Julho das Pretas: mês marca combate ao colonialismo e escravização do povo preto
O Instituto da Mulher Negra na Bahia mobiliza mulheres e meninas negras a discutirem sobre reparação histórica
Foto: Reprodução/Unsplash
O Julho das Pretas foi criado, inicialmente, para demarcar as lutas por direito das mulheres em torno do dia 25 de julho – data em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher Afrolatinoamericana e AfroCaribenha. Desde 2015, a mesma data passou a ser o Dia Nacional de Tereza de Benguela, heroína negra e líder quilombola. A partir daí, o mês também ficou marcado por celebrações e mobilizações em busca da reparação histórica pelos danos causados pelo colonialismo e escravização do povo preto.
O Odara - Instituto da Mulher Negra, organização negra e feminista, sediada em Salvador, na Bahia, iniciou com uma ação coletiva local em 2013, para mobilizar e provocar mulheres e meninas negras a discutirem sobre reparação histórica. O movimento do Julho das Pretas se tornou um marco na incidência política e feminista no país e internacionalmente.
A comemoração chega a sua 12° edição, atualmente, mobilizado pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Rede de Mulheres Negras do Nordeste e Rede Fulanas - Negras da Amazônia Brasileira, traz, novamente o tema Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver.
A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver se iniciou em 2015, no dia 18 de novembro, mais de 50 mil mulheres negras das cinco regiões do Brasil marcharam contra o racismo, a violência e pelo bem viver, em Brasília (DF). Este ano, a Marcha estará acontecendo novamente, na Praça da Piedade, Dois de Julho, em Salvador-BA, divulgada pela agenda do Odara.
A Coordenadora Executiva do Instituto, Naiara Leite, contou ao Farol da Bahia, em entrevista, a motivação para a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver.
“Foi uma chamada de denúncia ao racismo, a violência que atinge as mulheres negras, mas também convocava a sociedade brasileira para pensar na perspectiva do Bem Viver: que projeto de nação é esse que queremos construir onde nenhuma pessoa fique pra trás? Onde as mulheres negras têm um papel de protagonismo? Onde nenhuma forma de existência, cultura, economia, forma de se pensar a partir dos nossos princípios, da nossa ancestralidade seja negada por uma perspectiva capitalista, colonial, desenvolvimentista?”, indagou.
A colaboradora do Instituto e coordenadora do projeto, “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”, Gabriela Ashanti, explicou o que essa Marcha significou para a luta contra o racismo nos países que tiveram sua base construída através do colonialismo.
“Eles [os países] precisam rever a narrativa sobre a escravidão, e pensar em medidas de reposicionar as populações negras no mundo para desestabilizar essa estrutura violenta que tem relegado as populações negras no mundo a uma posição de subalternização. Então, colocar um milhão de mulheres negras nas ruas de Brasília significa dizer que estamos fazendo essa resistência e provocando as mudanças que desejamos e que a gente vai tomar tudo que é nosso de volta”, declarou.
Beatriz Sousa, articuladora do Núcleo de Juventude Odara, também explicou que pensar no dito “Reparação e Bem Viver” é pensar na mudança da lógica do poder hegemônico de que pessoas negras devem se acostumar com locais de violência e criminalização dos seus costumes.
“Pensar no Bem Viver é mudar toda lógica de poder hegemônico. É ousar ser feliz, ousar ter sonhos, metas, objetivos. É ousar estar em espaços de poder, ousar estar em comunidades. Quando levamos na nossa marcha os ditos de Reparação e Bem Viver, estamos dizendo que não vamos nos acostumar com locais de subalternização e precisamos rever essa lógica. Dizendo também que não queremos estar em um local onde nós vamos oprimir e violentar, e, sim, que todas as pessoas merecem vida, mas nós mulheres negras precisamos estar no topo dessa garantia de direitos”, disse.
O Instituto também é responsável por desenvolver e apoiar programas com o objetivo de combater e atenuar os efeitos do racismo, sexismo, LGBTfobia, intolerância religiosa e outras formas correlatas de opressões para população negra.
O Festival Latinidades, que aconteceu aqui em Salvador, também como parte das comemorações pelo Julho das Pretas, teve como tema “Vem Ser Fã de Mulheres Negras” e, também, foi divulgado na agenda do Instituto Odara. O Farol da Bahia marcou presença e entrevistou algumas das atrações sobre a importância desta celebração.
“Falar que é importante já é muito clichê, pois já entendemos os caminhos que levam essa importância. É necessário. Não é só importante, a gente precisa trazer mais informação para entender o que é o social da mulher negra. É necessário entender o que é a construção do Brasil, a construção de Salvador. Olhar pro mundo enquanto ele é, e entender as suas origens, entender o que estamos perpassando socialmente é uma mensagem de caminho, não é sobre o que eu posso te ensinar, mas o que você pode procurar e querer entender”, disse Cronistas do Morro.
“As mulheres negras estão em todos os lugares. Estamos existindo, trabalhando o tempo todo e não temos espaço que acolham a gente, que homenageiam a gente, e que olhem pra gente como potência, que a gente também é bonita, que também conseguimos fazer tudo o que uma outra pessoa consegue e, às vezes, até melhor. Então, é muito especial termos uma data para pensar nisso”, afirmou Afreekassia.
“Eu acho importante a gente lembrar que mulheres negras elas existem diariamente, o ano inteiro e que a gente não caia na ideia de que essa data, ela é a única data para que a gente olhe com carinho, para que a gente volte ao mercado, a publicidade, a representatividade para mulheres negras. Então, é pensar nesta data e pensar também na existência o ano inteiro”, declarou Sued Nunes.
O Instituto Odara acredita que a luta por liberdade, emancipação do povo preto e a construção de uma sociedade de Bem Viver precisa acontecer, mas os meios de combate ao racismo no Brasil são uma discussão contínua.
Pessoas negras ainda lideram a maioria das formas de violência no país. Mulheres pretas grávidas têm duas vezes mais riscos de morrer no parto do que mulheres pardas e brancas; São 71% das vítimas de intolerância religiosa; São a maioria das vítimas de mortes violentas; Meninas negras são a maioria nos casos de estupro no país, e várias outras.
Gabriela Ashanti acredita que o primeiro passo para o Brasil combater o racismo, é o reconhecimento de que é um Estado racista patriarcal. “Não se enfrenta o que você não dá nome e o que você não identifica”, disse ela ao Farol da Bahia.
Já Naiara Leite, acha que é necessário políticas que trabalhem com equidade. “Enquanto esse reconhecimento não existir do crime que a gente viveu, sobre as formas de violência que a gente vive até hoje, sobre o projeto genocida que o Brasil estruturou para as populações negras, a gente não vai constituir políticas, não que inclua, mas que coloque a população negra em um outro lugar a partir da sua realidade histórica”, disse.
Beatriz Sousa acha importante a eleição de pessoas negras comprometidas com a causa negra. “Representação sem pensar comunidade, não significa muita coisa. É pensar em como vamos mudar o sistema político que não nos inclui. Uma mudança de sociedade mesmo, de lógica de poder, que somente o Bem Viver vai conseguir nos entregar o dia”, completou.
Assista entrevista: