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Com protagonismo feminino, Bahia teve papel crucial na Independência do Brasil

Neste Sete de Setembro, relembramos o papel fundamental do povo baiano na busca pela autonomia e liberdade

Por Otávio Queiroz
Ás

Com protagonismo feminino, Bahia teve papel crucial na Independência do Brasil

Foto: Domenico Failutti / Marquês do Itajaí / José Rosael

Muitos associam o Sete de Setembro à Independência do Brasil, o que talvez nem todos saibam é que a guerra pela Independência na Bahia começou dois meses e meio antes do Grito do Ipiranga e se estendeu por mais de um ano após a proclamação de Dom Pedro I.

Nesse contexto, conflitos sangrentos foram travados, personagens heroicos surgiram, e, para nós, restou todo um simbolismo o qual a a manutenção é fundamental para a preservação das raízes e da história.

A Bahia desempenhou um papel central nessa batalha, tornando-se uma região crucial e um dos principais impulsionadores da liberdade tão sonhada pelos brasileiros da época. E, no dia em que se celebra o Sete de Setembro, iremos voltar um pouco no tempo, para resgatar as memórias e as conquistar que, por muitas vezes, ficam escondidas nas prateleiras.

A busca pela liberdade



Em 1820, dois anos antes da proclamação da Independência, a insatisfação com o regime português já existia em algumas partes da Colônia, mas ainda não era generalizada e não havia uma consciência nacional, isto é, um senso de identificação dos colonos enquanto brasileiros ainda muito bem definidos. Além disso, muitas regiões mantinham a sua lealdade à autoridade portuguesa.

No começo do século XIX, o Brasil, em especial o estado do Rio de Janeiro passava por inúmeras transformações. Tais mudanças eram resultados das ações promovidas pelo príncipe regente, D. João VI. Esse desenvolvimento e aumento da autonomia conquistada pelo Brasil neste período passou a incomodar a burguesia portuguesa, que àquela altura desejava recolonizar o Brasil, submetendo-o novamente aos ditames do Pacto Colonial.

Naquele mesmo ano, foi iniciada, em Portugal, a Revolução Liberal do Porto, um movimento que buscava estabelecer limites para o monarca luso e também a ampliação do controle de Portugal sobre o Brasil, anulando, desta forma, a autonomia que havia sido conquistada até então durante o reinado de D. João VI.

Esta perspectiva imediatamente despertou o sentimento de descontentamento por parte da população brasileira, principalmente entre a elite, dando força ao movimento separatista. Um ano depois, D. João VI foi obrigado a retornar a Portugal, fazendo Pedro de Alcântara, herdeiro do trono português, assumir a regência do Brasil.

Àquela altura, o clima tenso passava a dominar toda a região do atual estado. Segundo o historiador Francisco Eduardo Torres Cancela, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), “as medidas do governo português geraram ainda mais tensões entre diferentes grupos e passaram a alterar o jogo de equilíbrio de poder. Foi nessa conjuntura que as divergências sobre a autoridade política acabaram se transformando em conflito armado na Bahia".

Foi com a chegada de D. Pedro à Colônia que as coisas começaram a intensificar-se por aqui. A intransigência praticada pelo governo português foi ampliando ainda mais a distância entre Portugal e Brasil, e aumentando ainda mais a insatisfação da população que aqui residia, que já não mais queria se curvar às decisões da Corte Portuguesa.

Em meio a este cenário, D. Pedro I recusa-se a retornar para Portugal, protagonizando o que hoje conhecemos como o Dia do Fico, e determina que as ordens das cortes só valeriam no Brasil mediante a sua autorização. Por fim, ele anuncia a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822.

A declaração da independência, no entanto, não cessou os conflitos e desentendimentos com Portugal. Pelo contrário, passou a acirrar ainda mais em algumas partes do Brasil. Isso porque algumas províncias do Brasil se mantinham leais ao país português, desenrolando-se em conflitos armados entre tropas favoráveis à Independência e tropas leais a Portugal.

A luta baiana

De acordo com o historiador e escritor Paulo Rezzuti, autor do livro “Independência, a história não contada a construção do Brasil de 1500 a 1825”, a guerra de Independência na Bahia aconteceu bem antes da proclamação de D. Pedro. "Por aqui, tudo começou dois meses e meio antes da proclamação feita por D. Pedro, quando a câmara da cidade de Cachoeira aclamou D. Pedro como príncipe regente, desligando-se das Cortes de Lisboa”, explica ele.

O historiador conta ainda que, com a decisão, os portugueses, que não gostaram nada da novidade, começaram a planejar ataques por toda a região. Um desses atos aconteceu durante uma missa e contou com a ajuda de um navio. A população local e alguns soldados, no entanto, revidaram ao ataque e renderam todos que estavam na embarcação.

Além disso, as tensões entre os habitantes portugueses e brasileiros estavam crescendo significativamente em Salvador, levando uma parte da população a fugir para a região do Recôncavo Baiano. As cidades daquela região estavam se tornando cada vez mais agitadas e alinhadas com D. Pedro, chegando ao ponto de formar um governo paralelo para administrar a Bahia.

Toda essa situação fez com que Portugal enviasse mais soldados para a província, na tentativa de controlar a população e reafirmar o domínio português. No entanto, a situação se deteriorou ainda mais com a declaração de independência em 7 de setembro de 1822. O governo liderado por D. Pedro mobilizou rapidamente um exército para defender a Bahia.

