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Novembro Negro: por que pessoas negras são as que mais morrem na Bahia em ações policiais?

Especialistas explicam relação do grande número de óbitos com maioria negra no estado e reflexo do racismo nos dados

Por Laiz Menezes
Ás

Novembro Negro: por que pessoas negras são as que mais morrem na Bahia em ações policiais?

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Na Bahia, as pessoas pretas e pardas chegam a compor cerca de 80% de toda a população do estado. Na data em que é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, nesta segunda-feira (20), o dado que se destaca é que esses baianos ainda são os que mais morrem em ações e operações policiais. Em 2022, a cada 10 mortos pela polícia na região, nove eram negros. O grande número de óbitos se explica pela maioria negra no estado ou é reflexo do racismo estrutural e institucional? Especialistas afirmam que há uma super-representação da população negra nos dados.  

A nova edição do relatório "Pele Alvo: a bala não erra o negro", da Rede de Observatórios da Segurança, mostrou que a Bahia, pela primeira vez, chegou ao topo do ranking dos estados que mais matam pela ação de agentes de segurança, com um total de 1.465 vítimas. Em 2015, o estado registrou 354 mortes. Já em 2022, houve um aumento de 300% na taxa de letalidade, que atingiu principalmente jovens negros. 

A população negra representou 94,76% do total de mortos por agentes de segurança em 2022, na Bahia, sendo a maioria (74,21%) com idade entre 18 e 29 anos. Apenas Salvador registrou a morte de 438 baianos, sendo 394 pretos e pardos.

O especialista em segurança pública Marinho Soares explica que o número maior de negros mortos em ações e operações policias na Bahia poderia ser considerado “normal”, dado a porcentagem de pessoas pardas e pretas no estado, mas ele pontua que o fator da super-representação e sub-representação nos números deve ser analisado. 

“Se for olhar a Bahia, o estado tem cerca de 80% de pessoas negras e 90% é alvo da polícia. Isso diz que há uma super-representação das pessoas negras e uma sub-representação das pessoas brancas. E se alguém está matando mais pretos do que brancos, não é só porque tem mais negros, a gente sabe que tem um histórico”, destaca o especialista. 

Marinho Soares ressalta que as pessoas são criadas para para ter um olhar dócil para brancos e outro agressivo e violento para negros. “Às vezes o próprio preto se acha no direito de desfazer da outra pessoa por ela ser negra. Isso é um racismo institucional, inclusive com relação aos policiais”, afirma. 

Com mais de 80% de pessoas negras no estado, muitos agentes que atuam na Bahia também são pardos e pretos. Soares ressalta que, mesmo nestes casos, o racismo institucional e estrutural age a favor da letalidade policial. 

“O policial aprende que a violência está nos bairros periféricos e não consegue se enxergar como um sujeito negro. Ele nao fala ‘eu sou negro’, ele fala ‘eu sou polícia’. Para ele, a polícia não tem cor de pele, por isso que ele não tem cuidado com pessoas negras e acaba as marginalizando”, argumenta. 

 

“Esses dias um jovem com o cabelo black me contou que foi parado em uma blitze em uma periferia e o policial perguntou o que ele era. Ao responder que era estudante, o policial disse ‘estudante com cabelo desse? já viu trabalhador com cabelo desse? você é vagabundo’. Então a gente percebe aí como o racismo age”, completa.

 

Para o coordenador da Rede de Observatórios da Segurança, Dudu Ribeiro, os dados do observatório revelam que a política da segurança pública, baseada na lógica militarizada, tem um alvo: “Ela considera a população negra inimiga do estado, por isso age utilizando da força do Estado, do seu aparato, para o extermínio da população negra”. 

“Nós temos visto o crescimento exponencial da violência de Estado contra a população negra, baseado em uma lógica chamada de ‘guerra às drogas’, mas na verdade não é uma guerra contra uma substância, é uma guerra contra pessoas, não todas as pessoas que consomem e comercializam substâncias, mas determinadas pessoas que estão criminalizadas antes mesmo do seu contato com as drogas tornadas ilícitas”, finaliza. 

Outros estados 

O relatório "Pele Alvo: a bala não erra o negro" analisou dados da violência policial em oito estados brasileiros: Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí. Os números revelaram que em todas as regiões pesquisadas, o total de pessoas negras mortas foi maior, mesmo em estados onde brancos são maioria. 

Em São Paulo, estado em que 40,26% da população é negra, 63,90% das vítimas dos policiais, em 2022, eram pretas e pardas, o que, segundo especialistas, mostra a inexistência de políticas públicas racionalizadas. 

Em 2022, São Paulo teve uma redução de 48,32% no número de mortes provocadas por agentes de segurança, desde 2019 — de 867 vítimas para 419 registradas ano passado. De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, a diminuição é reflexo de uma política de redução da letalidade, aliada ao uso de câmeras corporais pelos policiais. 

Em 2022, a Bahia ficou em primeiro lugar no percentual de negros mortos em operações policiais, com 94,76%. O Pará ficou em segundo no ranking, com 93,90% dos casos. Na Bahia a população negra compõe 80,80% do total e no Pará, 80,46%.

O Rio de Janeiro também chama a atenção pela alta incidência de pessoas negras mortas em ações dos agentes de segurança. No estado, 54,39% da população é negra, mas o número de óbitos representa 86,98%.

Educação antirracista 

Segundo Dudu Ribeiro, a educação antirracista é um componente fundamental para alteração do quadro de desigualdade entre brancos e negros no país. Apesar disso, ele destaca que também é preciso pensar que só a educação não consegue alterar esse quadro por completo. 

“É preciso rever o papel das instituições que operam em uma lógica de distribuição de morte, enquanto política de Estado, de distribuição desigual de oportunidades de vida. Depois disso, aí sim a educação entra para poder funcionar como uma ferramenta transformadora do quadro de violência a que está submetida a população negra”, argumenta o coordenador da Rede de Observatórios da Segurança. 

Marinho Soares pontua que muitas escolas e famílias ainda não sabem como é feita a educação antirracista. “Eles pensam que a educação antirracista é você enaltecer a cultura afro, e não é só isso, isso é quase nada, não é só falar da África. Devemos falar de autoestima, de valores, de inteligência, de cultura e de respeito, principalmente ao próximo”, declara.  

Para Soares, o número de mortes em ações policiais é assustador. “Parece até uma piada falar que a pena de morte é uma cláusula pétrea na Cnstituição Federal, mas você em esses números de milhares de pessoas assassinadas pelo Estado. Pétrea é uma cláusula que não pode mexer, o Congresso Nacional não pode votar se veta ou não a pena de morte, nenhum emenda constitucional pode mudar isso. Mas e o tanto de pessoas assassinadas pelo estado? Polícia não é para matar, é para proteger a vida”, completa o especialista em segurança pública. 

O que diz o Estado da Bahia?

Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirma que as ações policiais no estado são pautadas dentro da legalidade e que “qualquer ocorrência que fuja dessa premissa é rigorosamente apurada e todas as medidas legais adotadas”.

A pasta reforça que investe constantemente na capacitação dos efetivos e também em novas tecnologias, buscando a redução da letalidade e a preservação da vida.

De acordo com a SSP, foi criado um Grupo de Trabalho voltado para a discussão e criação de políticas que auxiliem na redução da letalidade policial no estado, promovendo uma análise mais aprofundada das informações provenientes dessas ocorrências, como o perfil das pessoas envolvidas, contextualização, região, entre outros dados que possam colaborar para a redução dos índices.

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