‘Ficamos nos perguntando quem será o próximo’, desabafa liderança quilombola da BA após assassinato de Arlindo Firmino
Arlindo foi morto a tiros na porta de casa, no Quilombo Tamboril, localizado no sudoeste do estado
Foto: Reprodução
Na última terça-feira (8), o líder do Quilombo Tamboril, Arlindo Firmino de Brito, de 60 anos, foi morto a tiros na porta de casa, em Condeúba, no sudoeste da Bahia. Para Nelson Nunes, líder quilombola da região e amigo de Arlindo, além do luto, o sentimento que impera é o medo.
“Ficamos nos perguntando quem será o próximo. É uma sensação de impunidade, de fragilidade que nós sentimos”, desabafou Nelson Quilombola, como é mais conhecido, em entrevista ao Farol da Bahia, nesta terça-feira (15).
Segundo uma fonte ligada ao caso, a principal linha de investigação é de que a morte de Arlindo tenha sido motivada por vingança, após ele denunciar o comércio de drogas em uma residência onde morava uma criança.
Nelson Nunes é natural do Quilombo Jericó, localizado em Wenceslau Guimarães, no baixo-sul da Bahia, e atualmente morador de Vitória da Conquista, na mesma região onde Arlindo Firmino morava.
Cofundador do Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas do Estado da Bahia, órgão vinculado à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Nelson revelou que a atuação do tráfico de drogas nas comunidades tradicionais baianas tem crescido.
“Dentro dos quilombos está forte o tráfico de drogas e não tem policiamento. Não tem nem viatura para andar nos quilombos. Não podemos fazer denúncia porque ficamos ameaçados. Eu mesmo não posso voltar do quilombo de noite, tenho que sair quando ainda está claro, ou ir para dormir, por medo de assaltos”, relatou.
O Farol da Bahia entrou em contato com a Polícia Militar do estado para saber a respeito da realização de rondas nas comunidades quilombolas e aguarda retorno.
Conforme o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Bahia é o estado com maior número de quilombolas no Brasil, com 397.502 pessoas. Dessas, pouco mais de 5% vivem em territórios quilombolas demarcados.
Em agosto de 2023, há pouco mais de um ano, a ialorixá e líder da comunidade Pitanga dos Palmares, Mãe Bernadete foi assassinada a tiros na sede da associação quilombola, na Bahia, seis anos após a morte de um de seus filhos, Fábio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, em 2017.
A Polícia Civil concluiu que Mãe Bernadete foi morta a mando de um líder do tráfico de drogas. Ao todo, seis pessoas foram indiciadas pelo crime, sendo cinco pelo assassinato, e uma sexta por posse ilegal de arma, segundo o Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Conforme a Conaq, cinco mulheres quilombolas foram mortas no Brasil desde o assassinato de Mãe Bernadete. Mais da metade (60%) dessas vítimas exerciam papel de destaque ou eram alguma liderança na cidade em que viviam. 20% dos assassinatos ocorreram em um contexto de conflito por posse de terra.
Morte de Arlindo Firmino
O suspeito de matar Arlindo foi identificado como Wilson Pereira Pardinho e está foragido. Ele tem diversas passagens pela polícia pelos crimes de tráfico e contra o patrimônio, além de ter sido condenado a cinco anos e nove meses por furto, em Cuiabá.
Segundo as investigações, Arlindo era agente comunitário na área de saúde e realizava o acompanhamento de uma familiar de Wilson. Em uma das visitas ao imóvel, a vítima descobriu que o local era utilizado como ponto de drogas na presença da filha da paciente, uma criança que não teve a idade revelada.
Em 2023, o líder quilombola realizou uma notícia-crime no Conselho Tutelar denunciando o tráfico. As investigações apontam ainda que na semana anterior ao crime, a vítima teria discutido com o suspeito em um bar na comunidade.
Arlindo deixa esposa, seis filhos e um neto. Nelson Nunes descreveu o amigo como uma pessoa calma e ativa na defesa do povo do Quilombo Tamboril. “Ele era muito tranquilo, tinha um envolvimento total na comunidade, não tinha uma pessoa que falasse mal de Arlindo. A gente pede que a justiça seja feita”.
Em nota, a Conaq definiu o crime como “covarde”, e cobrou uma investigação prudente das autoridades. "Há anos presenciamos um longo histórico de violência e brutalidade para com os quilombolas. Representa uma perda irreparável não só para sua comunidade, mas para todos que estão aguerridos dia e noite para assegurar o cumprimento das políticas mais básicas para seus quilombos”.