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Bahia

Governo promete fábrica de sapatos e entrega presídio no quilombo liderado por Mãe Bernadete 

Após um mês do assassinato da ialorixá, motivação do crime segue desconhecida 

Por Laiz Menezes
Ás

Governo promete fábrica de sapatos e entrega presídio no quilombo liderado por Mãe Bernadete 

Foto: Divulgação/Conaq

Há um mês, a Bahia registrou a 11ª morte de uma liderança quilombola no intervalo de 10 anos. Mãe Bernadete, até então líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, foi assassinada no dia 17 de agosto, dentro da própria casa, com mais de 20 tiros, sendo 12 no rosto. A ialorixá lutava pela titulação dos 854,2 hectares do território. Em 2007, no entanto, dentro da comunidade, foi instalado um presídio, com capacidade para 250 presos. A Colônia Penal de Simões Filho, inicialmente, foi apresentada para a população pelo Governo do Estado como uma fábrica de sapatos. Os moradores da região alegam que a instalação do equipamento levou o tráfico e a disputa entre facções para a localidade.  

Desde 2013, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) registrou 30 execuções de quilombolas no Brasil. A maioria das vítimas era liderança e grande parte dos assassinatos aconteceram dentro dos quilombos e com uso de armas de fogo, sem que as vítimas tivessem chance de defesa. A Bahia lidera os estados do país com o maior número de assassinatos. 

De acordo com Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e divulgado em Diário Oficial em 20 de novembro de 2017, 289 famílias constituem o Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Apesar disso, atualmente mais de 400 pessoas vivem no local, segundo informação do advogado da família de Mãe Bernadete, David Mendez. 

Mãe Bernadete vinha lutando há muitos anos pelo Quilombo de Pitanga dos Palmares. No território, a população enfrenta a insegurança, desmatamento, poluição dos canais hídricos e precarização das condições de vida. A mãe de santo foi incluída no programa de proteção do Governo da Bahia em 2017, após o assassinato do seu filho, Binho dos Palmares, também liderança quilombola. As ameaças enfrentadas por ela envolviam sua luta pela titulação do território e pela cobrança por justiça frente a morte de Binho. 

Alguns dias depois da morte da ialorixá, o governador Jerônimo Rodrigues afirmou que a Polícia Civil trabalhava com três teses para o assassinato de Bernadete Pacífico. Além das hipóteses de briga por território e intolerância religiosa, a mais destacada seria a de disputa de facções criminosas. 

David Mendez contesta a afirmação do gestor estadual. “Essa fala lamentável do governador atribuindo de maneira temerária e leviana a responsabilidade pelo assassinato brutal de dona Bernadete a facções criminosas e ao tráfico de drogas nada mais é do que a materialização do chamado racismo e do chamado racismo institucional”, pontuou o profissional.  

Mendez ressalta que se há tráfico e facções criminosas no território, a responsabilidade é direta do governo. Segundo ele, a insegurança foi levada para a comunidade a partir da instalação do presídio na comunidade. 

“Por mais absurdo que pareça, o governo estadual, à época da construção do presídio, promoveu uma série de encontros e audiências públicas na comunidade informando a instalação de uma fábrica de sapatos no local, prometendo desenvolvimento e geração de empregos para os quilombolas da região. Todavia, no lugar da fábrica de sapatos, entregou um presídio no seio da comunidade quilombola”, completou. 

Segundo Mendez, a instalação da fábrica de sapatos foi discutida dentro da comunidade, vendida como uma boa oportunidade para os quilombolas, que poderiam trabalhar na unidade. “Evidentemente que a comunidade, dado o baixíssimo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e as condições de miserabilidade, de pobreza, de falta de perspectiva, além do desemprego e analfabetismo, aprovou entusiasticamente a instalação dessa suposta fábrica de sapatos. Todavia, ao final da construção, o governo entregou uma unidade prisional. Isso é um descalabro perverso, um absurdo inominável, é algo pusilânime”, acusou o advogado. 

De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), a Colônia Penal de Simões Filho é destinada ao recolhimento de presos do sexo masculino, condenados ao cumprimento de pena em regime semiaberto. Procurada, a pasta não respondeu quantos detentos estão na unidade atualmente. 

O Governo do Estado da Bahia também foi procurado para um posicionamento sobre o presídio ter sido instalado no lugar de uma fábrica de sapatos, mas não deu retorno.

Segurança de Mãe Bernadete 

Wagner Moreira, coordenador do Instituto Ideas, entidade responsável pela segurança da ialorixá e vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), afirmou que a falha nas câmeras de monitoramento do Quilombo Pitanga dos Palmares está ligada à falta de verba destinada ao Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos na Bahia (PPDDH-BA), destinados a pessoas ameaçadas por causa de suas ações comunitárias. 

