Militares tramaram ação em aplicativo e planejavam envenenar Lula, diz PF
s suspeitos se conectavam pelo aplicativo Signal em um grupo nomeado "Copa 2022"
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A investigação da Polícia Federal que deu origem à operação deflagrada nesta terça-feira (19) descobriu que as cinco pessoas presas (quatro militares e um policial federal) conversavam em 2022 em um aplicativo de mensagens sobre um plano para matar o então presidente eleito, Lula (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Superior Tribunal Federal).
Documento juntado aos autos pela PF descreve a possibilidade de envenenamento para assassinar o petista.
A PF cumpriu nesta terça mandados de busca e apreensão e de prisão na manhã desta terça contra suspeitos de integrarem uma organização criminosa que, segundo as investigações, planejou um golpe de Estado em 2022 para impedir a posse de Lula.
O petista derrotou o então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022 após uma acirrada disputa de segundo turno. Durante seu mandato, o hoje inelegível Bolsonaro acumulou declarações golpistas e atualmente é alvo de investigação da PF sobre o seu papel na trama que tentou impedir a posse do presidente eleito.
As medidas são cumpridas em três estados (Amazonas, Goiás e Rio de Janeiro) e no Distrito Federal. Todas as prisões já foram feitas.
Os alvos são o general da reserva Mario Fernandes, os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares.
De acordo com as investigações que respaldaram a decisão de Moraes que autorizou a operação desta terça, os suspeitos se conectavam pelo aplicativo Signal em um grupo nomeado "Copa 2022".
Cada um utilizava como codinome o nome de uma seleção (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana), de forma a não serem identificados.
"Copa 2022" também é o nome de um documento que o suspeito Rafael Martins Oliveira enviou por WhatsApp ao também militar Mauro Cid, na época ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro.
De acordo com a Polícia Federal, em conversa no dia 14 de novembro de 2022, Cid perguntou a Oliveira sobre uma estimativa de gastos relacionados a "hotel, alimentação e material" e sugere a quantia de "100 mil".
"Além disso, os interlocutores indicam que estariam arregimentando mais pessoas do Rio de Janeiro para apoiar a execução dos atos. Mauro diz: Para trazer um pessoal do rio. Rafael de Oliveira responde: Pode ser preciso também. Mauro de forma mais enfática afirma: Vai precisar", relata a PF.
A Polícia Federal continua: "Conforme combinado, no dia 15 de novembro de 2022, o Major Rafael Martins Oliveira encaminha um documento protegido por senha intitulado Copa 2022 que, pelo teor do diálogo, seria uma estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022".
Inicialmente, o major tentou repassar o documento a partir do aplicativo UNA, utilizado pelo Exército Brasileiro. Depois, encaminhou-o por WhatsApp.
Já em um HD externo vinculado a Mário Fernandes, general que atuou no gabinete do deputado federal Alexandre Pazuello (PL), foi encontrado um documento de Word que, segundo a PF, continha "um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco".
"O documento, descrito pela Polícia Federal, traz em formato de tópicos o planejamento de uma operação clandestina, com demandas de reconhecimento operacional a serem realizadas, demandas para preparação e condução da ação, com indicação dos recursos necessários, demandas de pessoal a ser utilizado e condições de execução", informa Moraes em sua decisão.
Entre os itens necessários para a operação estavam seis celular descartáveis com chip da TIM. A ação, de acordo com a decisão do ministro do STF, de fato empregou seis celulares com chips da TIM, todos habilitados em nomes de terceiros e associados a países para a "anonimização da ação criminosa".
Ainda que o plano principal, citado na decisão de Moraes, fosse seu próprio assassinato, documento juntado aos autos pela Polícia Federal indica a possibilidade de ações para o assassinato de Lula e Alckmin, "com o objetivo de extinguir a chapa presidencial vencedora do pleito de 2022".
Os suspeitos utilizavam o codinome Jeca que, de acordo com os investigadores, fazia alusão a Lula, enquanto Alckmin era chamado de Joca.
"O texto cita que sua neutralização abalaria toda a chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB", diz a denúncia da PF. PSDB é o antigo partido de Alckmin.
"Para execução do presidente Lula, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico", continua o texto, citando que os militares consideravam "neutralizar" também Alckmin para "extinguir a chapa vencedora".
A decisão de Moraes cita ainda um quarto alvo, chamado de Juca, citado como "iminência parda do 01 e das lideranças do futuro gov", de modo que sua neutralização desarticularia os planos da "esquerda mais radical". Mas a Polícia Federal não conseguiu elementos para precisar quem seria o alvo.
O agente de Polícia Federal Wladimir Matos Soares, também alvo de mandado de prisão, é citado na denúncia como suspeito de ter praticado conduta que, em tese, relaciona-se com a segurança de Lula, auxiliando no planejamento operacional do plano de assassinato.
O golpismo bolsonarista voltou à tona na semana passada quando um simpatizante do ex-presidente atacou a sede do STF e em seguida se deitou sobre os explosivos e morreu na praça dos Três Poderes.
Bolsonaro, que tentou tratar o atentado como um fato isolado, foi declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e foi indiciado neste ano pela Polícia Federal em inquéritos sobre as joias e a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19.
Além desses casos, Bolsonaro é alvo de outras investigações, que apuram os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito, incluindo os ataques de 8 de janeiro de 2023.
Parte dessas apurações está no âmbito do inquérito das milícias digitais relatado por Moraes e instaurado em 2021, que podem em tese resultar na condenação de Bolsonaro em diferentes frentes.
Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, Bolsonaro poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.