Justiça expõe identidades de crianças e mulheres vítimas de estupro e violência doméstica; tribunais dizem que apuram
Reportagem do portal g1 encontrou 120 mandados de prisão com nomes e endereços das vítimas; sete deles foram expedidos na Bahia

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Cerca de 120 pessoas, a maioria mulheres e crianças vítimas de agressões, estupros e tentativas de feminicídio, tiveram os nomes expostos de maneira indevida em ordens de prisão expedidas por 19 tribunais de Justiça e inseridas no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), ligado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os dados foram divulgados em uma reportagem do portal g1, publicada no domingo (1º), que analisou 123 mil ordens de prisão, metade das vigentes no Brasil. A investigação encontrou 120 mandados com nomes, endereços e detalhes das violências sofridas pelas vítimas.
Perante a lei, todos os crimes contra a dignidade sexual devem tramitar em segredo de justiça. Já os de violência doméstica deve ser automaticamente colocado sob sigilo, sem necessidade de um pedido da vítima.
Os mandados com dados expostos foram encontrados nos tribunais dos seguintes estados:
• Maranhão - 45 mandados
• Pará - 18 mandados
• Alagoas, Bahia e Piauí - 7 mandados cada
• Espírito Santo e Mato Grosso - 6 mandados cada
• Pernambuco - 5 mandados
• Amazonas - 4 mandados
• Amapá e Rio Grande do Sul - 3 mandados cada
• Ceará e Mato Grosso do Sul - dois mandados cada
• Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe - 1 mandado cada
Em nota, o CNJ negou "erro sistêmico" e afirmou que reconhece a importância de proteger dados de vítimas, tendo editado normas para evitar exposições indevidas.
Os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Amazonas informaram que as corregedorias vão investigar os casos. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro disse que vai apurar se houve alguma irregularidade no preenchimento do mandado.
Já o Tribunal de Justiça de Rondônia afirmou que corrigiu o mandado e reforçou o compromisso com a proteção dos dados das vítimas. O Tribunal de Justiça de Sergipe afirmou que irá aprimorar os fluxos internos para evitar novas exposições, enquanto o de Alagoas disse que orienta a não inclusão de nomes de vítimas nos mandados e que vai oficiar os juízes criminais para revisão e eventual correção dos documentos.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul disse que solicitou a retirada dos mandados da consulta pública, e o do Ceará afirmou que tem mantido esforços contínuos de orientação com magistrados para prevenir a exposição de dados.
O Tribunal do Distrito Federal afirmou que a corregedoria reforçará o sigilo nos casos e que solicitará a retificação do mandado com a exposição da vítima. Já o Tribunal do Maranhão informou que expediu uma orientação para que os juízes cumpram a LGPD, o sigilo da Lei Maria da Penha e as normas de proteção de dados do CNJ para o BNMP.
Os tribunais do Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte ainda não se pronunciaram sobre o assunto.
Veja a nota do CNJ na íntegra:
"O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece a necessidade de salvaguardar a intimidade, a dignidade e a integridade de vítimas e de grupos vulneráveis no âmbito da atividade jurisdicional.
Ao longo dos anos, o Conselho tem editado diversos atos normativos, como resoluções, recomendações e portarias, com o objetivo de assegurar que crianças, adolescentes, mulheres vítimas de violência doméstica e outros sujeitos em condição de vulnerabilidade não tenham suas informações sensíveis indevidamente expostas nos sistemas judiciais ou em documentos oficiais.
Esse conjunto de normas revela o compromisso institucional robusto com a proteção de dados sensíveis e com a preservação da dignidade dos sujeitos mais fragilizados que acessam o sistema de Justiça.
Especificamente sobre as informações indicadas pela reportagem com a exposição de vítimas nos mandados de prisão, esclarecemos que são dados incluídos no sistema pela autoridade judicial responsável pelo processo. É um campo de livre preenchimento pela autoridade judicial com informações para o cumprimento do mandado.
Embora não seja um erro sistêmico, o CNJ reforçará as orientações aos Tribunais sobre a necessidade de atenção no preenchimento das informações para evitar exposição indevida de dados. É preciso destacar que erros de procedimentos ou de divulgação de informação podem ser objeto de investigação pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Em relação ao acesso ao banco de dados, esclarecemos que o BNMP é um sistema eletrônico desenvolvido para aprimorar a comunicação entre a Justiça criminal, a segurança pública e a administração prisional, permitindo que essas entidades monitorem, em tempo real, a situação penal. Dessa forma, a única alternativa disponível para acesso aos dados dos mandados de prisão é por meio das consultas individuais já disponibilizadas pelo sistema eletrônico.
O CNJ busca avançar na construção de uma política de dados abertos, preservada a proteção de dados pessoais e sigilosos, permitindo a geração e extração de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, bem como, quando possível, o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por programas computacionais.
Registre-se que os dados solicitados, como CPF, não estão disponíveis para a consulta, e nem estarão por uma razão de vedação legal de proteção de dados.
Assim, está cumprida a obrigação legal que recai sobre o CNJ, como estabelecido no art. 11, § 6º, da LGPD. Além disso, o nível de detalhamento do pedido esbarra na hipótese restritiva prevista no artigo 12, inciso III, e no artigo 12 da Resolução CNJ nº 215."