Naufrágio da Cavalo Marinho I completa cinco anos com processo na Justiça
Memórias são vívidas para as sobreviventes da tragédia, leia relatos
Foto: Farol da Bahia
Dez dias após fazer 22 anos, Ariane Suriel nasceu de novo. Ela é uma das sobreviventes do naufrágio da lancha Cavalo Marinho I, que completa cinco anos nesta quarta-feira (24). Dezenove pessoas morreram no acidente e pelo menos 89 ficaram feridas, enquanto familiares e sobreviventes aguardam o julgamento do caso.
A lembrança daquele 24 de agosto de 2017 é muito vívida para Ariane Suriel, moradora de Vera Cruz. Na época, estudante de enfermagem, fazia sempre a travessia no mesmo horário, às 6h30. Segunda ela, normalmente neste horário saiam embarcações maiores que a Cavalo Marinho I por conta do fluxo de pessoas. “Muita gente indo para faculdade e trabalho. Na verdade, a lancha que era para sair neste dia era a Nossa Senhora da Penha, mas estava no conserto.”
Chovia e ventava muito naquela manhã de quinta-feira. De acordo com Ariane, a embarcação virou cerca de 10 a 15 minutos de travessia, na Baía de Todos-os-Santos, após deixar o terminal marítimo do município de Vera Cruz. “Ela virou muito rápido, ninguém esperava”, afirma.
Camila Oliveira, hoje com 28 anos, também sobrevivente da tragédia, confirma que quando notou a lancha já estava virando. “Eu estava sentada, conversando com um rapaz. Quando percebi, uma pessoa gritava que estava entrando água e foi quando a lancha virou”, conta.
Ambas não usavam o colete salva-vidas no momento do acidente, mas conseguiram encontrar o objeto de proteção que possibilitou a ida para os botes, onde aguardaram por horas o resgate.
“A Cavalo Marinho III fez o resgate do bote onde eu estava. Precisei de ajuda pra subir na lancha porque o nível de hipotermia já tinha 'paralisado' minhas pernas. Não conseguia dobrá-las. Foi neste momento que me dei conta da realidade. Foi quando vi um corpo boiando”, disse Ariane.
Já para Camila Oliveira, a gravidade do acidente só ficou clara quando chegou em terra firme. “Eu só soube que havia vítimas fatais quando cheguei em Vera Cruz e um amigo me contou. Todos já sabiam que havia acontecido.”
O trauma e o medo não os únicos sentimentos que as duas mulheres têm em comum, a revolta pela falta de assistência por parte da empresa durante todos esses anos é uma queixa presente. “Nunca ligou para saber, nenhuma prestação. Eles não têm nenhum senso de humanidade. É muito doloroso lembrar daquele dia, minha vida mudou e não foi para melhor.”
Passageiros
Entre passageiros e tripulantes, eram 120 pessoas a bordo da Cavalo Marinho I, que pertence a CL Transporte Marítimo. A lancha tinha capacidade para 160 pessoas. Dezenove pessoas morreram no naufrágio.
Lista das vítimas:
1. Davi Gabriel Monteiro Coutinho, 6 meses;
2. Darlan Queiroz Reis Julião, 2 anos;
3. Dulciana dos Santos Queiroz, mãe de Darlan, 38 anos;
4. Dulcelina Machado dos Santos, avó de Darlan, 59 anos;
5. Laís Pita Trindade, 20 anos;
6. Taís Medeiros Ramos de Sales, 32 anos;
7. Thiago Henrique de Melo Muniz Barreto, 35 anos;
8. Antônio de Jesus Souza, 67 anos;
9. Ivanilde Gomes da Silva, 70 anos;
10. Isnaildes de Oliveira Lima, 48 anos;
11. Lucas Medeiros Leão, 2 anos;
12. Rita dos Santos, 54 anos;
13. Rosemeire Novaes Carneiro da Costa, 49 anos;
14. Sandra C. Lima dos Santos, 40 anos;
15. Lindinalva Moreira da Silva, 50 anos;
16. Edilene Oliveira dos Santos, 43 anos;
17. Edileuza Reis da Conceição, 53 anos;
18. Alessandra Bonfim dos Santos, 36 anos;
19. Salvador Souza Santos, 68 anos
Investigação
Divulgado em janeiro de 2018, o inquérito do Tribunal Marítimo da Marinha do Brasil afirmou que o naufrágio foi provocado por uma série de negligências e imprudências. O documento aponta três pessoas como “possíveis responsáveis diretos”: o engenheiro responsável técnico pela embarcação, o proprietário da empresa responsável pela operação da embarcação, ambos por negligência e o comandante da embarcação por imprudência.
São atribuídas ao proprietário da empresa e ao engenheiro a colocação na lancha de 400 kg de lastros - pesos usados para ajudar na capacidade de manobras. Os objetos de concreto foram deixados soltos abaixo da sala de comando e deslizaram para dentro da lancha, contribuindo "negativamente para a capacidade de recuperação dinâmica da embarcação".
Em nota, o Ministério Público afirma que ofereceu denúncia contra o marinheiro Osvaldo Coelho Barreto e o empresário dono da CL Transportes, Lívio Garcia Galvão Júnior no dia 26 de setembro de 2017.
“Eles foram denunciados por homicídio culposo e lesão culposa. Com base nos laudos periciais, a denúncia aponta que os dois agiram com imperícia e imprudência na condução da lancha Cavalo Marinho I, resultando na morte de 19 passageiros e em lesões corporais de outros 54 que estavam a bordo da embarcação. O processo criminal se encontra concluso para decisão da Justiça. O MP apresentou suas alegações finais e aguarda a sentença do Juiz.”
O Tribunal de Justiça da Bahia foi procurado pelo Farol da Bahia para prestar esclarecimentos sobre o andamento do processo, mas nenhuma informação foi enviada até o fechamento desta matéria.