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Salvador

Falta tudo: escolas de educação em tempo integral de Salvador são alvos de reclamações de pais e responsáveis

Unidades acumulam problemas com falta de professores, infraestrutura deficiente e traz prejuízos à aprendizagem de alunos

Por Da Redação
Ás

Atualizado
Falta tudo: escolas de educação em tempo integral de Salvador são alvos de reclamações de pais e responsáveis

Foto: Valter Pontes/Secom

Inspiradas nas escolas comunitárias norte-americanas, e concebidas para promover o desenvolvimento humano integral, as escolas de ensino em tempo integral representam um modelo de educação abrangente, sinônimo de qualidade, inclusão, segurança e conforto tanto para os pais quanto para os alunos. No entanto, em Salvador, esse cenário parece bem distante da realidade.

Na capital baiana, é comum ouvir reclamações sobre a qualidade do ensino, a falta de uniformes e a nutrição inadequada nas escolas. Além disso, a sensação de insegurança e a deficiência na infraestrutura em certas regiões prejudicam o desempenho e a produtividade dos estudantes das escolas públicas locais.

O Farol da Bahia percorreu diversos bairros de Salvador, com o intuito de compreender a percepção da população no que diz respeito à qualidade de ensino das escolas municipais que ofertam o ensino em tempo integral. Os resultados revelaram um quadro complexo, onde a esperança por uma educação de excelência se confronta com os desafios estruturais e sociais que permeiam o ambiente escolar.

Vantagens e benefícios da educação em tempo integral

A educação em tempo integral é um tema que vem ganhando cada vez mais destaque no Brasil. A ideia de que a escola deve ser um espaço de formação integral do estudante, e não apenas de compreensão dos conhecimentos tradicionais, tem conquistado, ao longo dos últimos anos, mais adeptos.

O modelo que amplia o período de permanência dos alunos na escola, oferece auxílio pedagógico específico e uma variedade de atividades extracurriculares, além das aulas tradicionais.

Com isso, além das aulas de matemática e português, os alunos têm acesso a cursos e oficinas, atividades como artesanato, artes plásticas, pintura, desenho, música, expressão corporal, dança, teatro, culinária, esportes e robótica.

Para Sílvia Santana, psicopedagoga e diretora geral do Centro de Especialização e Acompanhamento Psicológico & Psiquiátrico (CEAPP), o principal propósito de uma escola que oferece ensino em tempo integral é buscar o desenvolvimento integral dos alunos.

"Isso significa não apenas focar no conteúdo acadêmico, mas também promover o crescimento emocional, social e físico dos estudantes. Uma educação em tempo integral deve ainda proporcionar um ambiente seguro e estimulante, onde os alunos possam explorar suas habilidades e interesses, desenvolver competências socioemocionais e adotar hábitos saudáveis", explica a profissional.

"A escola deve atuar como um espaço que fomente a autonomia, a criatividade e o pensamento crítico, preparando os alunos para os desafios da vida e para serem cidadãos conscientes e ativos na sociedade", completa a especialista.

As vantagens quando o modelo é implantado com sucesso são vários e vão desde o aumento do rendimento escolar, melhora no desenvolvimento cognitivo da criança, além de permitir que os estudantes fortaleçam suas relações de amizade, permitindo que elas aprendam a conviver com as diferenças, o que é fundamental para o desenvolvimento da empatia, da capacidade de comunicação e do respeito.

Cenário desafiador em Salvador

Na Bahia, as redes municipais abrangem quase 80% das matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental, com 79,4% dos estudantes matriculados em escolas municipais e 20,3% na rede privada. Por essa razão, a reportagem concentrou-se nas unidades municipais, que desempenham um papel crucial na alfabetização dos jovens residentes em Salvador.

Os dados, do Censo Escolar de 2023, realizado pelo Ministério da Educação (MEC) com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram ainda que, nos anos finais do ensino fundamental, o índice de alunos nas redes municipais também é majoritário, significando 73,9% dos estudantes. Na rede privada, estão matriculados 15,1% dos alunos dessas séries, e na rede estadual, 11%. 

Salvador conta, atualmente, com 23 unidades escolares municipais que ofertam ensino em tempo integral. As instituições estão espalhadas por diversas regiões da cidade, mas são mais predominantes na região periférica e em bairros populares, como Cajazeiras e também no Subúrbio Ferroviário. Questionada sobre a quantidade de alunos matriculados nesta modalidade de ensino, a Secretaria Municipal da Educação de Salvador (SMED) não se pronunciou.

Falta de professores e infraestrutura

Especialistas apontam que a educação em tempo integral oferece diversas vantagens, como um melhor aproveitamento do tempo ocioso dos alunos, uma melhora no rendimento escolar graças ao tempo dedicado ao aprendizado, além de levar tranquilidade para pais e familiares que precisam trabalhar ao longo do dia.

Na capital baiana, no entanto, tranquilidade é algo que parece não fazer parte da vida dos pais e responsáveis de alunos matriculados na rede municipal de ensino. Ao Farol da Bahia, eles confidenciaram questões que têm tirado a paz há algum tempo.

