Desabastecimento de medicamentos para câncer e sífilis preocupa pacientes e saúde
Bussulfano, utilizado para transplante de medula de óssea, deixará de ser distribuído no país
Foto: Reprodução/ Getty Images
O ano de 2020 terminou com uma péssima notícia para os pacientes que necessitam fazer um transplante de medula óssea, o bussulfano. O medicamento é essencial para a realização do procedimento e deixará de ser distribuído no Brasil. Medicamentos utilizados no tratamento de sífilis também sofrem com desabastecimento no país.
A farmacêutica Pierre Fabre, única empresa que comercializa o bussulfano no Brasil, encerrou as atividades no exterior. O medicamento é essencial para o transplante de medula óssea e sem ele o procedimento fica inviável em 50% dos casos.
A professora Universidade Federal do Rio de Janeiro - Campus Macaé e farmacêutica, Luisa Arueira Chaves, destaca que esse não é um problema que surgiu apenas no ano passado, em meio à pandemia de Covid-19. Segundo ela, desde 1950 há registros de desabastecimento de medicação em algumas partes do mundo.
"Até os anos 2000, o desabastecimento era visto como um problema de demanda, em que os países não tinham dinheiro para comprar por questões de câmbio, desvalorização das moedas ou desorganização interna", descreve.
"Isso é muito importante para se definir políticas públicas globais e entender onde estão os gargalos desta cadeia de suprimentos", ressalta Chaves.
A farmacêutica e professora titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (RJ), Claudia Osorio de Castro, aponta outro fator para a crise do desabastecimento: o lucro. Segundo ela, as empresas se concentram em produzir novas fórmulas com excelentes evidências e, consequentemente, aumentam o preço. Um exemplo disso é uma terapia contra a Atrofia Muscular Espinhal (AME), uma desordem genética rara, que custa R$ 11 milhões.
"Por mais que isso seja da dinâmica de mercado, nós vemos desaparecer medicamentos para hanseníase, sífilis e tuberculose, que são muitas vezes as únicas alternativas terapêuticas que a gente tem", acrescenta Chaves.
Os profissionais e pacientes com doenças reumatológicas como lúpus e artrite reumatoide tiveram que lidar com a escassez de antibióticos, utilizados em quadros em que bactérias se aproveitam da fragilidade do organismo para provocar pneumonia ou outras infecções.
O excesso de procura por hidroxicloroquina, ivermectina e outros, por exemplo, que não tem comprovação de eficácia contra a Covid-19, fez com que a demanda aumentasse, os preços subissem e os estoques acabassem.
Por meio de nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que tem publicado "editais de chamamento para que os detentores de registro desses insumos [anestésicos, sedativos, bloqueadores neuromusculares e demais agentes usados no enfrentamento à covid-19] informem os dados relativos à fabricação, estoque, comercialização e os fatores de risco para a produção".
Em nota a BBC News, a Anvisa informou que não tem um instrumento legal que impeça os laboratórios farmacêuticos de retirarem seus medicamentos do mercado. "No entanto, a Anvisa responsável pela gestão e acompanhamento das notificações de descontinuação de fabricação encaminhadas pelos laboratórios, assim como pela análise de denúncias relativas ao desabastecimento do mercado de medicamentos. Diante de situações de redução na oferta de medicamentos no mercado nacional, a Anvisa articula-se em diversas frentes com o Ministério da Saúde, laboratórios fabricantes e demais "stakeholders" para buscar soluções que possam minimizar os impactos do desabastecimento para os usuários".