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Palavra final sobre graça a Daniel Silveira será do STF, mas Bolsonaro pode invocar Corte Interamericana

Jurista e professora da UFBA, Thais Bandeira conversou com o Farol e esclareceu os impasses envolvendo o caso

Por Rayllanna Cardoso
Ás

Palavra final sobre graça a Daniel Silveira será do STF, mas Bolsonaro pode invocar Corte Interamericana

Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados | PR

Em um movimento inédito no Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), surpreendeu o mundo jurídico ao conceder indulto individual ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) assim que ele foi condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 8 anos e nove meses de prisão.

Para entender um pouco melhor sobre o caso e a razão de tanta controvérsia no mundo jurídico, o Farol da Bahia conversou com a professora de Direito Penal da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e diretora-geral da Escola Superior da Advocacia da Bahia (ESA-BA), Thais Bandeira.

De acordo com a advogada criminalista, a primeira questão a ser esclarecida é a diferença entre indulto e graça, que constam no Código Penal e no Código de Processo Penal brasileiro como formato que extingue a punição de pessoas condenadas. Essa extinção ocorre em casos bem específicos, determinados em lei.

"Acontece o crime. Formalmente os conceitos do crime existem. Nasce a possibilidade de punição, e essa possibilidade se extingue por algum motivo. O crime pode prescrever, o acusado pode morrer, ou podem aparecer outros institutos, como ocorre nesse caso de Daniel Silveira, que é a anistia, graça, indulto, perdão. A gente tem esses formatos dentro do Código Penal", explica.

Tanto o indulto quanto a graça são formatos concedidos pelo presidente da República em exercício, por meio de decreto. A principal diferença entre indulto e graça é que o primeiro tem abrangência coletiva, enquanto o segundo é individual, concedido apenas para uma pessoa, em um caso específico.

Um exemplo comum de indulto é o Natalino, que ocorre no Brasil todos os anos. Nesses casos, o presidente define os requisitos que deverão ser preenchidos para garantir o perdão, e faz o anúncio por meio de decreto. Em geral são perdoadas pessoas que, por exemplo, cumpriram mais da metade da pena, que têm mais de 70 anos ou que cometeram crime sem violência ou grave ameaça.

"Ele vai colocando requisitos e todo mundo que se encaixa nesses requisitos é perdoado. Só precisa levar isso ao Judiciário para que o juiz confirme que está dentro dos requisitos do decreto do presidente. Isso é o indulto. Ele é coletivo. A situação da graça individual, que algumas pessoas até chamam de indulto individual, é a mesma coisa. Mas ao invés de vir de maneira coletiva, o presidente pode fazer em situação pontual, em situação específica. E é isso que está gerando toda essa polêmica de Daniel. A ideia da graça é uma coisa muito, mas muito excepcional no nosso ordenamento jurídico", diz a jurista.

Para que uma graça seja concedida individualmente, ela afirma, é preciso que haja uma justificativa "muito forte", como a questão humanitária. "A graça, como é muito específica e voltada para uma pessoa específica, tem que ter um motivo muito forte e relevante. Todos os anos temos o indulto chamado de Natalino. Não é nenhuma novidade. O excepcional é acontecer de maneira individual, esse foi o estranhamento. Todos os anos temos indulto coletivo, em que alguns pontos são muitas vezes questionados no STF. Isso é muito comum acontecer. Como é coletivo, o presidente não escolhe qual é o crime que a pessoa praticou. Já a graça individual foi inédita", acrescenta.

Graça foi concedida antes da conclusão do caso

Existem mais dois pontos que também estão gerando burburinho no meio jurídico. Um deles é se houve pedido da defesa de Daniel Silveira ao presidente Jair Bolsonaro. Isso porque, conforme consta na Lei de Execução Penal, um indulto individual, para ser concedido, precisa ser provocado. Ou seja, a defesa do condenado ou o Ministério Público, por exemplo, precisa solicitar esse perdão.

"Alguém tem que provocar, mostrando ao presidente uma situação muito grave, como por exemplo um preso que está com câncer em estado terminal e precisa voltar para casa urgente porque vai morrer na Penitenciária. Uma coisa muito pontual mesmo. A princípio, ninguém sabe se houve esse peticionamento, esse direcionamento de pedido para o presidente da República, porque foi tudo feito muito rápido", esclarece.

Outra questão é que o caso ainda não foi dado por encerrado no STF, cabendo ainda recursos por parte do deputado Daniel Silveira. "Em termos de recurso, a gente chama de transitado em julgado. Então, o presidente atravessou o decreto em uma situação em que o STF ainda não finalizou o julgamento. A acusação ainda pode recorrer dessa pena, a própria defesa ainda pode recorrer dessa pena. Esse é outro ponto que tem sido questionado". 

Decisão final é do STF, mas Bolsonaro pode invocar a Corte Interamericana

Com a publicação do decreto que concedeu perdão ao deputado, o STF terá agora, além de continuar o processo já em curso, analisar a constitucionalidade da decisão de Jair Bolsonaro. Enquanto corre o processo contra Daniel Silveira, os ministros do Supremo irão avaliar se mantêm válida a decisão do presidente.

"Duas coisas vão começar a andar em paralelo. A gente vai ter a própria condenação e os recursos da defesa da acusação, que vai continuar, e essa análise da constitucionalidade do decreto do indulto individual, desse perdão que o presidente está concedendo", esclarece a advogada criminalista Thais Bandeira.

Sendo assim, a palavra final ficará com quem condenou Daniel Silveira, ou seja, o próprio Supremo Tribunal Federal. E, na análise da jurista, a condenação deve ser mantida. "É possível que os ministros mantenham a condenação por uma perspectiva de que o crime é contra a ordem democrática. É pela natureza do crime que foi praticado por Daniel. Talvez pela questão de ser crime contra a ordem democrática, o STF entenda que não cabe nestes casos nem o perdão coletivo nem o perdão individual".

Após o entendimento final do STF, não caberá mais recurso sobre o caso no Brasil. Contudo, o presidente pode apelar para outras forças. "Ele trata muito sobre a questão da liberdade de expressão. Entendendo que as falas foram dentro de um exercício legítimo à liberdade de expressão, ele pode invocar a Corte Interamericana de Direitos Humanos, entendendo que condenar alguém por uma opinião seria algo que viola essa liberdade de expressão", explica.
 

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