Estado do Pará, futura sede da COP30, não monitora qualidade das praias
O monitoramento é restrito a cidades como Belém e Santarém, onde as análises são encomendadas e divulgadas pelas próprias prefeituras
Foto: Divulgação/TV Brasil
Enquanto projeta um esforço para melhorar os indicadores ambientais até 2025, quando vai sediar a COP30, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), o Pará segue como um dos três únicos estados litorâneos do país que não faz monitoramento de balneabilidade das suas praias.
Com um litoral com cerca de 560 km de extensão, o Pará tem 13 cidades litorâneas entre a foz do rio Amazonas, na divisa com o Amapá, até a foz do Rio Gurupi, na divisa com o Maranhão. Também possui praias fluviais em destinos turísticos, caso da Ilha de Marajó e do balneário Alter do Chão.
Estas praias, contudo, não têm a qualidade de suas águas analisada pelo governo do estado, atualmente comandado pelo governador Helder Barbalho (MDB). O monitoramento é restrito a cidades como Belém e Santarém, onde as análises são encomendadas e divulgadas pelas próprias prefeituras.
A escolha da cidade de Belém como sede da COP30, referendada em dezembro deste ano durante a COP28, em Dubai, colocou em xeque as políticas públicas em curso e os indicadores relacionados ao meio ambiente no Pará.
Estado com o maior desmatamento do Brasil, o Pará responde por cerca de um terço do desmatamento acumulado na Amazônia Legal desde 1988. No último ano, contudo, foi o estado que obteve a maior redução do desmatamento em comparação com os outros estados do bioma.
Para acelerar a redução desses indicadores, a gestão Helder Barbalho anunciou uma série de medidas na área de meio ambiente.
O governo planeja neutralizar as emissões de carbono do estado até 2025, ter um plano de rastreamento de todo o gado do estado até 2026 e lançar editais de concessão para reflorestamento de áreas de proteção ambiental pressionadas pelo desmatamento.
O monitoramento da balneabilidade das praias também está no radar do governo do estado. Em nota, a secretaria estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade informou que deve ampliar a atuação do estado no monitoramento das praias por meio de parcerias com universidades.
A secretaria, contudo, não deu detalhes sobre como será o monitoramento, em quais praias e com qual frequência.
Atualmente, no Pará, a análise e divulgação da qualidade das praias é feita pelos municípios. Parte deles fazem a análise no Laboratório Central do Estado, gerido pelo governo estadual, outra parte tem contratos com empresas privadas.
No entanto, não há monitoramento da balneabilidade na maior parte dos municípios da costa paraense, incluindo cidades turísticas como Barcarena, Maracanã e Salinópolis.
Não são realizadas medições em praias que são consideradas paraísos intocados como a Ilha do Algodoal, vila de pescadores onde o mar se entrelaça com dunas, manguezais e lagoas naturais, e Salinópolis, que atrai um grande fluxo de turistas no período do inverno amazônico.
Dentre os municípios com praias fluviais, Belém e Santarém fazem testes de balneabilidade, mas as análises não são semanais. Na capital paraense, os testes são feitos duas vezes ao ano em praias como Mosqueiro, Outeiro, Icoaraci e Cotijuba.
O primeiro teste é realizado entre os meses de maio e junho, o segundo entre novembro e dezembro. A prefeitura informou que objetivo é verificar a situação das praias para orientar a população para as férias escolares dos meses de julho e janeiro.
Os testes de balneabilidade realizados no primeiro semestre atestaram apenas que a praia do Cruzeiro, em Icoaraci, estava imprópria para banho.
Em Santarém, as análises de balneabilidade no rio Tapajós são feitas a cada quatro meses. A prefeitura informou que os testes são feitos unicamente pelo município, por meio de uma empresa licitada para realizar o procedimento.
O estudo é realizado em 11 pontos, nas praias de Ponta do Muretá, Ponta de Pedras, Pajuçara, Maracanã e Alter do Chão, além dos lagos urbanos do Papucu e Mapiri. Na última pesquisa, realizada em 2023, a qualidade da água em todas as praias e lagos foi classificada como própria.
A avaliação das praias é realizada em Santarém desde 2019, após a Justiça Federal atender a um pedido do Ministério Público Federal e determinar que o município realizasse exames periódicos de balneabilidade.
A ação judicial foi movida em 2015, quando houve um surto de hepatite na vila de Alter do Chão. De acordo com a Promotoria, os casos podem ter sido provocados pela ineficiência no saneamento básico.
O monitoramento de balneabilidade segue as normas federais criadas em 2000 pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente). Um trecho de praia é considerado próprio para banho se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Nadar em áreas impróprias pode causar problemas de saúde, sobretudo doenças gastrointestinais ou de pele. Na maioria dos casos, a contaminação advém do despejo irregular de esgoto, um gargalo histórico nos principais centros urbanos do estado do Pará.
Dados da PNAD Contínua do IBGE, divulgados em junho deste ano, revelaram que o Pará é o estado tem a quarta menor cobertura de esgotamento sanitário, à frente apenas de Rondônia, Piauí e Amapá.
Apenas 28% dos domicílios urbanos paraenses estavam conectados à rede coletora em 2022. A média nacional é de 78%.
Em Belém, cidade que vai sediar a COP30, a população com acesso à água potável corresponde a 76,8%, enquanto apenas 22,5% dos habitantes eram atendidos com coleta de esgoto em 2021, apontam dados do Instituto Trata Brasil. Apenas 3,6% do esgoto gerado na capital paraense é tratado.
Professora da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental, Simone Pereira destaca que os gargalos no saneamento básico no Pará fazem com que o monitoramento da qualidade das águas seja ainda mais crucial.
Ela lembra que as principais praias do estado são de água doce, e muitas vezes ficam nos mesmos rios onde o esgoto é despejado. Neste cenário, as análises de balneabilidade seriam importantes não só para os banhistas, mas sobretudo para as populações ribeirinhas.
"São pessoas que moram nas margens dos rios e muitas vezes consomem essa água in natura, sem qualquer tipo de tratamento."
A água contaminada, segundo a professora, pode causar doenças como cólera e hepatite, atingindo principalmente crianças e idosos.
Além do despejo de esgoto nos rios e no mar, as praias também podem ter outros focos de contaminação não considerados nos estudos de balneabilidade. Nos rios amazônicos, não são raros os casos de contaminação por rejeitos de garimpo, por exemplo.
Em janeiro de 2022, por exemplo, águas do rio Tapajós em Alter do Chão, região conhecida pelas águas cristalinas, ficou com uma coloração escura e turva. O caso foi investigado pela Polícia Federal, que fez operações para combater o garimpo ilegal de ouro nas proximidades da terra indígena Munduruku.
Ao todo, 14 dos 17 estados brasileiros com litoral fazem testes de balneabilidade das suas praias. Além do Pará, também não fazem o monitoramento da água os estados do Amapá e do Piauí.