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Com decreto sobre FIV, Trump acena a pró-natalistas e irrita aliados antiaborto

A fertilização in vitro virou ponto de disputa no Partido Republicano no início de 2024

Por FolhaPress
Ás

Com decreto sobre FIV, Trump acena a pró-natalistas e irrita aliados antiaborto

Foto: Reprodução

Em seu primeiro mês de volta à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump agiu para restringir o acesso ao aborto dentro e fora do país.

Quatro dias depois de assumir, o republicano reinstituiu a Política da Cidade do México, que impede organizações internacionais com financiamento americano de trabalharem com aborto, mesmo que usem outras fontes de receita para isso. Internamente, revogou todos os decretos do ex-presidente Joe Biden que davam proteção adicional à realização do procedimento depois do fim do direito constitucional à interrupção da gravidez, em 2022.

Até aí, nada incomum para o Trump, que durante seu primeiro mandato foi responsável por indicar os juízes conservadores da Suprema Corte que terminariam suspendendo o direito constitucional ao aborto.

Mas havia dúvida do quanto o presidente republicano se apoiaria na agenda antiaborto depois de eleito. Embora a pauta seja alvo de lobby conservador e esteja presente em sua forma mais radical no chamado Projeto 2025, da Fundação Heritage (o "guia" para o segundo mandato de Trump proposto por seus aliados, e depois rechaçado por ele na campanha), a legalidade do aborto é defendida pela maior parte do eleitorado americano e Trump evitou fazer oposição direta ao direito à interrupção da gravidez durante sua campanha para a Casa Branca.

Tudo parecia indicar que ele tomaria, sim, ações para defender os interesses ultraconservadores com mais afinco do que no mandato anterior. Logo na primeira semana de governo, quando ele incluiu em seu perdão presidencial 23 ativistas antiaborto presos por barricar clínicas de saúde reprodutiva.

Mas, no dia 20 de fevereiro, o republicano assinou um decreto ampliando o acesso à FIV (fertilização in vitro). Foi um movimento que irritou alas mais radicais do movimento antiaborto americano, que são contra o procedimento, entre outros motivos, porque pode resultar no descarte de embriões.

A FIV virou ponto de disputa no Partido Republicano no início de 2024, quando a Suprema Corte do Alabama definiu que embriões devem ser considerados crianças. A decisão criou uma zona cinza legislativa em que clínicas poderiam ser implicadas em homicídio. Depois, o estado aprovou um projeto de lei para proteger especificamente o procedimento.

Alguns republicanos, como o próprio Trump e seu vice J.D. Vance, se declararam favoráveis à FIV. É parte de uma posição mais ampla do novo governo de apoio à formação de famílias, um esforço para incentivar o aumento das taxas de natalidade.

Para Sonia Corrêa, líder do Observatório de Sexualidade e Política, era esperado que Trump financiasse de alguma forma as tentativas de aumento da fertilidade.

É uma causa abraçada pelo braço-direito de Trump Elon Musk, fundador da SpaceX, Tesla e atual dono do X, o antigo Twitter. Com 14 filhos, o bilionário frequentemente posta mensagens apocalípticas nas redes sociais ligando o declínio de fertilidade a um suposto colapso da civilização. Ele também defende a seleção genética para criar crianças com características específicas, prática criticada pelos ecos eugenistas.

"A FIV divide há tempos o movimento anti-aborto, porque de um lado há os católicos, que veem os embriões criados no processo de fertilização como fetos que teriam status legal, e os pró-natalistas que querem aumentar taxas de natalidade", diz Gillian Kane, analista sênior do Ipas, organização internacional ligada à promoção de direitos sexuais e reprodutivos.

É por isso que o apoio à fertilização in vitro desagradou líderes de organizações como Lila Rose, da Live Action. "FIV torna crianças produtos para serem criados, vendidos e descartados, violando seus direitos humanos básicos", afirmou Rose no X.

O decreto ampliando o acesso à FIV pode ser lido como um aceno de Trump à ideologia pró-natalista, a despeito de suas medidas antiaborto do início do mandato.

"Muito do que Trump vem fazendo em relação aos direitos reprodutivos era previsto desde a campanha", afirma Juliana Cesario Alvim, professora da Universidade Centro-Europeia e consultora do Center for Reproductive Rights.

Ele tomou outras ações mais simbólicas, como a reinserção dos EUA no "Consenso de Genebra", um grupo de nações conservadoras que tentam avançar a agenda antiaborto no âmbito internacional.

"Esse grupo não tem nenhum poder de fato, não é um tratado internacional ou algo que tenha validade no campo do direito internacional", explica Alvim, "mas é uma demonstração de força".

Essas medidas eram consideradas inevitáveis por ativistas ligados aos direitos reprodutivos. A elas, se somaram iniciativas partidárias no Legislativo que tentam avançar com a restrição ao aborto em âmbito nacional, como a "Fetal Personhood Bill", uma espécie de Estatuto do Nascituro.

Apresentada por um deputado republicano no Missouri, ela entra em choque direto com a política pró-FIV de Trump, e tem poucas chances de ser de fato aprovada no Congresso. Ainda assim, os movimentos contraditórios demonstram um racha na base trumpista no Legislativo.

A movimentação do primeiro mês de Trump no campo dos direitos reprodutivos tem impactos na região como um todo, diz Susana Chavez, secretária-executiva do Clacai (Consórcio Latinoamericano Contra o Aborto Inseguro).

"Temos uma situação de risco grande, porque embora líderes como [Javier] Milei apelem para o nacionalismo, também usam essa agenda imperialista anti-direitos humanos dos Estados Unidos para se fortalecer enquanto aliados", afirma Chavez.

Apesar disso, ela vê grupos organizando reações às medidas. "Nós temos hoje grupos de mulheres latinas que estão se organizando dentro dos estados onde o aborto está proibido, para exigir esse direito, e que usam táticas que a América Latina está acostumada a empregar há pelo menos 40 anos", diz.

Desde a reversão de Roe vs. Wade, por exemplo, redes conhecidas como "socorristas", que providenciam pílulas abortivas em países onde o acesso ao procedimento é proibido, têm passado a atuar dentro dos Estados Unidos.

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