Brasil levaria 468 anos para formar todos os professores para educação especial, diz estudo
A conclusão é de um levantamento do Instituto Rodrigo Mendes, com informações do Censo Escolar realizado pelo Inep

Foto: Agência GOV
ISABELA PALHARES - O Brasil demoraria 468 anos para formar todos os professores da educação básica para dar o atendimento adequado e especializado a alunos com deficiência, se seguir o ritmo dos últimos dez anos de crescimento desse tipo de formação. A conclusão é de um levantamento do Instituto Rodrigo Mendes, com informações do Censo Escolar realizado anualmente pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
O número de alunos matriculados na educação especial mais do que dobrou no Brasil na última década. O aumento é resultado da ampliação do atendimento de crianças e adolescentes com deficiência, mas principalmente pela alta de diagnósticos de autismo. Eles passaram de 930,6 mil alunos para 2,07 milhões, em 2024 — sendo que 92,6% deles estão em escolas regulares, junto com alunos sem deficiência, e têm o direito de receber apoio e estratégias específicas para que possam aprender.
Os dados mostram que o número de professores formados para atender esses alunos não tem acompanhado o aumento de matrículas. Em 2014, o país tinha 97,1 mil docentes com formação específica para a educação especial, o que representava cerca de 4,4% do total de professores do Brasil. No ano passado, essa proporção subiu para 6,4%, com 151,3 mil docentes formados.
Ou seja, nesse período, o ritmo de crescimento de professores formados foi de 0,2 ponto percentual ao ano. Se mantido, seriam necessários 468 anos para alcançar todos os 2,2 milhões de professores do país. Considerando o aumento de alunos com deficiência no país, a proporção de professores com essa especialização piorou. Em 2014, o país tinha 1 docente com formação adequada para cada 9 estudantes da educação especial. No ano passado, essa proporção caiu para 1 docente para 13 alunos.
“O Brasil tem uma das legislações educacionais mais robustas sobre os direitos das pessoas com deficiência, mas não adianta ter uma estrutura jurídica avançada sem que o professor tenha formação, repertório e ferramentas para fazer um bom trabalho", diz Rodrigo Mendes, superintendente do instituto.
Para ele, é preciso que o país invista em políticas públicas de larga escala para a formação dos professores. Ele defende que é preciso melhorar o currículo dos cursos de licenciatura e pedagogia para que contemplem melhor o conteúdo sobre educação inclusiva, mas avalia também ser necessário ter estratégias de formação continuada sobre o assunto.
"Os alunos com deficiência estão nas escolas e isso é um avanço, mas os professores ainda não sabem como trabalhar para dar a oportunidade de que todos eles aprendam. Os professores não são culpados por não saber, eles precisam de apoio, de ferramentas para isso", diz Mendes.
Em nota, o Ministério da Educação disse que vê a formação de professores como estratégia importante para a execução da política de educação especial na perspectiva inclusiva. A pasta informou ter investido R$ 20 milhões para oferecer um curso sobre o assunto na modalidade a distância, em parceria com 50 universidades do país.
Disse também que a Renafor (Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública) ofertou no primeiro semestre deste ano 237 cursos voltados a professores do AEE (Atendimento Educacional Especializado) e para gestores escolares, alcançando mais de 118 mil educadores matriculados.
O ministério afirmou ainda que executou neste ano um programa exclusivo para financiar a instalação de salas de recursos multifuncionais nas escolas, destinando R$ 439 milhões para 21 mil unidades da rede pública. Também disse ter aumentado o valor de investimento por aluno da educação especial. O Fundeb (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica) repassa neste ano R$ 7.627,17 para cada matrícula na modalidade — em 2023, esse valor era de R$ 6.378,67.
Além das ações, o MEC destacou que estados e municípios também são responsáveis pela formação continuada de seu quadro docente.
O governo Bolsonaro (PL) tentou mudar a política de educação especial, permitindo que escolas e redes de ensino segregassem e até mesmo se recusassem a receber alunos com deficiência no ensino regular. Em setembro de 2020, Bolsonaro instituiu a Política Nacional de Educação Especial, que incentivava a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência. A política foi suspensa em dezembro daquele ano pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), mas ainda assim era usada por escolas e redes de ensino que recusavam a matrícula desses alunos.