Neguinho do Samba, Vevé Calasans e Paulinho Camafeu: o legado da Trinca de Ases do Axé
Celebrar os 40 anos é também reconhecer os gigantes que são a base de um movimento que reverbera pelo Brasil e pelo mundo
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Foto: Divulgação
O axé, movimento cultural que se consolidou como um dos maiores representantes da música brasileira, tem em sua história artistas que ajudaram a moldar a identidade do movimento. Nesses 40 anos, algumas figuras se destacaram como verdadeiros pilares: Neguinho do Samba, criador do samba-reggae; Vevé Calasans, compositor de hinos inesquecíveis; e Paulinho Camafeu, autor da música que deu nome ao axé.
Neguinho do Samba
Se o axé tem um coração pulsante, esse coração bate no ritmo do samba reggae, e o nome por trás disso é Neguinho do Samba. Uma das figuras mais emblemáticas da música afrobrasileira, Neguinho fundou o grupo Os Mutantes do Samba, mesclando o samba raiz com os ritmos afro-brasileiros.
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Em entrevista ao Farol da Bahia, o historiador Paulo Miguez explica como a trajetória dele é fundamental para entender o que é o movimento cultural do Axé Music.
“A figura de Neguinho do Samba é fundamental para entendermos tudo que acontece depois. Sem a gente entender a grande contribuição musical na percussão dada por Neguinho, a gente não entenderia Axé Music. É uma pena que ele tenha partido tão cedo, mas a trajetória dele dentro do carnaval como músico, chega no Olodum com todo conhecimento acumulado, a experiência das festas, das batucadas, a experiência do Ilê Aiyê, tudo isso permitiu a ele a produção dessa maravilha que é o samba reggae”.
Foi nos tambores do Olodum que o samba-reggae nasceu, misturando influências do samba duro e ritmos africanos. Neguinho transformou a percussão baiana e impactou o rei do pop Michael Jackson, que gravou a música “They Don’t Care About Us” (“Eles não ligam pra Nós”, traduzido) nas ruas do Pelourinho, expondo as desigualdades sociais.
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“O Olodum tem uma parcela de contribuição muito grande por causa dos seus tambores e da sua levada. Com a criação do samba reggae através do nosso mestre, Neguinho do Samba, tudo se modifica. O samba reggae começou a criar novas claves e novas células de percussão. Quando esses blocos de trio começam a pegar as músicas do bloco afro, que antigamente só era percussão e voz, e levavam para cima do trio, o Axé se expandiu para o Brasil inteiro”.
Vevé Calasans
Para além dos tambores, o Axé também é melodia e as letras carregam a história do povo baiano. E poucas pessoas escreveram essa história como Vevé Calasans. Conhecido como um dos grandes compositores do movimento, foi peça-chave na formação do axé.
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Junto com Vevé, Carlinhos Brown compôs um dos hinos que firmaram essa trajetória: Selva Branca, gravada pela banda Chiclete com Banana, em 1988 e imortalizada na voz de Bell Marques. Em entrevista, Carlinhos Brown contou como se deu essa composição histórica.
“Vevé veio com Roberto Santana para pegar uma turma que estava tudo garantido para produzir para um selo chamado ‘Nova República’, que, genialmente, clamou a independência das gravadoras. Quando chega no disco ‘Magia’ de Luiz Caldas, que é o marco do axé, consolidou a ideia de que as bandas que vinham de baile, de trio elétrico, precisavam da figura de produtores. Wesley Rangel é que liderava todas essas produções. Nessa de ficar amigo do produtor, fui tocar com Caetano no Rio de Janeiro, e eu estava vivendo um dos momentos mais lindos da minha vida, que foi o romance com a mãe da minha filha, a qual eu chamava de Selva Branca”.
“Faço o que quiser de brincadeira
Carrossel no céu, selva branca
E nascer em cada estrela a novidade
E o muro do seu mundo era saudade
Porque não dizer, posso derreter
Moranguinho no copinho
Esperando por você
Quanto mais sorvete
Quero teu calor
Quanto mais desejo de amor”
Carlinhos contou que estava tão apaixonado, que não conseguiu terminar, e então pediu ajuda a Vevé. Ele também explicou sobre a importância de Bell Marques na popularização da música.
“Eu já tinha feito toda a música, mas não conseguia terminar. Eu disse ‘Vevé, eu tenho certeza que se eu fizer, eu vou casar com essa mulher que eu amo tanto, e não foi diferente. O olhar de Bell Marques para essa música foi importante. Ele gravou com Silvinha Torres, foi a primeira dupla vocal, um homem e uma mulher, no Trio Elétrico. Esses parceiros são de uma importância gigantesca para tudo que nós fazemos. Sem eles não seríamos nada.”
Vevé Calasans é um cronista musical, cuja as composições eternizaram a identidade cultural da Bahia e fazem parte da memória afetiva de quem vive e ama o Carnaval.
Paulinho Camafeu
Se o Axé tem um peso, foi Paulinho Camafeu quem deu. Compositor e ativista, ele foi uma voz forte na luta pelos blocos afros e pela valorização da cultura negra na música baiana. Camafeu é autor da música considerada marco inicial do axé, Fricote, que fez sucesso na voz de Luiz Caldas.
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"Olha a nêga do cabelo duro
Que não gosta de pentear
Quando passa na praça do tubo
O negão começa a gritar
Pega ela aí
Pega ela aí
Pra quê?
Pra passar batom
De que cor?
De violeta
Na boca e na bochecha"
Ao longo da história, Camafeu compôs diversas canções essenciais para a existência do Carnaval de Salvador, como “Ilê Aiyê” (Que bloco é esse?), que virou o cartão de visita do primeiro e maior bloco afro do Brasil; “Afoxé Badauê”, e “Menina do Cateretê”.
Branco, se você soubesse o valor que o negrão tem
Tu tomava banho de pinche pra ficar negrão também
Eu não lhe ensino minha malandragem
Nem tampouco minha filosofia, não
Quem dá luz a cego é bengala branca e Santa Luzia
Que bloco é esse? (Ilê Aiyê) Eu quero saber saber (Ilê Aiyê)
É o mundo negro que viemos mostrar pra você.
Celebrar os 40 anos é também reconhecer esses gigantes que ajudaram a construir a trajetória. Neguinho do Samba, Vevé Calasans e Paulinho Camafeu são mais do que nomes na histórias do Axé. São a base de um movimento que reverbera pelo Brasil e pelo mundo.
Viva o legado!
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