Interromper o uso de semaglutida no início da gestação levou a maior ganho de peso, diz estudo
Em média, as gestantes que pararam de utilizar Ozempic, Wegovy ou Saxenda tiveram um ganho de peso de 13,7 kg

Foto: Imagem ilustrativa | Pexels
ANA BOTTALLO
Pacientes que interromperam o uso das drogas semaglutida ou liraglutida logo antes de engravidar ou nas primeiras semanas após a gestação apresentaram maior ganho de peso médio na gravidez quando comparadas àquelas que não faziam uso dos medicamentos.
Em média, as gestantes que pararam de utilizar Ozempic, Wegovy ou Saxenda tiveram um ganho de peso de 13,7 kg, cerca de 3 kg a mais do que as gestantes que não os utilizavam antes, cujo ganho de peso médio foi de 10,5 kg.
Além disso, houve também um risco aumentado para parto prematuro, desenvolvimento de diabetes gestacional e hipertensão na gravidez após descontinuar o tratamento com as moléculas, conhecidas como agonistas do receptor GLP-1 (GLP1-RAs, na sigla em inglês).
Não houve diferença significativa no tamanho dos bebês por idade gestacional no grupo onde foi feita a interrupção do tratamento em relação ao controle, embora o peso ao nascer médio tenha sido maior também nas pacientes que usavam GLP1-RAs antes da gestação.
Os dados são de um estudo com milhares de mulheres nos Estados Unidos coordenado por Jacqueline Maya, do departamento de Pediatria, e Camille Powe, do Centro de Pesquisa em Diabetes do Hospital Geral do Massachusetts, publicado nesta segunda-feira (24) no periódico especializado Jama (Journal of the American Medical Association).
Existem poucos dados sobre os efeitos do uso das chamadas canetas emagrecedoras, como Wegovy (semaglutida 2,4 mg, indicada para o tratamento de obesidade), Ozempic (semaglutida 1 mg, cujo uso é recomendado para tratamento de diabetes tipo 2), Saxenda (liraglutida 6 mg, indicada para obesidade) e Mounjaro (tirzepatida 10 mg, aprovada tanto para tratamento de obesidade quanto diabetes tipo 2) no desenvolvimento fetal.
Estudos pré-clínicos com animais em laboratório mostram um efeito tóxico das moléculas nos embriões, com algumas deformações congênitas nos fetos de camundongos. No entanto, dados em seres humanos são escassos e se baseiam em estudos na vida real do uso das moléculas. A recomendação médica corrente é a suspensão do tratamento para evitar possíveis riscos ao feto.
A pesquisa analisou registros médicos de gestantes da rede Mass General Brigham, que inclui o Hospital Brigham para Mulheres e o Hospital Geral de Massachusetts, em Boston (EUA), de 1º de junho de 2016 a 31 de março de 2025.
A análise foi dividida em três grupos: 1) uma de ganho de peso na gestação; 2) uma de tamanho do feto por idade gestacional; e 3) uma que avaliou a ocorrência de complicações na gravidez, como diabetes gestacional, pré-eclâmpsia (hipertensão) e risco de prematuridade. Todas as análises foram ajustadas para idade da gestante, condições pré-existentes e etnia.
No grupo de ganho de peso na gestação, 448 gestantes usuárias de Wegovy, Ozempic e outras drogas antes de engravidar foram comparadas com 1.344 gestantes que não faziam uso destas substâncias. O risco de excesso de peso na gravidez foi 32% maior entre as que tinham histórico de tratamento.
Em relação ao tamanho do bebê ao nascer, foram avaliadas 442 gestantes no grupo exposto ao medicamento antes da gravidez em comparação com 1.326 mulheres não expostas. Como resultado, o percentil médio de tamanho dos bebês por idade gestacional foi 3,6% maior no grupo tratado em relação ao não tratado.
Por fim, a análise de complicações na gestação apontou um risco 34% maior de nascimento prematuro, 30% para diabetes gestacional e 29% para problemas de hipertensão nas gestantes expostas às drogas antes da gravidez. Cerca de 23% das participantes tinham condição prévia de diabetes e o IMC (índice de massa corpóreo) médio era de 36,1 (considerado para diagnóstico de obesidade igual ou acima de 27), contra 26,9 nas mulheres que não indicaram o tratamento com as canetas emagrecedoras.
As autoras concluem que os dados sobre os riscos de descontinuar o tratamento destas drogas na gestação são escassos, mas que os resultados da pesquisa apontam que, pelo menos em mulheres com condição prévia de obesidade, descontinuar o tratamento antes ou no início da gravidez foi associado ao maior ganho de peso gestacional e maior risco de parto prematuro, diabetes e problemas relacionados à hipertensão (como pré-eclâmpsia) na gravidez.
AUMENTO DE PRESCRIÇÕES PÓS-PARTO
Outro estudo, também publicado nesta segunda (24) na Jama, indicou um aumento significativo do uso de canetas emagrecedoras em mulheres no pós-parto (até 182 dias após o parto) na Dinamarca. A partir do Registro Médico de Nascimentos nacional, pesquisadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Sul da Dinamarca observaram aumento no uso das drogas Ozempic e Wegovy em puérperas a partir de 2021.
De acordo com a pesquisa, entre 2018 e 2022 havia uma divisão entre as usuárias de liraglutida (33%, sendo a principal Saxenda) e de semaglutida (67%, sendo 36% usuárias de Ozempic), mas de 2023 em diante, a semaglutida passou a responder a mais de 97% das receitas médicas, sendo quase 9 em cada 10 (89%) para a droga Wegovy.
Apenas 23% das gestantes tinham diagnóstico prévio de diabetes tipo 2 antes do parto, e 73% das usuárias em 2023 e 2024 utilizaram o tratamento pela primeira vez, sem indicação prévia, diz a pesquisa.
RISCOS DO USO DESCONTROLADO DE REMÉDIOS PARA EMAGRECER
Os dados reforçam que há poucas evidências sobre o uso dos medicamentos antes, durante e após gestação por parte de mulheres com ou sem diagnóstico prévio de obesidade ou diabetes.
Essa é a conclusão partilhada também por Carolyn Cesta, médica e pesquisadora do Instituto Karolinska, na Suécia, que assina um editorial publicado na mesma edição da revista médica.
Segundo ela, os dois estudos trazem dados preocupantes, e abrem o caminho para novas áreas a serem exploradas.
"Há orientação clínica limitada ou inexistente sobre o uso de drogas como Wegovy e Ozempic pré-gestação. Tais estudos fornecem respostas valiosas, mas não evidências diretas para aconselhamento clínico antes do tratamento com GLP-1RAs sobre seus potenciais danos e benefícios para gestações futuras. A ausência sobre esta última questão se deve, provavelmente, à escassez de dados de IMC antes do início do tratamento em bancos de dados mundiais e ao esforço substancial necessário para vincular tais informações a registros de prescrição e gravidez", diz.
A recomendação principal, no caso de um diagnóstico prévio de obesidade ou diabetes, é de procurar um profissional de saúde responsável que possa informar sobre a melhor forma de controle de peso e de glicemia durante a gravidez, a fim de minimizar os riscos tanto para a mãe quanto para o bebê.


