Eduardo Kobra transforma muro em janelas e celebra a diversidade dos migrantes e refugiados!
Aos detalhes...

Foto: Alan Teixeira
O conhecido muralista brasileiro Eduardo Kobra pintou uma nova e impactante obra no muro em frente à fachada do Museu da Imigração, no bairro da Mooca, na Zona Leste de São Paulo. Com 736 m² (5,8 m de altura por 127 m de extensão), o mural “Janelas Abertas para o Mundo” mostra oito migrantes e refugiados, de diferentes origens, todos personagens reais retratados pelo artista urbano com as cores que caracterizam sua obra. Ao longo do mural, em janelas pintadas, estão Andres Samuel Peralta Guedez, 15 anos, da Venezuela; Mafueni Delfina, 9 anos, e Mabanza Victor James Henoe, 6 anos, de Angola; Noura Bader, 35 anos, Palestina; Priscília Mbuku Bazonga, 12 anos, da Líbia; Vijay Bavaskar, 52 anos, e Deepali Bavaskar, 49 anos, da Índia; e Seema Bashar Hameed Aluqla, 8 anos, do Iraque. O mural conta com o apoio da CPTM e patrocínio, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, da Rede D’Or. O Museu da Imigração – instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo – está situado à rua Visconde de Parnaíba, 1.316.
Para realizar a obra, Kobra contou com a parceria da organização humanitária IKMR (I Know My Rights), que indicou as pessoas retratadas. Kobra conversou com cada um dos refugiados para conhecer suas histórias e personalidades. No prédio em que o museu está situado, ficava originalmente uma hospedaria que recebia migrantes, muitos deles refugiados, que muitas vezes ficavam em suas janelas observando o movimento na nova cidade. Agora, quem está nos jardins do Museu poderá ver as janelas que existem no muro e, como se fossem portais, “conversar” com essas pessoas e talvez se interessar por suas histórias e pela questão dos milhões de refugiados no mundo inteiro.
“Simbolicamente, o muro é um impedimento, aquilo que não precisamos no mundo. É o que separa, o que demarca as diferenças e o que impede o ir e vir. Por isso, escolhi mostrar os personagens nas janelas abertas, olhando para fora, para as pessoas que passam, muitas vezes indiferentes”, diz Kobra.
De acordo com o artista, tão nociva quanto o ódio e o preconceito contra o migrante e o refugiado é a indiferença, é passar por seres humanos sem enxergá-los, como se não existissem. “Mais do que nunca as cores que utilizo nas obras têm um significado bem especial aqui. As pessoas, com suas origens, culturas e características diversas, tornam o País - e o mundo! - mais bonito. É preciso abrir as janelas, mas também as portas, os olhos e os corações para acolher essas pessoas que abdicaram de suas pátrias e precisaram, por diversas razões, se deslocar”, afirma Kobra, que complementa: “que sejam felizes e consigam reconstruir suas vidas no solo brasileiro”.
Até o final de setembro, Kobra fará uma peça exclusiva, com a imagem do mural e todo o recurso da sua venda em um leilão online (data ainda indefinida) será revertido para a IKMR.
Segundo Vivianne Reis, fundadora e diretora-geral da IKMR, o mural retrata pessoas em situação de refúgio que fazem parte da comunidade que a organização atende. O Museu da Imigração “é um espaço especial em São Paulo e para as nossas crianças, que amam brincar no seu jardim. Em minha opinião, essas são janelas para o mundo, que trazem a histórias incríveis de resiliência e de superação. E todos terão a oportunidade de conhecer um pouco da história dessas pessoas que estão aqui” afirma. Para a diretora da IKMR, é incrível que o museu tenha pensado nisso. “Todo mundo que estiver no jardim terá, ao ar livre, a oportunidade de admirar essa obra de arte impactante e principalmente de refletir sobre a importância dessa causa para o mundo”, diz, acrescentando que desde o ano passado, “embora ainda não conste do calendário oficial, 27 de agosto também é o Dia da Solidariedade à Infância Refugiada”.
