Bicentenário da Independência: além do Grito do Ipiranga, uma conquista de brasileiros
Em entrevista, historiadores explicam o processo de separação entre Brasil e Portugal
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Há 200 anos, o famoso grito de Dom Pedro I às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, anunciava a Independência do Brasil. Embora pareça um processo simples e diretamente ligado à ação do imperador, grande parte da população negra, branca e indígena do país precisou lutar com resistência para que, em 1822, os laços com os portugueses fossem rompidos.
O historiador Rafael Dantas explicou ao Farol da Bahia que diversos fatores contribuíram para o processo de separação do Brasil de Portugal. Segundo ele, a comemoração do bicentenário da independência tornou-se possível nesta quarta-feira (7) devido a uma articulação entre os mais poderosos, pessoas ligadas à família real, e o resultado do esforço de brasileiros que estavam insatisfeitos e se envolveram em diversas batalhas em busca de mudanças.
“No início do século XIX, em 1808, temos como exemplo marcante a vinda da família real para o Brasil. Nos anos seguintes, o status de Brasil Colônia passa a Reino Unido de Portugal. Isso vai causar um ânimo entre as elites políticas e econômicas no contexto brasileiro, o que também se aproxima com o contexto geral de insatisfação presente no Brasil naquele período. Ninguém queria ser colônia e continuar pagando altíssimos juros. Então, essa realidade marca esse período e o que vem nos próximos anos é uma série de clima de tensão, especialmente nas províncias da Bahia e Maranhão”, explicou Dantas.
De acordo com Rafaela Mateus, autora do material de História do Sistema de Ensino pH, a formação de uma aliança entre as elites políticas do Brasil e Dom Pedro I foi fundamental nesse processo separatista. “O marco inicial desse episódio [a independência] foi a Revolução do Porto. Esse movimento, que eclodiu em 1820, exigiu o retorno da família real e o fim do absolutismo em Portugal”, afirmou a especialista.
“Embora esse movimento político tenha defendido ideias de liberdade, o projeto político para o Brasil era conservador, visto que propunha a instalação de juntas de governo nas províncias que estariam diretamente ligadas a Portugal. Ou seja, o projeto era acabar com o status político de Reino Unido a Portugal e submeter o Brasil, novamente, aos interesses portugueses. Isso, na prática, representaria a perda de autonomia e liberdade adquirida com a presença da família real no Brasil”, continuou.
Rafaela explicou também que, no primeiro momento, a independência não foi reconhecida em todo o Brasil. Segundo ela, as lutas protagonizadas por baianos foram fundamentais nesse processo. “Houve guerras pela independência em algumas províncias, como na Bahia. Nesse caso, as batalhas foram marcadas por portugueses contrários à separação política e brasileiros que admitiram o novo status do Brasil”, explicou Rafaela.
“Nesse contexto, a luta pela expulsão dos portugueses da Bahia foi fundamental para consolidar a independência do Brasil e garantir a manutenção do território, visto a importância política e estratégica da província. Afinal, a vitória dos portugueses poderia favorecer a reconquista do território brasileiro por Portugal. A expulsão dos portugueses, em 2 de julho de 1823, foi resultado da luta de homens e mulheres, como Maria Quitéria de Jesus, que atuou diretamente em batalhas contra os portugueses”, completou.
Grito do Ipiranga e simbologia
A imagem de D.Pedro I montado em um cavalo, segurando uma espada e gritando "independência ou morte" às margens do Ipiranga, em meio a uma comitiva, é conhecida pela maioria dos brasileiros. No entanto, ainda de acordo com Rafaela Mateus, esse acontecimento presente no imaginário brasileiro sofreu forte influência de um quadro produzido por Pedro Américo, em 1888, intitulado “Independência ou Morte”.
“Dom Pedro recebeu diversas correspondências, inclusive a carta de Dona Leopoldina, no dia 7 de setembro de 1822, às margens do rio Ipiranga. Ele e a comitiva que o acompanhava não estavam preparados para o evento, como foi retratado no famoso quadro de Pedro Américo. Segundo os relatos, após a leitura da carta, Dom Pedro anunciou aos membros da comitiva que o Brasil estava separado de Portugal”, explicou a especialista.
Museu Paulista/Reprodução
Além disso, Rafael Dantas reforçou que a Independência do Brasil foi um processo longo e não se concretizou apenas com o ato do imperador às margens do rio. “Em 1822, o 7 de setembro não vai representar de fato a Independência do Brasil. A data representa simbolicamente essa ruptura, mas a independência vai sendo conquistada nos meses seguintes no contexto do Brasil como um todo”, disse o historiador.
Liberdade é um processo contínuo
Para além das comemorações, Rafael Dantas e Rafaela Mateus afirmam que o 7 de setembro deve ser uma data reflexiva. De acordo com o historiador, neste bicentenário da Independência do Brasil é importante que os brasileiros se questionem sobre as liberdades que ainda faltam ser conquistadas.
“Precisamos sempre lembrar da importância no que toca de fato uma independência. A pergunta que fica hoje e que ficou no ontem é: e as outras independências que precisamos conquistar constantemente? Devemos fazer uma reflexão sobre as questões ligadas aos preconceitos, desigualdades sociais e conquistas de direitos básicos”, disse Dantas.
“De uma forma ou de outra ainda continuamos com o pensamento muito colonizado e preso a amarras que não são tão fáceis de se quebrar. A conscientização do que representa a independência precisa ser lembrada constantemente em nossa sociedade”, continuou.
O mesmo pensamento foi reforçado por Rafaela: “Em 2022, será comemorado o bicentenário da Independência do Brasil. As comemorações dos 200 anos do Brasil independente suscitam uma série de análises e discussões sobre os rumos políticos e econômicos do país e a ampliação da cidadania. Esse é um importante período para promover a reflexão na sociedade sobre os desafios políticos, econômicos e sociais do Brasil atual”, concluiu.