Ao Uol, o coordenador reconheceu que três câmeras das sete que estavam no quilombo não funcionavam. “Essa falha se deve também ao pouco recurso disponível para esse tipo de estratégia de segurança", alegou. 

Uma câmera de segurança usada no quilombo tem um custo médio de R$ 150 e o orçamento total do programa, por um ano, é de R$ 1.081.095,74. Do valor total do termo de colaboração atual do PPDDH-BA, cerca de 53% do recurso vem do Governo Federal e 47% é investimento do Governo Estadual. 

Segundo a entidade, câmeras só são instaladas em casos excepcionais, diante da análise de risco. “Como o Quilombo já tinha câmeras instaladas por outra equipe técnica, a prioridade de uso do recurso foi instalar câmeras em outras comunidades que estavam sob grande ameaça e ainda não tinham nenhum equipamento do tipo”, disse o instituto por meio de nota. 

Segundo a entidade, as câmeras de vigilância foram instaladas em 2021, pela equipe técnica que gestou o PPDDH antes do Ideas Assessoria Popular. O modelo do equipamento também foi escolhido por esta equipe. 

“Ao implementar as câmeras de vigilância, a equipe técnica responsável dialoga com o defensor para entender a melhor estratégia a ser utilizada. A conexão a uma central de monitoramento vinculada a órgãos da segurança pública só é realizada quando os defensores do território entendem que essa estratégia é a mais adequada, visto que em alguns casos agentes de segurança figuram enquanto os ameaçadores”, completou.

Titulação

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pelo processo de titulação de terras, informou que no dia 23 de agosto foi publicado o edital de notificação dos 44 ocupantes inseridos no Território Quilombola Pitanga de Palmares, com um prazo de 90 dias para contestação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), com apresentação das provas pertinentes. Ou seja, o morador notificado precisa comprovar que está autorizado a viver dentro do quilombo. 

Foto: Casa de Mãe Bernadete do Quilombo Pitanga dos Palmares (Reprodução/Google Street View)

Ao fim do processo de notificação e analisadas as contestações, o processo de titulação é encaminhado para a publicação da Portaria de Reconhecimento do Incra, contendo a definição dos limites finais do território.

Quando há imóveis privados localizados dentro do perímetro do território reconhecido, o Incra solicita a publicação de decreto, expedido pelo presidente da República, autorizando a desapropriação por interesse social. Caso sejam identificadas áreas públicas distritais, estaduais ou municipais, o Incra notifica o respectivo ente público para que este promova a regularização e titulação das terras em seu domínio. No caso  das áreas federais, a titulação é efetuada pelo Incra ou pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), conforme domínio da terra.

Depois, o instituto deve fazer uma avaliação dos imóveis, para, posteriormente, ingressar com ação judicial de desapropriação, de acordo com disponibilidade orçamentária para a indenização do proprietário, que receberá em dinheiro, conforme valor de mercado. Após a conclusão do processo de desapropriação – que compete ao Poder Judiciário – e a transferência do domínio da terra para o Incra, o instituto poderá emitir documento de titulação. 

O título expedido pelo Incra será sempre coletivo e em nome da associação legalmente constituída para representar a comunidade. O documento não prescreve com o tempo e é sem encargos financeiros para as famílias. A área titulada não pode ser dividida, vendida e nem penhorada.

As etapas do processo de regularização dos territórios quilombolas realizadas pelo Incra estão resumidas no seguinte quadro: 

Investigação do caso

Três homens foram presos na Bahia por participação na morte da líder quilombola Mãe Bernadete. O secretário de Segurança Pública do estado, Marcelo Werner, informou que cada um dos presos teve uma função diferente no crime. O primeiro é suspeito de ser uma dos executores, o segundo foi detido por guardar as armas do crime e por porte ilegal de arma de fogo, e o terceiro foi preso por receptação dos celulares da líder quilombola e de familiares, roubados durante o homicídio.

"A gente não vai deixar passar nenhum tipo de delito, de qualquer natureza, em especial os do tipo de homicídio, inclusive esse, de grande repercussão. A gente faz questão de dar esse panorama para que se evite qualquer tipo de tese porque a gente quer chegar na solução dos fatos", destacou o secretário durante coletiva no início deste mês. 

Segundo a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito, apesar das novas atualizações, as investigações continuam para descobrir se há detalhes sobre a participação de mais envolvidos. 

Procurada nesta semana, a Polícia Civil informou que não há atualizações a serem divulgadas sobre o caso e que detalhes seguem em sigilo para preservar as apurações.

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