Um dos protagonistas da obra é o venezuelano Andres, que, junto com a sua família, iniciou o processo migratório em 2019. Depois de saírem do país de origem, passaram pela Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, até chegarem ao Brasil. Apesar das diferenças encontradas em São Paulo, onde está há um ano e quatro meses, Andres não se arrepende da mudança, procura compensar com muita dedicação os anos de dificuldade e destaca os aprendizados vivenciados, como em relação à cultura, ao idioma, aos sonhos e à luta cotidiana: “Atualmente, estou no primeiro ano do Ensino Médio e trabalho em um hospital através do programa Jovem Aprendiz. Também estudo canto em um instituto, treino futebol e vou para a academia”, conta com orgulho.
A jovem Priscília, nascida na Líbia, também é mostrada no mural. Ela e sua família migraram, devido à guerra, para o Congo, mas por problemas políticos, buscaram refúgio em outro país. Chegaram ao Brasil em 2014. Com apoio de uma organização humanitária, começaram um curso de português e conseguiram um albergue para ficar. A possibilidade de viver em paz é um aspecto positivo mencionado pela mãe de Priscília, Mamie, que também relembra como foi triste começar tudo de novo, longe da família, das pessoas queridas e do trabalho. Priscília destaca o que mais gosta ao se ver no mural: “É estar de braços abertos! É como se eu estive abraçando as pessoas. E é exatamente isso que eu desejo: que cada um que olhar essa pintura se sinta abraçado”.
Depois de se casar, aos 21 anos, a palestina Noura, nascida em Gaza, se mudou com o marido para a Arábia Saudita. Devido à sua origem não conseguiram documentos nem oportunidade de trabalho. Também ficou impedida de retornar pelo fechamento das fronteiras. Quando receberam um convite de um amigo do marido, que vivia no Brasil, não pensaram duas vezes para mudar em 2016, já com dois filhos, de continente e país. Em poucos anos, conquistaram a cidadania brasileira e foi no novo país que Noura teve seu terceiro filho.
A menina Seema, iraquiana (mas nascida na Jordânia, assim como seus três irmãos, para onde sua família emigrou devido à guerra no Iraque), há quatro anos no Brasil, já passou por muitas dificuldades em seus oito anos de vida, mas é dessas pessoas que contagiam a gente com um largo e espontâneo sorriso e fazem com que acreditamos que a vida é boa, bela e sempre vale muito à pena. Ela própria está encantada com s expressão do seu rosto captada por Kobra: “Meu sorriso ficou muito bonito. Eu amei. É importante que mesmo que algo esteja difícil ou incomodando a gente nunca tire o sorriso do rosto”, afirma.
Segundo Alessandra Almeida, diretora executiva do Museu da Imigração (MI), a ação tem o propósito de estimular a produção cultural, compreendendo que a arte pode ser uma linguagem universal para problematizar e tornar sensíveis conceitos importantes para o entendimento dos deslocamentos humanos. Desse modo, o projeto torna-se uma continuidade ao trabalho realizado pelo MI ao longo dos anos, de buscar a aproximação da temática das migrações históricas e contemporâneas, bem como aclarar assuntos relacionados ao refúgio e prover reflexões sobre racismo estrutural e direitos humanos”.
O novo mural segue a linha de temáticas utilizadas pelo artista ao longo de sua trajetória. Kobra é autor de projetos como “Greenpincel”, onde mostra imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza; e “Olhares da Paz”, onde pinta figuras icônicas que se destacaram na temática da paz e na produção artística, como Nelson Mandela, Anne Frank, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon, Malala Yousafzai, Maya Plisetskaya e Frida Kahlo.
