Devotos mantêm tradição de caruru e doce no dia de São Cosme e Damião
Católicos e praticantes de religiões de matriz africana oferecem a comida típica no dia 27 de setembro
Foto: Farol da Bahia
O Dia de São Cosme e Damião é celebrado em 26 de setembro, mas a comemoração aos santos é tradicionalmente realizada no dia 27. Há 15 anos, nesta data, a católica Elenilde Barreto da Silva, faz a comida típica, o caruru.
O motivo é a gratidão pelo nascimento dos filhos gêmeos. “A partir do momento em que eles nasceram, eu festejo. Além da comida, eu compro balas, pipocas, doces para a criançada aqui na rua”. Segundo Elenilde, o desejo é que a tradição seja mantida pelos filhos. “Eles frequentam a igreja, está participando da catequese e passo a importância [da data] para eles”.
Quem segue a tradição aprendida com a avó é a candomblecista Joelma Santana. “Eu cresci participando. Vendo minha avó fazendo, e continuei depois que ela faleceu em 2020. Sempre fazemos em gratidão, sempre tem o que agradecer”, conta.
A data é celebrada tanto pelos católicos como pelos praticantes das religiões de matrizes africanas. De acordo com o antropólogo, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira Logomarca (Unilab) e pesquisador Marlon Marcos, ainda não se sabe quando a tradição foi iniciada visto que ela foi trazida e adaptada pelas pessoas escravizadas no Brasil.
“Em várias regiões da África as pessoas já referenciavam os Ibejis – entidades infantis- que são gêmeos. O sentimento da alegria é representado nessas figuras. Quando as pessoas chegam aqui no Brasil, encontram uma sociedade escravocrata que os tornou um objeto, uma mercadoria. E como forma de continuar com a pratica, eles passam a usar dos símbolos católicos que era a religião dominante.”
As imagens associadas às entidades são dos santos São Cosme e Damião - irmãos gêmeos - que são médicos. “Eles saíam percorrendo as comunidades pobres do lugar, levando o processo de cura e espalhando, assim, alegria. Daí partiu a semelhança e vários africanos começaram a ligar os Ibejis aos dois santos católicos.”
Até hoje, ambas as religiões mantêm a tradição de ofertar o caruru e doces. Mas, o pesquisador afirma que ela foi instituída pela cultura dos africanos. “O costume de agradar as entidades era um ritual já praticado em algumas partes da África. E aqui, foi iniciado nos terreiros e inserido no catolicismo. Então se tem caruru já é uma sinalização de um pertencimento ao universo africano e, portanto, ao universo dos terreiros de candomblé”.
O pesquisador ressalta que o sincretismo é marcado pela forte presença dos negros.
“Esse encontro se deu profundamente no momento em que as culturas africanas começaram a afetar e a alterar os ensinamentos católicos. Muita gente pensa que o sincretismo é o empobrecimento, mas não é. O sincretismo, de certa maneira, foi uma forma de reformular o catolicismo. Os africanos alteraram através da sua força de presença, não é presença majoritária, mas presença é qualitativa. Os africanos, os negros, conseguiram alterar essa mentalidade”.
Caruru de sete meninos
Os convites para participarem dos carurus na Bahia já são esperados no mês de setembro. São momentos de casa cheia com parentes, vizinhos e amigos. Mas, antes que todos sejam servidos, uma roda com sete crianças – que devem comer com as mãos, em uma gamela de barril – é formada. “Eles chamam também de caruru dos sete pedidos. O número sete é sagrado para o povo do candomblé, simboliza a força”, reforça o professor.
Apesar da festividade ser mantida até hoje, segundo Marlon Marcos, o número de adeptos é cada vez menor. “Na minha adolescência, nos anos 80, por exemplo, a nossa grande alegria era esperar o setembro chegar pra que a gente fizesse uma maratona de carurus, era uma concorrência muito grande, coisa muito bonita. Hoje, com o crescimento do evangelho, as pessoas não têm praticado tanto”, afirma.
O prato típico, em geral, vem com caruru, vatapá, arroz, farofa de azeite, feijão preto, milho branco, cana de açúcar, banana frita e xinxim de galinha, e permanece como uma tradição que passa de geração para geração.