Empresariado luta pela sobrevivência em cenário incerto, diz advogado empresarial
O advogado frisou a importância de Medidas Provisórias (MPs) que já estão valendo

Foto: Arquivo Pessoal
Em um cenário de incertezas e de excesso de informações, muitas delas, falsas (fake news), o Farol da Bahia procurou o advogado empresarial Ruy Amaral Andrade que explicou as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo federal para aliviar os efeitos das medidas restritivas para as empresas no Brasil. Para ele, o governo "tem e terá um papel central para minimizar esses impactos".
O advogado frisou a importância de Medidas Provisórias (MPs) que já estão valendo, como a que aumenta o prazo para pagamento do FGTS e a que facilita o teletrabalho. Ele ainda disse que acompanha de perto as ações do governo e os projetos em análise no Congresso Nacional.
Segundo Ruy Amaral Andrade, as autoridades brasileiras precisam se manter atentas às iniciativas de outros países, para identificar quais delas se adequam à nossa realidade.
1. Primeiro, eu gostaria que o senhor explicasse quais são os primeiros efeitos que os empresários percebem com as medidas restritivas adotadas em todo país para conter a propagação do coronavírus?
Naturalmente, os empresários estão altamente preocupados e se esforçando para se reinventar no meio dessa crise. Vemos as pessoas tentando mudar seus modelos de negócios para se adaptarem a esse novo cenário, por exemplo, restaurantes que antes não faziam delivery passaram a fazer. De outro lado, estão conversando com os seus locadores, fornecedores e todos os integrantes da cadeia para tentar reajustar as relações contratuais. Mas, não temos dúvida, é um cenário de muita incerteza e o empresariado está - antes de mais nada - em uma luta por sobrevivência.
2. Como é possível atenuar os impactos das medidas sociais restritivas na economia? O governo pode auxiliar com medidas que protejam as empresas? Se sim, quais medidas necessárias?
Certamente, o governo tem e terá um papel central para minimizar esses impactos. Não existe planejamento empresarial razoável que tenha se preparado para um cenário de proporção tão grande. O desafio é identificar medidas que permitam que as empresas passem por esse momento de crise e voltem a gerar riqueza, serviços e produtos para a sociedade sem, de outra mão, gerar distorções tão grandes nas relações econômicas que "quebrem" outros agentes. Em outras palavras: o remédio não pode ser pior do que a doença.
Algumas medidas já adotadas parecem caminhar nessa linha: algumas concessões na área trabalhista, em especial com as Medidas Provisórias 927 e 928/2020 que concedem por exemplo, um prazo maior para pagamento do FGTS, e a facilitação do teletrabalho (o chamado home office). Também o maior prazo para pagamento dos tributos das empresas no regime do Simples Nacional e a linha de crédito especial para micro e pequenas empresas pelo BNDES, dentre outras.
Além disso, a prorrogação de prazos, por exemplo, para a prática de atos societários, o que foi feito ontem por meio da MP 931/2020, permite que as estruturas empresariais se organizem melhor em um cenário em que já há tanto para se administrar.
Além das medidas já implementadas, há também um projeto de lei em curso (PL 1179, no Senado) para tentar mitigar alguns dos problemas decorrentes dessa crise, interferindo, por exemplo, nas relações de locação. A medida, inspirada na legislação alemã, certamente precisará ser amplamente debatida.
3. Entre as medidas anunciadas, está um socorro para auxiliar na folha de pagamento dos funcionários, mas ela ainda não foi publicada.
O próprio site do BNDES indica que ela ainda está "em fase final de estruturação". Pelo que ouvimos dos agentes econômicos que tentaram, ela ainda não está acessível. Dada a urgência, contudo, espera-se que ela seja implementada com máxima brevidade.
4. Entre as medidas já em vigor, a MP 931/20, que amplia em três meses o prazo para que as empresas façam suas Assembleias Gerais Ordinárias. Na prática, qual o efeito dessa medida? O prazo é suficiente?
Eis um bom exemplo de medida que auxilia o empresário sem gerar maiores impactos negativos para outros agentes econômicos. A medida vai conceder tempo para que as demonstrações financeiras sejam adequadamente preparadas, publicadas e arquivadas.
A questão é que os departamentos jurídicos e financeiros estavam - em meio ao turbilhão de demandas próprias dessa crise - precisando administrar o cumprimento dos prazos legais de elaboração de demonstrações financeiras e encaminhamento para os sócios. Isso fica ainda mais complexo pelas restrições à circulação e reunião de pessoas, que dificultaria até mesmo a realização dessas assembleias.
Ou seja, a maior parte das sociedades empresárias que precisaria ter as suas assembleias até o mês de abril passou a poder realizá-las até o mês de julho. O tempo adicional permitirá a reestruturação administrativa e até mesmo a preparação para a realização de assembleias e reuniões de sócios à distância, medida também autorizada pela MP.
O prazo adicional - a princípio - deverá atender a boa parte das empresas mas, em caso de escalada do problema, nada impede que medida adicional venha a ser editada. No caso das companhias abertas, inclusive, a MP já deu autorização à CVM para tomar essa decisão.
Além disso, a MP assegurou que, nesse período, as estruturas empresariais não fiquem sem estrutura de comando, ou seja, que haverá pessoas para tomar as decisões relevantes até que a nova assembleia possa ser realizada.
5. Para terminar, existe alguma medida adotada internacionalmente que poderia funcionar no Brasil neste momento de enfrentamento de crise sanitária?
É difícil, nesse momento, definirmos quais medidas seriam efetivamente boas. Não houve tempo, ainda, para vermos como o mercado e os tribunais se comportaram à luz das normas já expedidas nos outros países.
A lei alemã vem sendo elogiada por estudiosos brasileiros e possivelmente é a maior referência internacional, até o momento. A decisão, por lá, foi de reunir uma série de temas em uma única norma, a chamada "pandemic bill" (lei da pandemia).
O congresso alemão, a um só tempo tratou desde de questões de falências, contratos e obrigações e mesmo processo penal e tributário. Aqui no Brasil, até o momento, as normas vêm sendo publicadas de forma separada, principalmente por meio de medidas provisórias.
Agora, naturalmente, cada um dos múltiplos aspectos que regulamenta precisa ser refletido à luz das circunstâncias do Brasil, e mais, de cada um dos Estados. Deve-se ter o cuidado de não simplesmente "importar" soluções legislativas estrangeiras, pois cada local tem uma estrutura institucional própria, assim como hábitos sociais e empresariais. Assim, uma solução muito boa de outro país poderá não se adequar à nossa realidade social, fiscal, econômica ou institucional.
As nossas autoridades precisarão se manter atentas às iniciativas de outros países, realizando as análises para identificar quais delas se adequam bem à nossa realidade.