O artista também fez murais que celebram a diversidade, como o icônico “Etnias – Todos Somos Um”, no Rio de Janeiro”, “A Linha da Vida, no km 44 da rod. Castelo Branco, São Paulo; e “Coexistência – Memorial da Fé por todas as vítimas do Covid-19”, em São Paulo.
Em 2015, Kobra fez um incrível e intenso projeto “São Paulo: uma realidade aumentada”, com dez intervenções em dez dias. As ações tinham como base a temática social. Em uma dela, o mural “Desaparecida”, estampou na av. Pedroso de Morais, em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, o rosto da menina Ana Júlia Alves Tomás, então com cinco anos de idade, que estava desparecida desde 2013. Diversas mães da ONG “Mães em Luta”, associação nacional de prevenção e busca a pessoas desaparecidas, compareceram à inauguração da obra para distribuir panfletos e conversar com as pessoas.
Em uma calçada da rua Helvétia, na região conhecida como Cracolândia, no Centro de São Paulo, Kobra expôs dez quadros. Além disso, usuários de drogas pintaram com o artista um quatro, que foi depois leiloado, com o valor integralmente revestido para o programa “De Braços Abertos”. Como parte do projeto “São Paulo: uma Realidade Aumentada”, Kobra pintou o mural “A Menina Bailarina”, como um presente para a comunidade de Paraisópolis. Na obra, retratou Daniela Oliveira de Sousa, jovem bailarina do Balé Paraisópolis, que mora na comunidade.
Uma das ações mais comentadas do projeto, quando abordou um dos problemas mais graves do País, Kobra fez o mural “Desemprego”. O muralista pintou em um muro da Praça Roosevelt, o currículo do então desempregado Adriano da Silva Pereira. Muitas pessoas interagiram com a obra e colocaram seus próprios currículos no muro. Também foi impactante e comentada a intervenção onde o artista urbano desenhou em uma calçada uma cama em 3D, para falar sobre a situação dos moradores de rua em São Paulo. Como um dos resultados da ação, muitas pessoas doaram agasalhos e vários objetos para a família da Dona Maria, que era moderadora de rua na região.
Na segunda quinzena de abril de 2017, Eduardo Kobra esteve em Blantyre, na África, a convite da cantora Madonna, para realizar dois murais em um hospital para crianças, que estava em construção pela Raising Malawi Foundation, instituição fundada em 2006 por Madonna e Michael Berg. A viagem surgiu depois que a cantora viu uma obra de Kobra (“Fight for Steet Art”), no Brooklyn, em Nova York, sobre Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol e convidou o muralista brasileiro. No hospital, obra pintou os murais “Nelson Mandela” e “Desmond Tutu”, dentro de sua série “Olhares da Paz”.
Em 2019 Kobra percorreu 12 bairros de São Paulo, dez deles na periferia da cidade, com o projeto “Galeria Circular”, em que transformou em galeria itinerante de arte um ônibus adaptado. Na exposição, o artista apresentou 14 de suas obras, que estiveram ou ainda estavam expostas em diversos locais pelo mundo. O artista idealizou e participou de todos os dias do projeto, interagindo intensamente com o público.
Obras de Eduardo Kobra realizadas no contexto da Pandemia
Em 2021, o artista urbano fez o mural “Seja Luz”, mais uma obra com o tema da pandemia do Covid-19. O mural de 30 m de altura por sete de largura fica na rua Oscar Freire, nos Jardins. Segundo o artista, que no mural pintou “O Pensador”, de Auguste Rodin (1840 a 1917), dentro de uma lâmpada, esse trágico momento de pandemia deve levar a humanidade a repensar valores. “Cada um precisa refletir sobre que tipo de entrega e atitude deve ter para ser luz na escuridão”, diz o muralista. “Acima de tudo é preciso ser luz na vida de alguém e fazer a diferença. É fundamental, mais que só ficar nas palavras e nas Redes Sociais, ouvir o outro, pensar no outro e fazer o bem”, afirmou.
