Ministros do STF temem que imbróglio do IOF impulsione projetos contra o Judiciário
Atualmente tramitam no Congresso propostas que permitiriam derrubar decisões dos tribunais, incluindo o próprio STF e o TSE

Foto: Gustavo Moreno/STF
A derrubada de um decreto presidencial pelo Congresso Nacional alertou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) para o risco de o Judiciário se tornar o próximo alvo do Legislativo.
Uma ala do Supremo enxerga na revogação, pelo Congresso, do decreto do governo Lula (PT) que aumentava alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) um prenúncio de novas investidas do Legislativo sobre os demais Poderes. A possibilidade de o STF se tornar alvo é avaliada como real por ministros.
Nesta sexta-feira (4), o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão dos decretos do IOF. A medida suspende tanto as normas editadas pelo presidente Lula quanto os decretos legislativos aprovados na Câmara e no Senado. Moraes também designou a realização de uma audiência de conciliação.
Também nesta quarta, Lula adotou tom mais conciliatório e disse ser "muito agradecido" pela relação com o Congresso.
"Até agora, eles aprovaram 90% das coisas que mandamos. No governo de ninguém se aprovou tanta coisa. Sou grato ao Congresso. Quando tem uma divergência é bom. Porque a gente senta na mesa, vai conversar, e resolve, em uma mesa de negociação", disse.
"Não quero nervosismo porque só tenho um ano e meio de mandato e tem gente que pensa que o governo já acabou. Tem gente que já está pensando em eleição. Eles não sabem o que eu estou pensando. Se preparem, se tudo tiver como eu estou pensando, esse país vai ter pela primeira vez um presidente eleito quatro vezes".
Atualmente tramitam no Congresso propostas que permitiriam derrubar decisões dos tribunais, incluindo o próprio STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), além do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Um projeto de decreto legislativo apresentado em 2024, por exemplo, prevê conferir ao Congresso Nacional a prerrogativa de sustar, parcial ou totalmente, atos "exarados por outros Poderes e órgãos independentes do poder público". A proposta acabou arquivada.
Apesar disso, magistrados identificam na sua origem um ânimo para a invasão de suas atribuições.
Um ministro do STF diz que os parlamentares ainda "não atravessaram o Rubicão". A metáfora, que se consagrou como referência a uma decisão sem volta, alude à guerra que teve início quando Júlio César atravessou o rio desse nome.
Ainda assim, por essa mesma avaliação, a derrubada de um decreto do Executivo mostra que esse passo em relação ao Supremo ainda pode acontecer.
Outro ministro reconhece que congressistas podem se sentir mais confortáveis para propor projetos que esvaziem a competência do Judiciário caso o STF mantenha a derrubada do decreto do IOF.
A AGU (Advocacia-Geral da União) encaminhou uma ação à corte nesta terça-feira (1º) com pedido de declaração de constitucionalidade do decreto presidencial que alterou as alíquotas. A iniciativa provocou mais um capítulo de tensão entre os Poderes.
A decisão de ir ao Supremo foi antecipada pela Folha na segunda (30). Na mesma ação, a AGU também requer, em caráter liminar, o reconhecimento da inconstitucionalidade do decreto legislativo que suspendeu os efeitos do ato do Executivo.
Moraes chamou a mesa de conciliação sobre o tema, e a expectativa do governo Lula é a de que uma decisão ocorra até o dia 22 de julho, quando deverá ser apresentado o relatório bimestral de avaliação das receitas e despesas que serve como base da equipe econômica para o cumprimento da meta fiscal.
Frustrada a perspectiva de arrecadação com aumento de impostos sobre operações financeiras, o governo terá que promover novos cortes, inclusive sobre emendas parlamentares. Integrantes do governo e do Congresso apontam o dia 22 de julho como data-limite para essa decisão, ainda que liminar (provisória) -o que permitiria a abertura de uma rodada de negociações.
O encontro chamado por Moraes tem o objetivo de buscar uma saída negociada para a crise.
Embora esse seja o ambiente em que se dá o debate, ministros minimizam a possibilidade de que ameaças à autonomia do Judiciário influenciem os ministros em torno da ação apresentada pelo governo Lula para a revalidação do decreto revogado pelo Congresso.
A avaliação, segundo os magistrados da corte e assessores próximos, é que a questão seria juridicamente simples de ser resolvida. O governo tem competência para fixar medidas de gestão e arrecadação e não haveria abuso no aumento do IOF.
Contudo há a visão de que o tema exige uma articulação política. Um ministro da corte duvida que seus pares venham a enfrentar o centrão.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que é melhor o tribunal buscar resolver o problema da derrubada do decreto de maneira consensual do que pela via do litígio.
"Vejo com naturalidade e até como desejável que as soluções sejam consensuais quando seja possível. Se não for possível, a gente decide", disse ao C-Level Entrevista, novo videocast semanal da Folha de S.Paulo.
Parte do debate foi transferido para Portugal, onde ocorre o 13º Fórum de Lisboa com a participação de ministros e integrantes da cúpula do Congresso. Participante do fórum, o ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, engrossou o esforço conciliatório a ser conduzido por Moraes, com quem se reuniu.
Em Lisboa, onde conversou com ministros da corte, Messias elogiou a capacidade de diálogo do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Os dois conversaram na noite de quarta-feira (2).
No Brasil, no entanto, Lula classificava como "absurda" a decisão do presidente da Câmara de colocar em votação a derrubada do decreto do aumento do imposto, alegando que houve descumprimento de acordo.
"O erro, na minha opinião, foi o descumprimento de um acordo, que tinha sido feito no domingo [8 de junho] à meia-noite na casa do presidente [da Câmara] Hugo Motta. Lá estavam vários ministros, deputados, o ministro [Fernando] Haddad com sua equipe e, quando chega na terça-feira, o presidente da Câmara tomou uma decisão que eu considerei absurda", disse o petista, durante entrevista na Bahia.
Lula também disse que não há ruptura. "O presidente da República não rompe com o Congresso."