Homofobia no futebol: 70% dos times da Série A não usam camisa 24
Apenas seis dos 20 times que jogam o Brasileirão neste ano têm um camisa 24 no elenco

Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia
A fala homofóbica de Abel Braga em sua apresentação no Internacional voltou a chamar a atenção para o preconceito no futebol brasileiro. Associado ao animal veado no jogo do bicho, o número 24 não é usado em 70% dos times que jogam a Série A deste ano.
NÚMERO PROIBIDO?
Apenas seis dos 20 times que jogam o Brasileirão neste ano têm um camisa 24 no elenco – e todos são goleiros. São eles: Aranha [Palmeiras], Fernando Costa [Bragantino], Gustavo Felix [Fluminense], Leo Linck [Botafogo], Anthoni [Internacional] e Thiago Beltrame [Grêmio]. Deles, apenas o botafoguense é titular.
Os outros 14 clubes da elite nacional não têm a camisa 24 utilizada neste momento. Corinthians, São Paulo, Santos, Mirassol, Flamengo, Vasco, Atlético-MG, Cruzeiro, Juventude, Bahia, Vitória, Sport, Ceará e Fortaleza estão nesta lista.
"Há ainda algumas disputas, mas eu acho que é um espaço hegemonicamente masculinista, onde debates mais aprofundados acerca de questões de gênero, possibilidade de convivência, debates ligados à sexualidade são muito fechados e restritivos. Não acho que seja só uma questão dos vestiários dos clubes, mas também é das confederações e do entorno futebolístico", disse Mauricio Rodrigues, historiador e doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP).
O número já causou polêmica na seleção brasileira. Em 2021, o Brasil foi a única seleção a não ter um camisa 24 no elenco para a disputa da Copa América. Naquela ocasião, Ederson foi o 23 e houve um salto para Douglas Luiz, que ficou com a 25 -24 jogadores foram convocados.
A CBF chegou a ser interpelada judicialmente pelo grupo Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT por não ter utilizado o número 24. A ação terminou sem maiores consequência, e a entidade se defendeu dizendo que o número 25 era mais adequado para um volante.
O Corinthians também teve uma polêmica. Acostumado a usar o 24 no Junior Barranquilla, o meia Victor Cantillo foi anunciado com a camisa 8 no Timão -o clube alegou ser uma homenagem a Freddy Rincón, ídolo colombiano. Na apresentação do atleta, o então diretor Duílio Monteiro Alves, disparou: "24? Aqui não". Depois, ele se desculpou nas redes sociais, e o jogador apareceu usando o número dali em diante.
"Reconhecer e aceitar o 24 como número qualquer a ser utilizado em uma camisa de um jogador mostra o quanto ainda temos de avançar no tema da diversidade sexual, do respeito, do combate ao preconceito à comunidade LGBTQIA+ no futebol".
"Há três anos, entramos com uma ação contra a CBF por causa da questão do número, depois chegamos a um acordo para que pudesse haver mudanças nos regulamentos, e também nessa prática de tratar o número 24 como associado à comunidade. Essa dificuldade e rejeição mostram que é necessário que o futebol e a Justiça desportiva debatam a necessidade de ter ações afirmativas frente ao preconceito", disse Claudio Nascimento, coordenador executivo do Grupo Arco-Íris.
FALA DE ABEL BRAGA
De volta ao Inter, o técnico Abel Braga teve uma fala homofóbica durante a entrevista de apresentação. O treinador comentava o fato de o elenco treinar com uma camisa rosa quando deu a declaração.
"Fiz uma brincadeira, no fim ele deu esporro em todo mundo. Eu não quero a porra do meu time usando camisa rosa, parece time de viado. Ele já falou, 'Não falei que tinha que tirar essa camisa aí?'", disse Abel Braga, técnico do Inter, em coletiva de apresentação.
O treinador publicou uma mensagem pedindo desculpas nas redes sociais. Segundo ele, a "colocação sobre a cor rosa" não foi boa e "cores não definem gêneros".
"Colorados e coloradas, em primeiro lugar, reconheço que não fiz uma colocação boa sobre a cor rosa durante a minha coletiva. Antes que isso se prolifere, peço desculpas. Cores não definem gêneros. O que define é caráter. O Internacional precisa de paz e muito trabalho. Vamo, vamo Inter!", disse Abel Braga, em seu Instagram.
A declaração repercutiu. Grupos LGBT afirmaram que vão acionar o STJD contra Abel Braga. Internamente no Inter, a fala também não pegou bem e foi considerada desnecessária, ainda que alguns tenham relevado o assunto. O clube luta contra o rebaixamento e trouxe o treinador justamente para "blindar" o elenco em um momento decisivo.
É muito estarrecedor saber que no futebol brasileiro ainda se encontra muita dificuldade para se pensar e atuar numa perspectiva do respeito às diferenças e à sexualidade das pessoas. Essa declaração do Abel Braga é muito chocante porque ainda associa a ideia de masculinidade, a ideia de ser homem, à cor de roupa. Uma ideia antiquada que precisamos, cada vez, mais discutir.
"Não é possível ainda um líder, um dirigente, um treinador, falar coisas absurdas e isso passe despercebido. O Grupo Arco-Íris estará sempre atento e acompanhando esse processo civilizatório no futebol, porque o que vivemos ainda são espaços inseguros, não acolhedores. Temos o direito de frequentar todos os espaços, o direito de ser torcedor, ser jogador... Não é aceitável que dirigentes, treinadores, líderes de times e de federações permaneçam achando que é normal agredir e ofender pessoas homossexuais", disse Claudio Nascimento.


