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Deputados federais brancos receberam mais de 70% das verbas públicas em 2022; financiamento aumenta chances de eleição em 6.6 vezes

Dados foram revelados nesta segunda (9) pelo Observatório da Branquitude

Por Bélit Loiane
Ás

Atualizado
Deputados federais brancos receberam mais de 70% das verbas públicas em 2022; financiamento aumenta chances de eleição em 6.6 vezes

Foto: Saulo Cruz/Câmara dos Deputados

Mais de 70% das verbas públicas do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) e do Fundo Partidário (FP) foram destinadas aos deputados federais eleitos que se autodeclararam como brancos no pleito de 2022. Os dados foram divulgados pelo Observatório da Branquitude, nesta segunda-feira (9). 

Conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, pretos e pardos somaram 4.886, quase metade (47%) dos cerca de 10 mil candidatos aos cargos. A divisão equalitária de verba eleitoral com recorte de gênero e raça passou a valer naquele ano, após a decisão da Corte que determinou a proporcionalidade da distribuição dos fundos ao número de candidatos negros em cada partido. No entanto, conforme o levantamento, essa divisão não foi cumprida. 

Segundo os pesquisadores, a importância do financiamento está na possibilidade de conseguir ocupar uma cadeira na Câmara. Quanto maior o valor investido na campanha de um candidato, a chance de ser eleito cresce. O estudo revelou que, no último pleito, os recursos elevaram as chances de eleição em 6.6 vezes, mais que o dobro de 2018, quando o aumento foi em 3.18 vezes.

O levantamento “As chances de ser eleito: branquitude e representação política” utilizou informações do TSE disponíveis para consulta pública, como o código sequencial do candidato, gênero, raça/cor, montante do financiamento e resultado da eleição.

“A gente fez um modelo de estudo que demonstra as razões de chance de eleição. O que fica claro é que o quanto essa campanha consegue arrecadar é a razão chance que tem mais incidência para uma pessoa ser eleita [...] os partidos destinam a maioria dos recursos públicos para a manutenção de um cenário político em que pessoas brancas sigam sendo sobrerrepresentadas nesses espaços de poder”, disse o co-diretor-executivo do instituto, Thales Vieira, em entrevista ao Farol da Bahia.

O pleito de 2022 ocorreu ainda sob o vigor da Emenda Constitucional 111, aprovada em 2021, que regularizou um incentivo para candidaturas de negros e mulheres na distribuição do fundo eleitoral e do fundo partidário, além da decisão do TSE referente à proporcionalidade.

Para a cientista política e doutora em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Waneska Cunha dos Anjos, a dificuldade de democratizar o acesso de políticos pretos, mesmo com os avanços das políticas de promoção de igualdade, parte da herança colonial do racismo. 

“Não podemos esquecer que a formação da sociedade brasileira foi marcada pela escravidão, e que este sistema permaneceu consolidado por quase quatro séculos. O Estado brasileiro, desde a abolição, não conseguiu promover a integração da população negra, seja na política ou em quaisquer outros espaços de poder. As elites permanecem circulando nesses poderes com um perfil ainda majoritariamente branco, mesmo em estados como a Bahia, de maioria demograficamente negra”, analisou Waneska para o Farol da Bahia.

Representatividade nos partidos

Os Partidos Liberal (PL) e dos Trabalhadores (PT), que apresentam atuações antagônicas nos últimos anos, se aproximam em um ponto: mais de 70% de seus candidatos eleitos são brancos. 

No PL, 73% dos deputados eleitos são pessoas brancas e 25% negras. O PT repete a quantidade de políticos brancos e cai na representação de negros, que atingiu 23%. Ambos possuem as maiores representações na Câmara.

“Isso demonstra que, em que pese a polarização política colocada, na hora de segregar as pessoas negras na política institucional, PL e PT dão as mãos. Portanto, não há um esforço, independente do espectro político, de maior inserção de pessoas negras na política e na representação desses partidos dentro do Congresso”, analisou.

Entre as legendas com maior representação negra estão o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) que apresentam mais da metade de deputados eleitos pretos e pardos, 66,67% e 66,67%, respectivamente, apesar de ter a menor bancada na Câmara. 

Todos os candidatos a deputado federal eleitos pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Social Cristão (PSC), Cidadania e Novo se declararam brancos. 

Gênero

O levantamento revela ainda que, na distribuição dos recursos públicos, homens brancos foram os maiores beneficiados. De um total de R$ 2.829.049.659, eles acessaram 44% do valor. 

Ainda nesse contexto, observa-se que a verba destinada para homens e mulheres negras é inferior ao percentual de candidatos: 

  • Homens negros somam 30,20% do total e receberam 23,42% da verba;
  • Mulheres negras somam 18,08% do total e receberam 14,34% da verba.  

O contrário acontece com os candidatos brancos, tanto homens quanto mulheres, que receberam um quantitativo maior de verba que o percentual de candidatos:

  • Homens brancos eram 33,81% dos inscritos e receberam 44,05% dos fundos;
  • Mulheres brancas eram 16,30% dos inscritos e receberam 17,17% dos fundos. 

Dessa forma, com maior investimento, os candidatos homens têm 2.5 mais chances de serem eleitos sobre as candidatas mulheres.

PEC da Anistia

No final do mês de agosto, o Congresso Nacional promulgou a proposta de emenda à Constituição (PEC) que livra os partidos políticos de multas eleitorais, conhecida como PEC da Anistia.

O projeto zera as multas das legendas que descumpriram os repasses mínimos para candidaturas de pessoas negras, que deveriam ser feitos segundo o número de candidatos pretos e pardos, como determinou o TSE.

Waneska afirma que a medida representa um retrocesso na busca por uma democracia mais representativa. “Estas iniciativas de não respeito a estas ações afirmativas são tentativas de manutenção dos privilégios eleitorais nas mãos de perfis de elites, o que demograficamente não representa a diversidade da sociedade brasileira e contribui para o acirramento das desigualdades nas esferas de poder na política brasileira”.

A proposta reduziu ainda de 50% para 30% a proporção de recursos dos fundos eleitorais e partidários destinados para o impulsionamento das candidaturas de pessoas negras. 

As novas regras já passam a valer para as eleições municipais deste ano, que serão realizadas nas 27 unidades federativas, no dia seis de outubro. Tanto em 2022 (50,27%) quanto neste pleito (52,73%), os candidatos negros foram a maioria nas disputas.

Thales Vieira definiu a redução como uma derrota e disse que a porcentagem não condiz com a quantidade de candidatos negros. “É o que a gente chama de um pacto da branquitude organizada, para seguir sendo sobrerrepresentada. A branquitude na política institucional busca de todas as formas que não haja espaços mais diversos. Esses 30% que ficaram como base não representam as candidaturas negras”. 

Perfil dos deputados

O perfil médio dos 513 deputados federais eleitos em 2022 é bastante semelhantes aos dos candidatos eleitos em 2018: homem, branco, casado, com ensino superior e com 49 anos.

De acordo com os dados do TSE, brancos totalizam 72% das cadeiras da Câmara na última eleição federal, ou seja, 369 deputados. 135 são negros (pretos e pardos), 5 indígenas e 3 amarelos.

O percentual dos brancos eleitos está acima da população branca brasileira registrada pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no mesmo ano, de 43,5%. Já pretos e pardos representam 56% da população.

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