Em meio à Foz do Amazonas, Lula pauta na COP30 petróleo de ricos contra pobres

Lula não conseguiu fazer constar na decisão final da cúpula o seu plano para fim da exploração de petróleo, gás e carvão

Por FolhaPress
Às

Em meio à Foz do Amazonas, Lula pauta na COP30 petróleo de ricos contra pobres

Foto: Ricardo Stuckert/PR

JOÃO GABRIEL

Se antes do início era difícil definir qual seria o tema principal da COP30, a conferência sobre mudança climática das Nações Unidas, ao final ele é óbvio: os combustíveis fósseis.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não conseguiu fazer constar na decisão final da cúpula o seu plano para fim da exploração de petróleo, gás e carvão, mas pôs em pauta mundialmente um tema que, até aqui, era tratado quase que como um tabu nos bastidores das negociações.

E isso cerca de um mês depois de o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ter autorizado a Petrobras a perfurar a bacia Foz do Amazonas, o que pode levar a uma nova frente de produção de petróleo no Brasil. Na visão de Lula, os países ricos, que poluíram primeiro o planeta, precisam fazer antes a sua transição energética e ajudar a pagar a dos demais, gradualmente.

A COP30, porém, não chegou a acordo nenhum sobre o tal mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis, tampouco mostrou grandes avanços no debate sobre o financiamento climático.

Na verdade, as negociações repetiram a histórica dicotomia da resistência dos países ricos em atender demandas de nações de economias menores ou não tão menores assim, como os árabes, a Índia ou a China.

Mas, nas palavras de um observador, a estratégia brasileira para evitar que esse impasse travasse as tratativas teve como principal resultado colocar os elefantes na sala e trazer os negociadores, ainda que sem grandes avanços, à mesa para debater esses temas.

Ao evitar o entrave nas negociações, a conferência terminou com avanços na agenda social.

Trouxe, pela primeira vez na história (e em quatro textos diferentes), o reconhecimento da contribuição das comunidades afrodescendentes no combate às mudanças climáticas, e uma inédita menção à importância dos territórios indígenas para a natureza.

Aprovou ainda uma decisão que detalha ações para enfrentar o impacto desproporcional do aquecimento global em mulheres e pessoas de gênero diverso na próxima década.

A negociação sobre os indicadores de adaptação, que antes era candidata a tema central da COP30, foi encaminhada, mas com divergências sobre seu documento final, que prometem reverberar pelas próximas reuniões.

A primeira COP desde que Donald Trump passou a boicotar as negociações climáticas reposicionou alguns atores, o que em parte foi responsável por criar a dinâmica que ameaçou implodir as negociações.

Isso porque, sem os Estados Unidos, os árabes se tornaram mais vocais e intransigentes, enquanto os europeus adotaram postura mais defensiva.

As negociações colocaram os dois grupos frente a frente em uma encruzilhada que teve seus holofotes voltados ao mapa do caminho contra o petróleo e, no pano de fundo, o financiamento climático.

De um lado, os árabes pediam mais recursos, mas negaram a possibilidade de qualquer menção aos fósseis.

Do outro, a União Europeia bradava que não aceitar excluir o petróleo do debate e condicionou a isso qualquer avanço significativo em financiamento para adaptação.

Cada um aglutinou apoio de cerca de 80 países ao seu lado, criando um impasse que fez a conferência virar a madrugada de sexta-feira (21) para sábado (22).

O acordo firmado para definir a decisão mais importante da conferência foi feito na madrugada, e quase ruiu quando a Colômbia quis levar o jogo para os acréscimos com objeções que suspenderam a plenária final mas sem sucesso.

Como admitiu o próprio presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, as tratativas repetiram "o tradicional embate entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento".

Ao final, como definiu um observador, os europeus não quiseram pagar para que o mundo inicie seu processo para depender menos de petróleo, gás e carvão o que é fundamental uma vez que o mundo já ultrapassou o 1,5°C de aquecimento.

Os pleitos dos países em desenvolvimento, porém, tiveram algum avanço, com um programa para debater financiamento e uma determinação (ainda que não muito clara) para aumentar investimentos em adaptação.

A conferência conseguiu manter o regime do multilateralismo atuando, mas os mapas do caminho para reduzir tanto o desmatamento quanto o uso de combustíveis fósseis acabaram se tornando uma iniciativa independente da presidência brasileira sem obrigação de ser debatida ou adotada pelos demais países.

O próprio embaixador admite que "não havia maturidade do tema para conseguir consenso", tema colocado na mesa em cima da hora, após surgir reiteradamente nos discursos de Lula.

O desafio principal agora será conseguir adesão de algum país árabe, grupo que, inclusive, pode ser beneficiado pela adoção deste mecanismo.

Isso porque, se considerado um mapa do caminho que leve em conta a dependência econômica dos fósseis e a responsabilidade histórica com a mudança climática, estes países poderiam ser os últimos a precisar abrir mão dessa atividade.

Na atual negociação, porém, nem este argumento foi suficiente para convencê-los a apoiar a ideia.

Na agenda formal, a conferência foi de "pequenos grandes passos que foram dados em um momento complicado da geopolítica", como definiu a CEO da cúpula, Ana Toni.

A COP na amazônia colocou os fósseis sob holofote, mas ainda não quebrou a barreira para inserir o tema dentro do cada vez mais questionado mecanismo de negociação climática guiado pelo consenso que, nos últimos anos, apesar de um modelo que promove a igualdade no poder de voto, na prática tem construído um debate definido pelo poder de veto.

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie:redacao@fbcomunicacao.com.br
*Os comentários podem levar até 1 minutos para serem exibidos

Faça seu comentário