Brasil precisaria de R$ 14 bilhões para eliminar déficit de vagas no sistema prisional
Diretor da Senappen alerta na CPI do Senado que ampliar o encarceramento exige recursos e estrutura

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
O Brasil teria de investir cerca de R$ 14 bilhões para construir novas unidades prisionais capazes de suprir o déficit atual de aproximadamente 200 mil vagas. A estimativa é da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo o diretor de inteligência do órgão, Antônio Glautter, o valor corresponde apenas às obras necessárias para ampliar a capacidade do sistema, sem incluir gastos permanentes com operação.
“[São] recursos para investimento e construção de unidades para suprir esse déficit de 200 mil vagas. E aí, por óbvio, precisaria de mais um tanto de recursos para custeio dessas unidades, porque vamos precisar de policiais penais, de contratos, pagar energia, alimentação”, afirmou Glautter durante depoimento à CPI do Senado que investiga o crime organizado.
A comissão foi criada após a operação policial no Rio de Janeiro que resultou em 121 mortes e tem se debruçado sobre o funcionamento do sistema penitenciário. Hoje, o Brasil abriga cerca de 702 mil pessoas privadas de liberdade distribuídas em 1.375 unidades, número que representa um déficit de 40% de vagas. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Glautter também chamou atenção para o impacto orçamentário de medidas aprovadas recentemente pelo Congresso, que tendem a elevar o encarceramento. O relator da CPI, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), destacou que o Legislativo tem endurecido penas, mas sem prever a origem dos recursos para sustentar o crescimento da população prisional. “É preciso fazer o passo seguinte. [Essa política de aumento do encarceramento] Tem um custo, e esse custo não é pequeno. Nós temos uma decisão política tomada que vai levar a um aumento de encarceramento”, disse o parlamentar.
Na última terça-feira, a Câmara aprovou o Projeto de Lei Antifacção, que prevê penas de 20 a 40 anos para integrantes de facções criminosas e exige cumprimento de ao menos 85% da pena em regime fechado.
Durante o depoimento, o diretor também apresentou dados sobre o crime organizado. Segundo ele, a inteligência da Senappen identifica atualmente 90 facções criminosas em atuação no país, sendo duas com presença internacional. A distribuição dos presos ligados a essas organizações varia entre os estados. “A regra nos estados é separar os presos por facção. Temos algumas exceções. O estado do Espírito Santo, por exemplo, é um estado que não faz divisão. O preso comum fica alocado com o preso faccionado”, afirmou Glautter.
Senadores criticaram a falta de dados consolidados sobre o sistema prisional, especialmente no que diz respeito ao impacto da separação ou não dos detentos por facção. O presidente da CPI, senador Fabiano Contarato (PT-ES), cobrou informações mais precisas. “Nós não temos dados de qual é o impacto se você separa os presos por facção ou não separa por facção. Nós não temos dados de que o percentual de reincidência ou dessa interlocução entre os presídios. Um Estado que não tem informação e não tem dados é um Estado com os olhos vedados. É um Estado que está tateando, cego. Então, como que você fala em política penitenciária?”, questionou.
O relator, Alessandro Vieira, avaliou que a inteligência penitenciária ainda está em fase inicial. “Existe uma dedicação, um esforço, mas nós não temos os dados que a gente entende serem fundamentais para uma boa gestão do sistema. A gente vai, ao longo da CPI, buscar esses dados e buscar também como fortalecer a instituição para que ela tenha, naturalmente, esse tipo de informação”, afirmou.
Glautter ainda apontou dificuldades operacionais, como a alta rotatividade entre responsáveis pela inteligência nos estados. "Temos um problema, na Inteligência Penal, de uma rotatividade considerável. E, daí, a importância de sempre ter os pontos focais nos estados e dos eventos de integração, para que essas pessoas se conheçam, porque, embora seja [um trabalho] institucional, mas o conhecer é muito importante, o networking é muito importante", explicou.
Ele também contextualizou que os desafios do sistema carcerário brasileiro são antigos e atravessam diferentes governos. “A questão prisional brasileira é uma questão com problemas históricos, problemas orgânicos, problemas que não são desde o governo anterior, mas de longa data”, afirmou.
O diretor lembrou ainda que as duas principais facções do país, Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC), surgiram justamente dentro dos presídios, em períodos marcados por violações de direitos e violência institucional. “Uma, na década de 70, no Rio de Janeiro [Comando Vermelho], e a outra, na década de 90, em São Paulo [PCC]. Foi um ambiente propício, ali, para que esses presos se associassem e se unissem. E essas uniões, que ocorreram, inicialmente, ali, no momento de prisional, tomaram as ruas, e, hoje, a gente tem esse problema, que, como digo, surgiu no ambiente prisional, dentro desse contexto histórico”, afirmou.


