Salvador

Filhos de Gandhy comemoram 75 anos de tradição na Bahia

Conheça a história do tapete branco que toma as ruas de Salvador no Carnaval

Por Laiz Menezes
Ás

Filhos de Gandhy comemoram 75 anos de tradição na Bahia

Foto: Arthur Garcia/Agecom

“Não é miragem, venha ver como é que é, um povo livre, cultuando sua fé”. Simples trechos de músicas dos Filhos de Gandhy já contam a história do maior afoxé do Brasil. Muito ligadas ao candomblé, as composições do grupo são comandadas pelo Ijexá, ritmo oriundo da Nigéria e que chegou ao Brasil a partir do processo de escravização. Atabaque, agogô, xequerê, cabaça e reco-reco são os principais instrumentos que garantem o som durante os desfiles de Carnaval. 

Na maior festa de rua do mundo, os Filhos de Gandhy desfilam desde 1949, quando o afoxé foi criado por estivadores do porto de Salvador. Nos primeiros anos, o grupo cantava marchinhas, até se dedicar especialmente ao ijexá. Depois dos 25 anos, só não saíram no Carnaval nos anos de 1974 e 1975, devido a problemas financeiros. 

São quase 75 anos de história e, quando estão nas ruas, os Filhos de Gandhy dominam, tanto é que adquiriram um apelido. Durante muitos anos, os participantes desfilavam vestidos de branco, em referência aos orixás Oxalá e Ogum. A grande quantidade de integrantes formava o que se chamou de “tapete branco”. Depois, o afoxé inseriu, também, a cor azul na fantasia. 

E a relação com a religiosidade vai além das roupas. Segundo Eldon Neves, museólogo, pesquisador e idealizador da Odu Imersão Cultural, o Filhos de Gandhy é um afoxé que representa a expressão do candomblé nas ruas, incorporando rituais, vestimentas, adereços, danças e cânticos da tradição religiosa afro-brasileira.

“Na época de sua criação, em 1949, a Constituição de 1946 havia garantido a liberdade de culto por meio de uma emenda proposta por Jorge Amado, escritor e então deputado federal. Levar o candomblé para as ruas era inovador, e o Gandhy surgiu como uma manifestação desse movimento”, destacou o especialista. 


Jailton Suzart/Gilmar Castro/Francisco Carlos/Agecom

O afoxé afirma que tem a missão de, por meio do entretenimento, pregar a paz e abrigar em seu ambiente, pessoas de todos os credos, condições sociais e raças. “Ao completar 75 anos, o afoxé Filhos de Gandhy continua a reafirmar sua religiosidade e princípios de igualdade, paz e não violência. Busca ser um espaço de diversidade no Carnaval, acolhendo praticantes de diferentes religiões, mesmo mantendo suas raízes no Candomblé, com suas guias azuis e brancas em homenagem a Oxalá e Ogum”, ressaltou Eldon Alves. 

Quem desfila todos os anos com os Filhos de Gandhy já sabe a beleza e grandiosidade que o afoxé tem. É o caso do servidor público Fred Silva, de 32 anos: "meu primeiro desfile nos Filhos de Gandhy foi em 2010. O interesse pelo afoxé surgiu a partir do momento que comecei a curtir o carnaval de Salvador e vi o desfile do bloco Filhos de Gandhy saindo do Pelourinho. Me chamou a atenção a representatividade e potência do tapete branco desfilando na Avenida. O Afoxé Filhos de Gandhy e os blocos de matrizes africanas representam a identidade cultural do povo baiano". 

História 

O afoxé Filhos de Gandhy, fundado em 1949, acumulou feitos notáveis ao longo dos anos. Eldon Alves detalha que quando se tornou um afoxé, o grupo inovou ao incorporar músicas afro e admitir trabalhadores de diversas classes,  o que ampliou a representatividade cultural.

Depois disso, o ano de 1953 foi marcado por inovações, como lanceiros e fuzileiros responsáveis pela fiscalização durante os desfiles, além da introdução de novos elementos como o camelo maior e o elefante.

Claro, a resiliência também é destaque na história dos Filhos de Gandhy. "Enfrentando desafios financeiros, os Filhos de Gandhy interromperam seus desfiles no Carnaval em 1974 e 1975. No entanto, a luta do grupo levou ao retorno em 1976", destacou o museólogo. 


Bruno Concha | Secom | PMS

"A atração de artistas renomados, como Gilberto Gil e Jorge Amado, em 1976, destacou a relevância cultural e artística dos Filhos de Gandhy. A decisão de desfilar com turbante azul-marinho em 2006 gerou polêmica e reflexão, evidenciando a capacidade do afoxé de se adaptar e inovar", pontua Eldon Alves. 

O afoxé também expandiu os projetos sociais ao longo da história. A sede foi transferida para a Rua Gregório de Matos em 1983, o que marcou um crescimento significativo. "Além disso, a criação do Projeto Gandhy Erê (1996) e do Centro Cultural Gandhy Mirim (1999) demonstram o comprometimento social e educativo do grupo", continuou o especialista.

"Esses feitos consolidaram os Filhos de Gandhy como uma instituição cultural e social de grande relevância, conectando tradição e inovação ao longo de sua rica história", finalizou. 

Carnaval

O Carnaval de 2024 marca o 75º aniversário da história dos Filhos de Gandhy, que celebra com a Boda de Brilhantes com o tema "Gandhy 75 Anos - Beleza Pura. Uma Homenagem a Caetano Veloso". Com a temática, o Afoxé presta homenagem à genialidade musical do cantor e à influência marcante do movimento tropicalista na arte brasileira. "A celebração incluirá o resgate das roupas icônicas da época, os famosos "parangolés", símbolos da liberdade e expressão artística do vibrante período cultural brasileiro", declarou o grupo em nota publicada. 

No desfile do Afoxé, sempre são utilizadas algumas alegorias que relembram o sentimento de Mahatma Gandhi, líder espiritual e pacifista indiano que inspirou o nome do grupo, com uma filosofia de não violência e paz..

O elefante usado no desfile representa o símbolo da força que Gandhi teve para não curvar-se diante do poder inglês; o camelo é o símbolo da resistência que manteve fiel aos ideais de liberdade mesmo quando preso; a cabra, símbolo da vida, porque através do leite pode recuperar as forças e continuar a peregrinação em favor da liberdade do povo indiano.

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