A primeira instituição de ensino visitada pela reportagem foi a Escola Municipal Hercilia Moreira, no bairro do Rio Vermelho. Por lá, pais e mães até elogiam a boa vontade dos funcionários, mas afirmam que a unidade não consegue dar conta da quantidade de alunos do entorno que precisam da oferta de educação em tempo integral.

“Eu não me queixo dos profissionais, acho que eles fazem o melhor que podem aqui no Hercília. Mas, o que eu tenho visto, é uma escola que não consegue atender a demanda de estudantes que temos aqui. Acho que seria necessário a implantação de mais uma escola, para que os pais e mães que precisam desse serviço possam ter uma maior tranquilidade no seu dia a dia”, afirmou a mãe de um dos estudantes que não quis se identificar.

O desejo de não ser identificado na reportagem, inclusive, foi quase unânime durante as visitas realizadas pela equipe de reportagem do Farol da Bahia. Quando questionados se o que motivava a vontade não aparecer era por medo ou vergonha, a resposta era quase sempre a mesma: “melhor não”.

Em Pituaçu, o Farol da Bahia visitou a escola municipal que leva o nome do bairro. Por lá, a escola encontra-se fechada para reforma há quase um ano. Uma placa da prefeitura informa que as obras de requalificação da unidade escolar tem um prazo de conclusão de 12 meses, vencendo agora no mês de junho.

Segundo vizinhos da instituição de ensino, após a interdição da unidade, ônibus escolares fretados pela prefeitura realizam o transporte de alunos da região para outras escolas do entorno. O grande problema, no entanto, é que, ainda de acordo com os moradores, nem todos os estudantes conseguiram vagas em instituições que ofertam o modelo de educação em tempo integral. Dessa forma, parte dos estudantes estudam em escolas de meio período, comprometendo também a rotina dos pais e responsáveis dentro de casa.

“Teve pai e mãe que precisou mudar toda a sua rotina já que não conseguiram matricular os seus filhos em escolas durante todo o dia. E, agora, não sabemos quando teremos a escola voltando a funcionar, já que, pelo andar da carruagem, ela não ficará pronta até o meio do ano”, reclama um dos moradores da região, sobre o aparente não andamento das obras da unidade escolar.

Uma situação ainda mais preocupante foi constatada na Escola Municipal Elysio Athayde, localizada no bairro de Cajazeiras. Lá, a mãe de uma aluna de oito anos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) diz que encontra, há mais de um ano, dificuldades para ter acesso a um professor de apoio especializado para alunos com deficiência.

“Eu já solicitei na Secretaria de Educação há cerca de um ano, mas até hoje não tive uma resposta. Com isso, minha filha acaba sofrendo as consequências. Eu sinto que ela tem uma maior dificuldade e, por isso, tem o aprendizado comprometido”, conta a mãe da aluna, que é interrompida por outra responsável que vê a equipe de reportagem no local.

“E não é só isso, não”, inicia a mulher, que parece aproveitar a oportunidade para desabafar sobre os inúmeros problemas da instituição de ensino. “Toda semana praticamente meu filho volta mais cedo pra casa porque não tem professor suficiente. É uma escola em tempo integral só no nome”, afirma ela, que ainda reclama pelo fato de só ter recebido o uniforme do filho quase quatro meses após o início das aulas.

A alguns quilômetros dali, está localizada a Escola Municipal Professora Hilda Fortuna de Castro, em Castelo Branco. Por lá, pais e responsáveis garantem que não há problema algum no que se refere ao funcionamento da instituição, que teria uma educação de qualidade e profissionais comprometidos e suficientes para o andamento do calendário escolar. O entorno, no entanto, parece ser o maior dos problemas dali.

A vegetação alta, o acúmulo de lixo ao ar livre, estradas cheias de buracos e a falta de infraestrutura nas ruas são as principais queixas. Basta dar alguns passos para perceber o quão calamitosa é a situação. Na esquina próxima à escola, montanhas de resíduos contribuem para o mau cheiro que permeia o ambiente. Entre sacolas e sacos de lixo, poças de água parada e excrementos de animais se tornam focos de doenças. 

O mais incrível de tudo é que, recentemente, o local passou por uma intervenção da prefeitura de Salvador, conforme moradores locais. “A prefeitura teve aqui, fez essa praça aqui do lado, você vê que está novinha [...] dois metros depois, do outro lado da rua, tem toda essa porcaria aqui”.

“Já teve dia em que a água acumulou tanta água por conta das fortes chuvas que eu tive que trazer minha filha com a água batendo acima do meu calcanhar. Um risco não só para mim, mas também para as crianças que moram e estudam aqui”, ressalta outra moradora.

Para Sílvia Santana, a falta de infraestrutura, a deficiência na formação de professores, os problemas com recursos financeiros e também na adaptação curricular são os principais desafios na educação em tempo integral em Salvador. 

Ainda na opinião da especialista, todos esses aspectos têm um alto impacto negativo e comprometem o progresso das crianças matriculadas nessas escolas.

Sem respostas

O Farol da Bahia buscou ouvir a Prefeitura Municipal de Salvador por meio das secretarias de Comunicação (SECOM) e Educação (SMED). No entanto, não obteve respostas sobre os problemas aqui citados até o fechamento desta reportagem.

Fotos: Farol da Bahia

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