Primeira capital do Brasil, Salvador completa 474 anos de histórias que mudaram o Brasil
A Conjuração Baiana, o 2 de Julho e a Revolta dos Malês foram alguns dos acontecimentos que definiram rumos nacionais

Foto: Igor Santos/Secom PMS
Um arcabouço de histórias que mudaram o curso do Brasil: assim é a cidade de Salvador, que foi fundada em 1549 e completa 474 anos nesta quarta-feira (29).
Dentre os feitos históricos que aconteceram no município e reverberaram por todo o país, certamente destaca-se ter sido o começo de tudo: o Brasil foi descoberto na Bahia e teve Salvador como a sua primeira capital.
Primeira capital
Salvador foi escolhida como a primeira capital porque era à época a área de maior extração de pau-brasil e ainda porque era a principal produtora de açúcar.
“Em Salvador foi construída a primeira feitoria, que era uma estrutura para intercâmbio marítimo entre Brasil e a Europa, instalada pela Corte Portuguesa. Era uma área cercada por uma paliçada, onde fica atualmente o Forte de São Diogo, em que todo o pau-brasil extraído aqui era armazenado para ser levado para fora do país”, detalhou o historiador Ricardo Carvalho.
Salvador foi definida como a capital do Brasil pelo então governador-geral do país, Tomé de Sousa, por ordem do rei de Portugal, Dom João III. Com isso, foi construído o Palácio do Rio Branco, para ser a sede administrativa da cidade e a primeira sede do Império Português nas Américas.
Somente mais de 200 anos depois, em 1763, o título de capital brasileira foi transferido para o Rio de Janeiro.
Conjuração Baiana
Foi em Salvador que surgiu o segundo grande movimento emancipacionista, pelo fim do Império Português no Brasil. A Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates, aconteceu entre 1798 e 1799, uma década depois da Inconfidência Mineira.
O movimento baiano era composto pelas camadas mais pobres da sociedade e por escravos. Tinham como líderes os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira, além dos soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas.
A conjuração lutava pelo fim da escravidão, pela separação da Bahia da colônia portuguesa, pela instauração de uma República e pela igualdade social.
Em 1799, as tropas do governo foram enviadas para um confronto direto com os integrantes da revolta. Com armas e em maior quantidade, os oficiais contiveram os populares e diversos membros foram presos. Alguns deles foram condenados à morte logo depois.
“A Conjuração Baiana tinha cunhos verdadeiramente escravistas e fortemente vinculados ao apoio popular. Como consequência direta deste movimento, que influenciou diversos outros similares pelo resto do país, Salvador acabou sendo a sede da verdadeira Independência do Brasil”, explicou Ricardo Carvalho.
2 de Julho
Como efeito da Conjuração Baiana, um movimento separatista mais forte e mais organizado iniciou um combate sangrento em fevereiro de 1822 com as tropas do governo. Cerca de 15 mil soldados lutaram em cada lado e mais de 2 mil pessoas morreram.
Depois de um ano e cinco meses de guerra, em 2 de julho de 1823, os baianos expulsaram à força da Bahia os militares portugueses que haviam se recusado a deixar o estado após a Proclamação da República por Dom Pedro I, no ano anterior.
“O mesmo entrave era observado em todo o país e foi só a partir da Independência da Bahia que as tropas portuguesas começaram a deixar o Brasil para que pudéssemos nos libertar, de fato. Não haveria Brasil independente se não houvesse o nosso 2 de Julho”, ressalta o historiador.
Alguns personagens foram fundamentais para a concretização da independência baiana e são considerados grande heróis, a exemplo do General Labatut, que liderou os combates; a religiosa Joana Angélica, que morreu para proteger o convento da Lapa e as pessoas que ali estavam; a pescadora Maria Felipa, informante sobre as estratégias portuguesas; a militar Maria Quitéria, que esteve na linha de frente da guerra; e Corneteiro Lopes, comandante da Legião de Caçadores.
Revolta dos Malês
A Revolta dos Malês foi um movimento que mobilizou cerca de 600 escravos, no dia 25 de janeiro de 1835, em uma marcha pelas ruas de Salvador para chamar o povo negro para um confronto pelo fim da escravidão.
Para conter o ato, as tropas do governo reagiram utilizaram seu poder bélico e o embate terminou com 70 escravos mortos. Entre os adversários, nove perderam a vida.
Os militares, então, encurralaram os integrantes da Revolta dos Malês no bairro Água de Meninos, onde o movimento foi totalmente contido. Alguns escravos chegaram a pular no mar para tentar fugir, mas a maioria morreu afogada.
Os detidos foram sentenciados a quatro tipos de penas: prisão simples, prisão com trabalho, açoite, morte e deportação à África. Ao fim, 12 foram condenados à execução, mas somente quatro chegaram ao ato final.
“Esta foi a maior revolta de escravos do Brasil e o segundo maior movimento de insurreição negra das Américas, atrás somente da grande Revolta do Haiti, ocorrida entre 1791 e 1804. O ato em Salvador teve poder influenciador no fortalecimento da causa abolicionista, que culminou 53 anos depois na Lei Áurea”, pontuou Ricardo Carvalho.
Antes da Revolta dos Malês, outras rebeliões menores de escravos foram realizadas em Salvador nos anos 1807, 1809, 1814 e 1826.
Sabinada
Outro movimento nacional que teve Salvador como pioneira e protagonista foi o que lutava para instaurar um regime republicano no Brasil. A Sabinada ocorreu entre 1837 e 1838, durante o Período Regencial, considerado uma vacância entre os sistemas imperialista e da República.
O movimento recebeu esse nome por causa do seu líder, o médico Francisco Sabino. O princípio-base da Sabinada era que uma República resolveria a grave crise social estabelecida no país após o fim do Brasil Colônia.
“Mesmo que provisória, a Sabinada foi uma grande revolução, que envolveu os mais diversos setores da sociedade e teve uma repercussão nacional muito forte, fortalecendo o movimento republicano em todo o Brasil”, detalhou o historiador.
Em 7 de novembro de 1837, aconteceu o levante armado que foi o ápice da Sabinada, quando os integrantes do movimento conseguiram depor o governo baiano e se instalaram no poder. Ao saber da situação, o regente do Brasil à época, Padre Diogo Feijó, prontamente enviou tropas para derrotar a revolta.
Em 1838, a Sabinada foi encerrada de vez, após diversos combates. Os líderes do movimento foram condenados à prisão perpétua e inúmeros deles foram mortos.
Greve dos Ganhadores
No dia 1º de junho de 1857, Salvador amanheceu parada. Uma greve dos trabalhadores negros, a primeira paralisação proletária do Brasil, foi instalada sem qualquer aviso prévio.
Por 10 dias, ficaram interrompidos os serviços prestados pelos ganhadores, que eram responsáveis pela circulação de pessoas e coisas e pelo trabalho braçal. “Uma grande greve negra que paralisou a cidade e foi uma vanguarda em termos de movimentos populares e sociais no Brasil”, avaliou Ricardo.
O objetivo era derrubar a obrigação imposta pelo governo para que os negros escravizados e libertos se registrassem na Câmara Municipal e pagassem um imposto profissional, além de usar uma placa de identificação no pescoço.
Com a greve, o pagamento do tributo foi derrubado, mas a vitória dos trabalhadores não foi completa. A placa seguiu sendo obrigatória.