Pesquisa mostra que ansiedade e depressão duplicaram em um mês de quarentena no Brasil
1.460 brasileiros foram submetidos a uma triagem psicológica online
Foto: Reprodução / Terra
Uma pesquisa realizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) sugere que a incidência de sintomas de depressão, ansiedade e estresse pode ter dobrado da primeira para a quarta semana de quarentena pela Covid-19.
1.460 brasileiros foram submetidos a uma triagem psicológica online e os dados foram coletados pelo psicólogo Alberto Filgueiras, da Uerj, para dois estudos com 20 dias de intervalo entre si. Mesmo não tendo o objetivo direto de medir incidência — e sim identificar grupos de risco — a pesquisa sugere um agravamento preocupante.
“Enquanto no primeiro estudo a prevalência girava em torno de 4% a 5% para sintomas de depressão e ansiedade, no segundo estudo cresceu para algo de 7% a 8%”, disse o psicólogo ao GLOBO.
Alberto Filgueiras informa que uma versão preliminar da pesquisa, ainda sem revisão independente, já mostra o recorte da população que está mais vulnerável.
Foram destacados três grupos por Filgueiras e por seu coautor, Matthew Stults-Kolehmainen. São as pessoas que vivem com idosos durante a quarentena, os portadores de doenças que configuram fatores de risco para a Covid-19 e os trabalhadores que não podem ficar em confinamento.
A pesquisa também aponta um maior risco para subgrupos como mulheres e pessoas de menor escolaridade, que tradicionalmente são mais pressionados e em situação de fragilidade.
“O que as evidências do nosso estudo sugerem é que essas pessoas precisam de um cuidado urgente, para ontem. Não adianta esperar a quarentena passar para depois tentar apagar o fogo”, diz Filgueiras.
O estudo do psicólogo da Uerj segue a trilha de outros trabalhos que vêm sendo publicados ao menos desde fevereiro, mostrando o impacto mental da pandemia de Covid-19 em outros países.
No maior deles, feito com 53 mil respondentes na China, 35% das pessoas declararam experimentar estresse psicológico moderado e outras 5% relataram sintomas severos de problemas mentais.
Temores em conflito
De acordo com Filgueiras, há muitos fatores influenciando o mal-estar psicológico dos brasileiros agora. No caso específico da Covid-19 no Brasil, a situação conflitante entre aderir ao confinamento para frear a epidemia e a pressão por renda e produtividade é especialmente perniciosa.
“As pessoas percebem que existe impacto na economia e na capacidade delas de subsistir, mas ao mesmo tempo sabem que não podem se expor ao vírus. É mesmo um conflito entre o medo de morrer e a pressão por sobreviver”, informou Filgueiras.
A apreensão é maior, claro, à medida que o impacto da Covid-19 se faz ver dentro do círculo social das pessoas.
Atendimento Online
Uma saída para esta situação é o atendimento online. Psicólogos têm recomendado desde o início da pandemia que pessoas em situação de vulnerabilidade psicológica procurem auxílio, mas a estrutura para isso não existe em muitos planos regionais de quarentena.
Apesar de um ofício circular do Conselho Federal de Psicologia (CFP) ter pedido a gestores públicos a "suspensão imediata de atividades profissionais do psicólogo na modalidade presencial", a entidade pede no mesmo documento "a disponibilização e tecnologias de informação e comunicação para o exercício profissional da psicologia à distância".
O próprio CFP está flexibilizando sua defesa da prática. Em 2018, a entidade determinou que só estavam autorizados a praticar atendimento online psicólogos que tivessem cadastro específico para tal, e ainda assim estava vedado o atendimento remoto de pacientes em situação de emergência.
Essas restrições estão agora temporariamente suspensas, e o CFP pede à Unidas (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde) que planos de saúde passem a cobrir a psicoterapia à distância.
Filgueiras afirma que na rede privada, porém, a percepção dos psicólogos é que a busca por atendimento está caindo, apesar de a saúde mental dos brasileiros estar piorando.
“A procura pelos serviços de psicologia caiu, como acontece com tudo aquilo que é percebido com supérfluo pelas pessoas”, conta Filgueiras.
A demanda só não despencou tanto quanto se previa, diz o psicólogo, porque os próprios profissionais de saúde, assoberbados com a epidemia, estão buscando apoio psicológico em grande número.
Saiba identificar os sinais de ansiedade e depressão
O psicólogo responsável pela pesquisa informa que primeiro quadro avaliado no trabalho da UFRJ foi o de estresse, que consiste num estado de pressão mental por excesso de estímulos e demandas. Já com a ansiedade, psicólogos buscam identificar inquietação e temor nas pessosa, frequentemente acompanhado da antecipação de algo ruim que possa ocorrer.
Com a depressão, a ideia é identificar estado de desânimo e tristeza com implicações clínicas, que afetem fatores como sono, apetite e até risco para suicídio.
É recomendável que qualquer pessoa que se sinta enquadrar nesses quadros procure ajuda profissional. No contexto de pesquisa, porém, psicólogos costumam usar questionários de triagem, que buscam sinais desses três tipos de transtorno.
Com grandes populações agora em quarentena por causa da Covid-19, eles se tornaram ferramenta essencial de pesquisa.
Filgueiras explica que dois dos questionários usados são padrões para os quadros clínicos que estavam sendo avaliados. Foram empregados o PSS-10 (Escala de Estresse Percebido-10) e o SSTAI (Inventário Spielberg de Traços e Estados de Ansiedade). Para risco de depressão, o pesquisador criou um questionário específico para a situação da Covid-19, mas baseado em sintomas padrão.
Os questionários, porém, não fornecem diagnósticos. Quando uma pessoa sinaliza problema sério, é preciso a intervenção do psicólogo para avaliação, explica Filgueiras, que buscou encaminhar voluntários da pesquisa a tratamento.
“Entramos em contato um a um com aqueles que manifestaram sinais mais preocupantes”, conta o pesquisador.