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Bahia

Curta-metragem baiano é exibido no festival de cinema da Nigéria; obra retrata ausência paterna e Salvador futurista

Em entrevista ao Farol da Bahia, diretor de 'Meu Pai e a Praia' revelou que o filme surgiu a partir das lembranças da própria infância

Por Bélit Loiane
Ás

Curta-metragem baiano é exibido no festival de cinema da Nigéria; obra retrata ausência paterna e Salvador futurista

Foto: Divulgação/Meu Pai e a Praia

Sob a abordagem da ausência paterna e a maternidade solo, o curta-metragem baiano ‘Meu Pai e a Praia’, da produtora Gran Maître Filmes, foi selecionado para a 13ª edição do Africa International Film Festival (AFRIFF), que acontece em Lagos, na Nigéria.

O filme, exibido nesta sexta-feira (8) no AFRIFF, pertence ao gênero afrofuturista e foi produzido por uma equipe majoritariamente negra. Dirigido pelo roteirista, diretor e produtor, Marcos Alexandre, o enredo é construído em uma Salvador do futuro e conta a história de Kinho, que precisa lidar com a frustração após o pai não comparecer ao compromisso marcado com ele: ir à praia.

Em entrevista ao Farol da Bahia, Marcos Alexandre revelou que a inspiração para o curta nasceu das ausências de afeto na própria infância. “Eu sou filho de mãe solo e isso sempre foi marcante para mim. Meu pai foi muito ausente, o que me afetou profundamente. A questão de pensar Salvador no futuro é de imaginar como seria uma família negra e periférica no futuro, onde houvesse a possibilidade de suprir a ausência de outras formas, através da tecnologia. A premissa surge daí”.

Ao longo do enredo, o pai de Kinho aparece de forma inesperada, mas com um comportamento diferente, que levanta novas questões sobre essa figura. A história mistura a expectativa de uma criança com a realidade de uma paternidade ausente, e representa nas telas as experiências de diversas famílias negras e periféricas. 

Marcos ressalta que a obra é um reflexo da realidade, não apenas da própria vida dele, mas de uma narrativa coletiva onde diversas crianças - sobretudo negras - vivem em um contexto de maternidade solo. Somente em 2023, mais de 110.716 certidões de nascimento não carregavam sequer o nome do progenitor. 

“Eu nunca vi um filme como esse e eu gostaria de conseguir traduzir um pouco do meu sentimento. Eu não lembro de quando meu pai me levou à praia, então há uma falta, uma ausência de narrativas que abordem, com toda complexidade, as relações familiares de pessoas negras periféricas, um pouco de como se dá essa relação da mãe solo com o filho. Ao mesmo tempo que dá e provoca essa reflexão de como é, como são outras famílias”. 

O curta é protagonizado por Kaio Ribeiro, que interpreta Kinho; Aline Nepomuceno, mãe responsável por tentar preencher a lacuna paterna; e Heraldo de Deus como o pai, e teve as cenas gravadas em julho de 2023 na Praia da Boa Viagem. A previsão é de que a obra ganhe as telas nacionais no primeiro semestre de 2025. 

Seleção para o festival

A relação entre Salvador e a Nigéria transcende fronteiras geográficas. Ainda que longe, o que os conecta é a forte presença da cultura africana na cidade. A maior parte dos escravizados que viviam na capital baiana, no período do tráfico transatlântico, foram retirados de maneira forçada da Nigéria. 

Para Marcos, ao levar o olhar da Bahia até Lagos, o curta celebra a ancestralidade, ao mesmo tempo que carrega uma visão inovadora do futuro, como uma maneira de resgate e reinvenção de um vínculo histórico.

“A seleção chegou para a gente com muita surpresa e felicidade. É um lugar de retorno, uma experiência muito única porque a gente reconstrói a travessia de uma maneira muito bonita. A gente ter o elenco composto por pessoas majoritariamente pretas, já se percebe que aí já está preestabelecida uma correlação com o continente africano”, disse. 

Afrofuturismo 

O gênero afrofuturista é uma vertente da ficção especulativa, que busca repensar o futuro a partir de uma perspectiva africana e afrodescendente. As obras combinam elementos de ficção científica, fantasia, história e cultura africana, para levar uma narrativa que resgata e reinventa o passado, na busca de criar uma nova visão de futuro para as populações negras.

A partir dessa perspectiva, é possível imaginar mundos futurísticos onde as comunidades negras, na maioria das vezes marginalizadas e sem representações positivas, ocupam papéis de destaque e controle da própria história. 

Segundo Marcos, a importância do curta é a representação para as crianças negras. Para ele, o movimento oferece a oportunidade de criar futuros alternativos onde as crianças se veem não apenas como parte do presente, mas como protagonistas de um futuro possível. 

"O afrofuturismo cria novas formas desses corpos negros nesse universo. É uma possibilidade de futuro que normalmente as crianças negras não se veem. Então quanto mais obras afrofuturistas surgirem, mais bonita pode ser a relação dessa criança hoje e com a própria cidade. Tudo isso para reimaginar de que modo a gente pode ver Salvador”. 

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