Governo Trump deixa vazar segredos militares dos EUA a jornalista da revista Atlantic
Conversas discutiam a decisão e as ações orquestradas em uma ofensiva contra os houthis, no Iêmen

O editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, publicou nesta segunda-feira (24) um texto em que relata um vazamento, mais tarde admitido pela Casa Branca, de informações confidenciais do governo dos Estados Unidos. As conversas, em que o jornalista teria sido incluído acidentalmente, discutiam a decisão e as ações orquestradas em uma ofensiva contra os houthis, no Iêmen.
No texto publicado pelo veículo, Goldberg descreve um grupo de comunicação inapropriado -e possivelmente ilegal- de autoridades do governo americano, como o vice-presidente, J. D. Vance, e o secretário de Defesa, Pete Hegseth.
O texto remonta como o editor foi adicionado ao "Houthi PC small group" (pequeno grupo Houthi PC) no aplicativo Signal -um serviço de mensagens comumente utilizado por jornalistas e políticos devido a seu alto nível de segurança- onde altos funcionários debateram e decidiram sobre a operação.
Inicialmente cético quanto à veracidade das mensagens, o jornalista percebeu sua gravidade à medida que os planos ali descritos, supostamente ultrassecretos, começaram a se concretizar.
Segundo Goldberg, as mensagens continham coordenadas, horários de ataque e discussões estratégicas que posteriormente foram confirmadas quando os bombardeios de fato ocorreram.
O texto da Atlantic relata cronologicamente desde o convite de conexão enviado por um usuário denominado Michael Waltz -conselheiro de segurança nacional dos EUA-, até o momento em que o jornalista decide sair do grupo.
Nas trocas de mensagens, segundo Goldberg, estão envolvidos perfis com nomes de pelo menos 18 pessoas. Além do nome do vice-presidente, o jornalista identificou usuários com perfis de Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio; Susie Wiles, chefe de gabinete da Casa Branca; e alguém identificado apenas como SM, que, pelo contexto, Goldberg entendeu ser Stephen Miller, conselheiro de segurança interna.
Algumas das informações compartilhadas no grupo foram ocultadas pelo jornalista já que, segundo ele, "se tivessem sido lidas por um adversário dos EUA, poderiam ter sido usadas para prejudicar o pessoal militar e de inteligência americano".
Em algumas das mensagens reproduzidas pelo texto, o perfil nomeado como o vice-presidente americano demonstra um possível desalinhamento com o presidente Donald Trump: "Não tenho certeza se o presidente está ciente de quão inconsistente isso é com sua mensagem sobre a Europa agora", escreveu ao se referir às operações militares no canal marítimo de Suez.
Nesta segunda, durante entrevista coletiva, Trump afirmou não saber sobre o caso. "Não sou muito fã da The Atlantic, para mim é uma revista que está saindo do mercado", disse. "Ela [a história] não pode ter sido muito efetiva. Porque o ataque [aos houthis] foi muito efetivo, eu posso te dizer isso", afirmou. "Você está me contando sobre ela pela primeira vez".
Todas as contas presentes no grupo tinham nome ou iniciais de líderes do governo. O perfil em nome de Pete Hegseth, secretário de Defesa, foi o que compartilhou informações sobre os ataques de 15 de março algumas horas antes deste efetivamente acontecer. Segundo Goldberg, "o plano incluía informações precisas sobre pacotes de armas, alvos e tempo".
Nesta segunda, Hegseth negou compartilhar planos de guerra no grupo de mensagens e, como o chefe, voltou o ataque contra a imprensa. "Então, você está falando de um chamado jornalista enganoso e altamente desacreditado, que fez uma profissão de espalhar farsas", disse a repórteres durante uma viagem ao Havaí. "Ninguém estava enviando planos de guerra, e é só isso que tenho a dizer".
O texto enumera um rol de questões inapropriadas deste suposto sistema: do vazamento de informações -se todos os perfis forem comprovadamente de quem demonstram ser- à possível violação da lei federal de registros -uma vez que o perfil de Waltz usou configurações que excluiriam mensagens após um dia ou uma semana, o que pode configurar apagamento de registros que, em tese, devem ser preservados.
Após deixar o grupo, o jornalista escreveu a diversos dos funcionários que supostamente estariam no grupo questionando a veracidade do sistema. Segundo Goldberg, o porta-voz do Conselho Nacional de Segurança, Brian Hughes, respondeu: "Esta parece ser uma cadeia de mensagens autêntica, e estamos revisando como um número inadvertido foi adicionado à cadeia".
Além de Hughes, um porta-voz de Vance, William Martin, respondeu ao jornalista que, apesar da impressão criada pelos textos, o vice está totalmente alinhado com Trump. Segundo ele, "o vice-presidente Vance apoia inequivocamente a política externa desta administração. O presidente e o vice-presidente tiveram conversas subsequentes sobre este assunto e estão em total acordo".
Goldberg reiterou que, durante todo o tempo em que esteve no grupo, ficou evidente a ciência de todos em relação à necessidade de sigilo e segurança das operações em voga. No texto enviado pelo perfil Pete Hegseth detalhando a operação, a mensagem incluía "estamos atualmente limpos em OPSEC" -fazendo referência a um conjunto de práticas de proteção de informações confidenciais.
Após a publicação da Atlantic, personalidades políticas expressaram repúdio ao vazamento. A ex-secretária de Estado Hillary Clinton publicou, em seu perfil no X, um link para o artigo junto com um emoji de olho e escreveu: "Você só pode estar brincando comigo".
O comentário de Hillary, que disputou a Presidência contra Trump nas eleições de 2016, é marcado pelo tom de ironia, uma vez que o republicano, durante a campanha, declarou repetidamente que ela deveria ser presa por ter usado, segundo ele, um servidor de email privado para negociações oficiais enquanto compunha o governo de Barack Obama, de 2009 a 2013.
Além dela, membros do Congresso também repercutiram o caso. "Esta é uma violação escandalosa da segurança nacional e cabeças devem rolar", disse o deputado democrata Chris Deluzio, membro do Comitê de Serviços Armados, em uma declaração ao site de notícias Axios. A deputada democrata Sara Jacobs, da Califórnia, também declarou: "Não podemos atribuir isso a um simples erro. As pessoas deveriam ser demitidas por isso".
Do lado republicano, o deputado Don Bacon, também membro do Comitê de Serviços Armados e ex-general da Força Aérea, afirmou: "Acidentalmente enviei uma mensagem de texto para a pessoa errada. Todos nós já fizemos isso." Mas, ele acrescentou: "a ação inconcebível foi enviar essas informações por redes não seguras". Para ele, "nada disso deveria ter sido enviado em sistemas não seguros. Rússia e China certamente estão monitorando seu telefone não sigiloso".