Início da negociação da dívida externa  
**1986**
- Extinção da Conta Movimento, mecanismo pelo qual o BC financiava o Banco do Brasil  
**1986**
- Plano Cruzado  
**1988**
- Constituição Federal determina que a emissão de papel-moeda seja exclusiva do BC e que o Senado aprove os nomes indicados para a presidência e diretorias da autarquia  
**1989**
- Primeiro presidente do BC a ser sabatinado pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal  
**1990**
- Ápice da hiperinflação Plano Collor  
**1994**
- Plano Real  
**1995**
- Implementação do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), que fechou diversos bancos privados  **1996**
- Implementação do Proes (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), que fechou diversos bancos públicos dos estados Criação do Copom (Comitê de Política Monetária)  
**1997**
- Criação da Central de Risco de Crédito  
**1999**
- Adoção do câmbio flutuante Criação do regime de metas para a inflação  
**2002**
- Reestruturação do SPB (Sistema de Pagamentos Brasileiro)  
**2013**
- Instituição dos arranjos de pagamentos  
**2016**
- Criação de agenda institucional do BC  
**2020**
- Implementação do Pix  
**2021**
- Congresso Nacional aprova a autonomia operacional do BC

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