Denúncias de discriminação racial cresceram mais de 700% em nove anos na Bahia
Nesta terça-feira (21) é celebrado o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial
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O número de denúncias de discriminação racial – entre racismo, intolerância religiosa e correlatos - cresceu mais de 700% em nove anos na Bahia. Os dados são do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, vinculado à Secretaria De Promoção Da Igualdade (Sepromi). De janeiro a março deste ano, oito casos foram registrados.
Nesta terça-feira (21), é celebrado o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, data criada pela Organização das Nações Unidas em memória das 69 pessoas mortas e feridas em 1960, na África do Sul, por se manifestarem contra o apartheid. Para a secretária da Sepromi, Ângela Guimarães, além da importância histórica, a data inspira outras conquistas para o movimento de luta.
“Recentemente, no último dia cinco de janeiro foi criado o dia nacional das tradições das raízes de matriz africana em nações do candomblé. A lei 14.519 que também é uma referência importante para essa luta pelo fim do racismo, do ódio e da intolerância religiosa. O nosso país, em que tese, não consegue ser explicado sem a expressividade da presença africana no território brasileiro, mas é um país onde o racismo se faz presente em todas as dinâmicas sociais, econômicas, culturais.”, recorda.
Em 2013, foram 13 casos registrados, houve um salto gradativo para 123 contabilizados no ano passado. Segundo Ângela Guimarães, a crescente está relacionada a disseminação de conhecimento sobre o tema e a mudança de comportamento das pessoas.
“A gente está vivendo o momento onde a sociedade brasileira está mais atenta pra todas essas manifestações de discriminação, racismo, de intolerância religiosa, LGBTQIA+. Não é piada, não é fantasia, racismo é crime. Justamente com o condão de desnudar essas práticas pelas quais muitas vezes o racismo se apresenta e as pessoas tentam minimizar um crime que assim é tipificado na nossa constituição desde a década de cinquenta.”, pontua.
No Brasil, a prática se tornou crime após a Constituição Federal de 1988, que incluiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Desde janeiro deste ano, a partir de uma alteração legislativa, o crime de injúria racial passou a ser equiparado ao de racismo. O que possibilita a aplicação de penas maiores a quem cometer atos de discriminação em função de cor, raça ou etnia. Além disso, o fato é imprescritível, e pode ser julgado a qualquer tempo.
“Vários casos de racismo geralmente não tinham como consequência a prisão. A gente tem investido muito em uma massificação dessa equiparação da lei para que a gente enfrente em melhores condições a impunidade, porque quando o crime de racismo acontecia nas delegacias sempre era registrado como injúria por ter uma pena mais baixa as pessoas eram fatalmente liberadas. Agora não, a situação acontecendo em flagrante elas têm prisão preventiva decretada.”, declara a titular da Sepromi.
Em 2022, O Google divulgou que as buscas de pesquisas feitas por brasileiros para saber o que é o racismo estrutural teve um aumento significativo nos últimos três anos – 2019 a 2022. Foram mais de 1.400% em comparação aos anos anteriores. O termo afirma que o racismo está presente nas instituições e na cultura.
Assim como o número de denúncias cresceu paralelo a formação de novas discussões sobre o tema, para Ângela, a educação é um fator predominante no combate à discriminação racial.
“Mandela já nos ensinava que se as pessoas são ensinadas a odiar, elas vão odiar, mas se elas forem ensinadas a amar e respeitar o seu próximo elas assim procederão. Então o desafio que nós temos é imenso do ponto de vista da educação. Porque ele tem a ver com a inclusão da história da cultura afro-brasil brasileira e dos povos indígenas na nossa educação formal, desde a educação infantil até o ensino médio e também chegamos às universidades. Para que estereótipos racistas não sejam alimentados e que a população negra seja positivamente visibilizada.”, finaliza.
Dia Internacional Contra a Discriminação Racial
Na data de 21 de março foi instituído o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial que reconhece a batalha e conquistas de direitos. O dia ficou marcado em memória ao Massacre de Sharpeville, que ocorreu na África do Sul em 1966, quando, em meio ao apartheid, 20 mil pessoas negras protestavam pacificamente contra a instituição da Lei do Passe.
A Lei previa a obrigatoriedade de negros portarem cartões de identificação nos quais constavam os locais aonde eles poderiam ir. Tropas do exército local atiraram contra os manifestantes e 186 pessoas ficaram feridas e 69 pessoas morreram.
O historiador e membro da Rede de historiadores negras e negros da UFBA, Itan Cruz, a data significou um marco que levou discussões sobre as consequências de políticas racistas.
“Trouxe o assunto para um âmbito internacional, para que outros países pudessem a partir dessa data refletir sobre seus próprios conflitos internos a partir de suas realidades e especialmente os países colonizados como no caso da América Latina. De como o racismo pode produzir tragédias imensas como aconteceu na África do Sul a partir da política do Apartheid e de toda a violência que desencadeou.”, afirmou.
O historiador declara que no Brasil, a partir da década 1960, os movimentos negros movimentos negros, juntamente com sociólogos e historiadores, conquistaram maior visibilidade sobre o assunto.
“O estabelecimento da data se localiza no contexto dos processos de Independência política dos países africanos frente aos imperialistas europeus, período de grande viabilização dos conflitos que comporiam novos desafios ao continente. É sensível, no entanto, que no Brasil, esta data, o 21 de março, ganhou maior amplitude e visibilidade com passar do tempo. Especialmente por conta das reivindicações e trabalhos desenvolvidos pelos movimentos negros juntos à sociedade em geral.”, concluiu.