Isso ocorreu porque, após a declaração de independência, a Bahia anunciou sua lealdade a Portugal, recusando-se a aderir ao movimento separatista liderado pelo regente. No entanto, a rejeição a Portugal era generalizada na Bahia, e a luta pela independência se espalhou a partir desse momento. Os reforços enviados por D. Pedro eram liderados pelo general Pedro Labatut, um mercenário francês.

Labatut teve que desembarcar em Maceió, Alagoas, e marchar com suas tropas até Salvador. Ao longo do caminho, ele foi conquistando apoio ao exército que lutava em prol da Independência do Brasil. Importantes batalhas foram realizadas em Cabrito e Pirajá, mas os portugueses não conseguiram conter as tropas brasileiras, que cercaram a cidade de Salvador. 

As tropas estrangeiras resistiram até 2 de julho de 1823, dia em que a cidade de Salvador foi tomada pelos brasileiros e a Bahia foi reintegrada ao território nacional, sendo leal a D. Pedro. O cerco final a Salvador contou, inclusive, com a ajuda de Thomas Cochrane, almirante escocês responsável por liderar uma esquadrada.

Para o escritor e historiador, Ricardo Carvalho, o papel do povo baiano foi fundamental para o futuro do país. “Sem a luta do povo local, o Brasil não teria conseguido se libertar de Portugal. Além disso, teríamos outro problema muito sério: caso Portugal tivesse vencido, provavelmente o país hoje estaria dividido em dois, já que os portugueses tinham como projeto dominar províncias do Nordeste”, explica.

Ele ainda destaca a persistência e rebeldia daquele povo, grandes impulsionadores para a libertação do país do domínio português. “O grito de D. Pedro foi altamente simbólico e representou, naquela época, a insubordinação dele em relação ao regime português. A verdadeira independência se deu em 2 de julho de 1823, muitos meses depois da data que conhecemos oficialmente Por esse motivo, devemos exaltar, sim, o Dois de Julho”, afirma o historiador.

Protagonismo feminino

Muitos são os personagens que fizeram parte dessa história de garra e perseverança. Dentre eles, surgem nomes como Maria Quitéria, Maria Felipa e Joanna Angélica, mulheres tidas como heroínas e que foram eternizadas na história brasileira. Para Rafael, detalhar a importância do Dois de Julho sem abordar o papel delas no movimento é, inclusive, uma tarefa quase que impossível. 

“Nós temos muitos personagens importantes. Figuras como o João das Botas, que liderou a luta naval na Bahia, o lorde Thomas Cochrane, que auxiliou nos conflitos, bem como o General Labattu e Barros Falcão. No entanto, essas três mulheres, em especial, foi quem adotamos de maneira afetiva e hoje são figuras tradicionais sempre que falamos em Dois de Julho”, ressalta.

No caso de Maria Felipa, ela é conhecida por liderar o grupo de mulheres chamadas de Vedetas, que lutavam nos combates e vigiavam a Ilha de Itaparica, protegendo a região dos ataques portugueses. Junto com o grupo de mais de 40 mulheres, ela combateu marinheiros, incendiou navios e ajudou a proteger a costa baiana.

Já Maria Quitéria é conhecida por ter se disfarçado de homem para lutar contra a ofensiva portuguesa. Ela cortou os cabelos, pegou as roupas do cunhado e se apresentou como soldado Medeiros na guerra pela Independência. Pouco tempo depois, foi descoberta e só não foi embora porque o capitão do grupamento a deixou ficar porque ela sabia manusear as armas muito bem.

No caso de Joanna Angélica, que atualmente é homenageada com o nome de uma das principais avenidas no Centro de Salvador, ela desempenhava o papel de madre no convento que foi invadido pelas forças portuguesas poucos meses antes do Grito de Independência. Joanna Angélica perdeu a vida quando tentou intervir e impedir os soldados portugueses de entrar no recinto, enquanto estes buscavam por militares que apoiavam a causa da independência. Ela foi morta a golpes de baioneta durante esse trágico episódio.

Simbolismo

O Dois de Julho possui alguns símbolos que estão enraizados no imaginário popular dos baianos. Exemplos disso são as figuras do Caboclo e da Cabloca. Durante os desfiles do Dia da Independência da Bahia, eles são carregados em carros alegóricos, em alusão aos veículos de canhões utilizados durante a guerra. Um dos destaques do desfile são as cores verde e amarela, que remetem à nacionalidade brasileira.

A tradição do desfile, inclusive, surgiu em 1824, quando veteranos das batalhas desfilavam repetindo o trajeto que fizeram, um ano antes, ao entrarem vitoriosos em Salvador, logo após a expulsão das tropas portuguesas. Hoje, o dia é um dos mais importantes do calendário baiano.

Para Ricardo Carvalho, no entanto, nenhuma representação é maior que a coragem, a bravura, a destreza e a habilidade do povo baiano. “Este foi um evento único no mundo, não existe nada semelhante ao que vivemos aqui, onde um povo conseguiu libertar o seu país através, principalmente, da luta das mulheres, dos escravizados, dos libertos, dos indígenas e do povo pobre. É por isso que precisamos valorizar, sim, o Sete de Setembro, mas jamais esquecer o nosso Dois de Julho”, finaliza.

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