Entenda o PL que regulamenta o trabalho de motoristas por app e as críticas dos trabalhadores
Motoristas desaprovam medida; texto está em tramitação na Câmara dos Deputados
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
BRASÍLIA -- O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional, sob regime de tramitação de urgência, um Projeto de Lei Complementar (PLP) que trata da regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo de veículos com quatro rodas. O PLP 12/2024, no entanto, tem causado polêmica entre os trabalhadores.
O texto precisa ser votado em 45 dias na Câmara dos Deputados e, depois disso, deve passar mais 45 dias no Senado Federal. O tempo é o máximo em caso dos projetos que tramitam em regime de urgência. Entre os pontos criticados pelos motoristas está o período de análise do PLP no Congresso. Segundo a categoria, é preciso de um tempo maior para que os trabalhadores sejam ouvidos e suas reivindicações sejam incluídas no documento.
Elaborado pelos ministérios da Fazenda, do Trabalho e da Previdência, o projeto de lei complementar “dispõe sobre a relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas, e estabelece mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos para melhoria das condições de trabalho".
O que diz o projeto?
O PLP 12/2024 determina que o trabalhador que presta serviço por meio de plataformas de transporte individual de passageiros continuará a atuar como autônomo, sendo regido não pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas pela lei complementar que está em tramitação no Congresso.
Para prestar serviço, o trabalhador precisa ter “plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo”. O motorista também poderá atuar em mais de uma plataforma intermediadora e não poderá haver exigências com relação ao tempo mínimo de trabalho ou determinação de horários e dias específicos para trabalhar.
A lei determina ainda que o período máximo de conexão do trabalhador a uma mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias.
E a remuneração?
O PLP estabelece uma remuneração mínima de R$32,19 por hora rodada. O valor deverá ser calculado somente entre a aceitação da viagem pelo trabalhador e a chegada do passageiro ao destino. A lei também determina que os valores serão reajustados mediante a aplicação da sistemática de valorização do salário-mínimo, que é recalculada a cada ano.
Por fim, o projeto de lei complementar diz que o trabalhador não pode receber um valor inferior ao determinado pela lei, de R$32,19 por hora rodada. Caso a remuneração seja inferior, a empresa deverá fazer o repasse complementar. Também é proibido que as plataformas limitem a distribuição de viagens quando o trabalhador atingir a remuneração horária mínima.
O que isso quer dizer? Se um trabalhador tiver feito, por exemplo, duas viagens em 30 minutos e tiver lucrado R$32,10 ou um valor superior, o aplicativo não pode deixar de oferecer viagens para o motorista nos próximos 30 minutos só porque ele já atingiu o valor mínimo antes de bater uma hora de trabalho.
Contribuição previdenciária
Para garantir aos motoristas benefícios como auxílio-doença, aposentadoria e licença maternidade, a legislação prevê uma contribuição para a Previdência Social. As empresas vão contribuir com 20% para garantir benefícios e o motorista com 7,5% em cima dos rendimentos efetivos.
Os 7,5% não vão ser calculados em cima de 100% dos ganhos do motorista, visto que os trabalhadores possuem gastos com os carros, combustível e manutenção, por exemplo. Assim, a lei determina que seja um imposto de 7,5% sobre 25% da remuneração do motorista.
Então, se o trabalhador recebeu 5 mil reais em um mês de trabalho, serão abatidos 7,5% em R$750. Nesse cálculo, a contribuição mensal do motorista para a previdência seria de R$93,75.
A empresa, por outro lado, contribuirá com 20% incidente sobre o salário de contribuição do trabalhador. Ou seja, também contribuirá em cima dos 25% da remuneração mensal total do prestador de serviço.
Em caso de descumprimento por parte das empresas das regras impostas pela lei, poderá ser aplicada uma multa administrativa cujo valor corresponderá a até cem salários-mínimos.
Representação sindical
A lei do Governo Federal prevê também que o trabalhador seja representado por sindicato. A organização ficará responsável por fazer negociações coletivas; celebração de acordo ou convenção coletiva; e representação coletiva dos trabalhadores ou das empresas nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.
A exclusão do trabalhador do aplicativo só poderá ocorrer de forma unilateral pela empresa operadora de aplicativo, segundo a proposta de lei, nas hipóteses de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma. Ainda nestes casos, o motorista deve ter o direito de defesa.
As plataformas também estarão livres para:
- Adotar normas e medidas para garantir a segurança da plataforma, para coibir fraudes, abusos ou mau uso do aplicativo;
- Adotar normas e medidas para manter a qualidade dos serviços prestados por intermédio da plataforma, inclusive suspensões, bloqueios e exclusões;
- Utilizar sistemas de acompanhamento em tempo real da execução dos serviços e dos trajetos realizados;
- Utilizar sistemas de avaliação de trabalhadores e de usuários;
- E ofertar cursos ou treinamentos, bem como quaisquer benefícios e incentivos aos trabalhadores, de natureza monetária ou não, ainda que de caráter continuado.
O que pensam os trabalhadores?
Muitos prestadores de serviço têm desaprovado o PLP 12/2024, sob diversas alegações. Para entender os argumentos, o Farol da Bahia conversou com o motorista Vinicius Borges, de 37 anos, que atua na área há seis anos e tem participado de debates e audiências públicas sobre o assunto no Congresso Nacional, em Brasília.
A primeira reivindicação dos trabalhadores é com relação ao sistema de remuneração do motorista. A lei determina que eles recebam um valor mínimo em cima da hora rodada, mas a categoria pede que o lucro seja calculado de acordo com a quilometragem de cada trajeto.