Em maio do mesmo ano, Kobra lançou em São Paulo, na rua Henrique Schaumann, em frente à Igreja do Calvário, o mural “Coexistência – Memorial da Fé por todas as vítimas do Covid-19”, onde retrata crianças de cinco religiões – Islamismo, Budismo, Cristianismo, Judaísmo e Hinduísmo. A obra traz uma mensagem de fé e de esperança, ao mesmo tempo em que lembra as vítimas do Covid-19 e destaca a importância da Ciência, simbolizada pelo fundamental uso de máscaras.
Pouco antes, no início de fevereiro de 2021, na primeira ação do então recém-criado Instituto Kobra, que tem como base a premissa de que a arte é um instrumento de transformação, o artista paulistano transformou um cilindro de oxigênio, em desuso, de 1m30, em uma obra de arte, exemplar único, chamada “Respirar”. Kobra pintou o cilindro como se fosse um recipiente transparente, com uma árvore plantada dentro. “A mensagem central é a importância da vida. Que o sopro da minha arte ajude a levar um pouco de oxigênio para os hospitais mais necessitados e, ao mesmo tempo, provoque a reflexão sobre a importância de usar máscaras, lavar as mãos constantemente, manter o isolamento social e, claro, de preservar a natureza, que é um patrimônio de toda a humanidade”, disse.
A obra foi adquirida por 700 mil reais. Os recursos obtidos com a venda da peça foram aplicados integralmente na construção de duas usinas de oxigênio no Amazonas. Na prática, isso significou que 20 leitos de UTI’s beneficiados 24h por dia, numa ação perene, que ficaram como legado. Em um dia, a usina gera 480 horas de oxigênio. Em um mês, são 14.400 horas. “A título de comparação, um cilindro abastece um leito de UTI com oxigênio por até 10 horas. Ou seja, para fazer uma entrega equivalente à usina, seriam necessários mais de 1.400 cilindros por mês. Com 700 mil seria possível comprar 350 cilindros, o que equivaleria a 3.500 horas”, contou o muralista.
No final de fevereiro do mesmo ano, o muralista Kobra doou ao Instituto Butantan e à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) dois painéis (um para cada instituição) de um metro e oitenta por um metro e oitenta, que fez meses antes, inspirado na esperança do desenvolvimento de vacinas para imunizar as pessoas contra o Covid-19.
Em 2022, Eduardo Kobra (que desde o início da pandemia reduziu drasticamente o número de trabalhos e adiou ou cancelou 39 dos 40 convites que tinha para pintar no Exterior) presenteou o Hospital das Clínicas, em São Paulo, com o mural Metamorfoses, entregue em 14 de junho, Dia Mundial do Doador de Sangue. O novo mural ocupa uma imensa parede que começa no Espaço de Convivência, no primeiro andar do Prédio dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas de São Paulo (onde está situada a Hematologia e a Fundação Pró-Sangue, maior banco de sangue da América Latina, com 10 mil doadores por mês) e se estende até o 8º e último andar. Antes, em janeiro do mesmo ano, Kobra inaugurou no Hospital das Clínicas, à rua Dr. Eneias de Carvalho Aguiar, 255, mural “Ciência e Fé”. Na obra, com as cores que caracterizam boa parte de suas obras, mostra as mãos de um médico, com o jaleco e o estetoscópio, em posição de oração. “A obra mostra que Ciência e Fé caminham lado a lado. Cada uma nos fornece algo que não se pode obter a partir da outra. Acredito demais na Ciência e na Medicina e agradeço aos médicos, enfermeiros e demais profissionais da Saúde que colocam suas vidas à nossa disposição. Eu e a maioria dos brasileiros também colocamos nossa fé em ação e o coração em Deus, para que ele abençoe nossas vidas e as vidas das pessoas que amamos e também a Ciência, para que ela encontre a cura. Não existe essa contradição, que tentam criar, entre Ciência e Fé. Não há por que acreditar só em uma ou na outra”.