“A nossa ferramenta principal de trabalho é o carro, que tem desgaste pelo quilômetro rodado. Você compra o carro baseado na quilometragem rodada, desvaloriza o veículo conforme a quilometragem rodada, todo nosso trabalho é girado em cima disso, então é justo que a gente seja pago pela quilometragem. Seria R$2 por quilômetro rodado, em Brasília, mas varia de cidade para cidade”, afirmou Borges.
De acordo com o motorista, o valor da remuneração por quilômetro rodado tem uma variação de acordo com o município devido às especificidades de cada lugar. Depende do trânsito, que pode ser mais intenso em algumas cidades; do nível de segurança; e da própria geografia da região, já que algumas unidades da federação possuem mais ladeiras, como Salvador, e outras são mais planas, como Brasília.
“Atualmente, a Uber paga a quilometragem que ela quer, ela pode pagar R$2 ou R$1 por quilômetro rodado. Ela decide baseado na oferta e demanda, no perfil do passageiro e tem a tarifa dinâmica. A Uber faz dessa forma, mas na maior parte do dia não tem dinâmica, então ela pode cobrar até R$0,90 por quilômetro, que é o valor que a empresa pagava há nove anos. Nós precisamos de um reajuste. A tarifa subiu 30% para o passageiro, mas para a gente não subiu nada, ela desconta o que ela quiser da viagem. Ela desconta a porcentagem que quiser”, acusou o trabalhador.
Além da tarifa, o motorista pede que o projeto de lei complementar passe a abranger questões de segurança: “seria muito bom ter algo sobre a segurança, como uma central de monitoramento, um rastreador, ou botão de pânico. Algumas dessas opções são indispensáveis caso a gente precise solicitar um socorro policial urgente, principalmente nas cidades mais perigosas, como Salvador, que já teve até chacina com os trabalhadores”.
Sobre a contribuição previdenciária, Borges também afirma que os motoristas não apoiam a regra imposta pelo PLP 12/2024. Segundo ele, as plataformas podem aumentar o valor da tarifa para os passageiros e descontar mais da remuneração do trabalhador para “repassar o imposto”.
“Como não tem uma regra de tarifa da plataforma, é um cálculo flutuante, e não existe uma regra sobre o valor que a empresa ganha em cima do que é cobrado aos passageiros, ela pode repassar esses 20% para o passageiro e para o motorista. Todo mundo sabe disso. O empresário repassa o imposto, ele não vai tirar do lucro dele”, declarou o prestador.
Como Microempreendedor Individual (MEI), Borges detalha que já tem os benefícios previdenciários, como aposentadoria por idade, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte. Por isso, ele não vê como necessária as regras da PLP 12/2024. Ele acredita que, assim como as empresas fazem o controle da documentação do motorista e do carro, as plataformas também poderiam solicitar que os prestadores contribuíssem para o MEI.
“A sugestão é que o motorista seja obrigado a pagar o MEI e a Uber pode fiscalizar isso também. Assim, o governo tem arrecadação fiscal e os motoristas continuam com os benefícios previdenciários”, acrescentou o trabalhador.
Por fim, os motoristas pedem que a lei complementar não obrigue os trabalhadores a se vincularem a um sindicato e que, se possível, passe a contemplar alguns benefícios aos trabalhadores, como desconto na renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), incentivo para troca de carro ou alguma dedução no valor do combustível.
Tramitação na Câmara dos Deputados
A Casa Baixa do Congresso Nacional tem realizado discussões sobre o PLP 12/224, a fim de ouvir os motoristas de aplicativo e as empresas que serão impactadas pela lei, caso o texto seja aprovado. A próxima audiência pública acontece nesta terça-feira (9). Depois de votado na Câmara, o projeto ainda passará pelo Senado.
Na enquete da Câmara aberta para votação da população sobre a lei complementar, 63.642 pessoas participaram e deixaram opiniões. Do total, 95% dos votantes discordam totalmente das regras estabelecidas pelo texto, outros 3% discordam na maior parte e apenas 2% concordam plenamente. Os resultados da enquete foram consultados pelo Farol da Bahia no dia 5 de abril de 2024.
Entre os comentários positivos deixados no portal da Câmara dos Deputados, estão:
- “A proposta dá garantias previdenciárias aos motoristas. É necessário pensar no futuro, em uma aposentadoria minimamente digna e também no futuro dos dependentes em caso de falecimento do contribuinte”, disse um interlocutor.
- “O envio da PLP ao Congresso criou a possibilidade de discussão da nossa precária situação com relação aos aplicativos, não somos ouvidos, somos tratados como escravos e ultimamente somos humilhados com valores de corridas de R$5,20, que não cobrem sequer o custo de ligar o carro, essas condições da PLP foram uma imposição das plataformas. Nós temos que pensar em criar a nossa própria plataforma e sair das mãos dos exploradores. Quem menos quer essa regulamentação são as plataformas”, disse outro.
Do lado negativo, esses são alguns dos comentários:
- “Preciso ter minha autonomia de ser autônomo e essa PL atrapalha 1000% nisso. Prefiro trabalhar recebendo pelo o que eu produzo na Uber e não por hora , se fosse para receber por hora eu trabalharia até eu morrer no sistema falido e fadado ao fracasso dessa escravidão que é a CLT. Escravidão já passou”, comentou um trabalhador.
- “Depois de descobrir o MEI de motorista, por aplicativo ou não, independente, não vejo mais nada de bom nessa PLP. O MEI me garante mais vantagens e custa mais barato que essa PLP. O Governo quer vender uma lei mais cara [...] e o app quer se aproveitar da situação para mudar a cobrança. Esse negócio de mudança por hora vai ferrar o bolso do cliente que mora em cidades com muito trânsito, como na grande SP”, disse outro.
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