Quase R$ 10 milhões do Governo do Rio decorre de procedimentos sem licitação no laboratório investigados por erros em testes de HIV
Pagamentos eram feitos após a execução do serviço, mediante apresentação de nota fiscal; os primeiros remontam ao final de 2022
Foto: Reprodução/FernandoFrazão/AgênciaBrasil
Quase metade dos pagamentos feitos pelo Governo do Rio ao laboratório PCS Lab Saleme, investigado por erros em exames de HIV, decorreu de contratações feitas sem licitação. A empresa recebeu R$ 21,2 milhões dos cofres do estado, desde 2022, desse total, R$ 3,7 milhões (ou 17%) foram pagos por meio de termos de ajuste de contas (TACs). Isso significa que os pagamentos eram feitos após a execução do serviço, mediante apresentação de nota fiscal, sem que a empresa sequer tivesse contrato com o governo. Os outros R$ 6,2 milhões foram recebidos em contratos considerados "emergenciais", fechados em processos com dispensa de licitação.
Os primeiros pagamentos feitos pelo governo à empresa remontam ao final de 2022
A gestão de várias Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) passou de Organizações Sociais (OS) para a Fundação Saúde, órgão vinculado à Secretaria de Saúde, num processo iniciado em 2020. Isso porque os serviços de exames clínicos nas unidades precisavam continuar sendo prestados mesmo sem um contrato em vigor, o governo optou por realizar pagamentos ao laboratório por meio de TACs.
Os serviços começaram a ser prestados em agosto de 2022 e, somente neste ano, mais de R$ 1 milhão foi pago pela empresa dessa maneira. Os serviços começaram a ser prestados em agosto. O PCS Lab Saleme passou a ter um vínculo formal com o governo para atender as UPAs apenas em fevereiro do ano seguinte.
No entanto, a contratação da empresa não foi realizada a partir de uma concorrência pública. O contrato, para realizar exames em quatro UPAs na Zona Oeste do Rio no valor de R$ 2,1 milhões, foi assinado com dispensa de licitação pela Fundação Saúde.
O secretário de Saúde, na época, era Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, o Doutor Luizinho (Progressistas), que é parente dos sócios do laboratório. Um deles, Walter Vieira, preso ontem, é casado com a tia o Doutor Luizinho; o outro sócio, Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, que assina os contratos da empresa com o governo, é filho de Walter.
Doutor Luizinho permaneceu na secretaria de janeiro a setembro de 2023 e, quando saiu do cargo, Cláudia Mello, a sucessora foi indicada, e seguiu tendo influência na pasta. Sua irmã, a dentista Débora Lúcia Teixeira Medina de Figueiredo, ocupa até hoje um cargo de direção na Fundação Saúde.
O PCS Lab Saleme fechou um novo contrato com a pasta, em outubro, novamente com dispensa de licitação. Por R$3,8 milhões, a empresa passou a ser responsável pelos exames clínicos do Hospital estadual Ricardo Cruz, em Nova Iguaçu, reduto político de Doutor Luizinho e mesma cidade onde fica a sede da empresa.
Novamente, a justificativa para o procedimento emergencial foi o "risco à saúde e a segurança da coletividade" que a interrupção da prestação de serviço acarretaria, já que o hospital também havia sido incorporado à Fundação de Saúde no mesmo mês. O processo de contratação da empresa começou ainda na gestão de Luizinho.
Mais de um ano depois de começar a receber pagamentos do governo, em dezembro de 2023, o PCS Lab Saleme foi contratado a partir de um processo licitatório. O laboratório apresentou a melhor proposta para prestar o serviço de realização de exames clínicos em 11 unidades de saúde do estado. Esse contrato, que engloba o HemoRio e a Central de Transplantes, foi o que culminou na realização dos exames que não detectaram HIV nos órgãos transplantados.
O contrato tinha o valor de R$ 9.801.008,74, mas sofreu um aumento, em março deste ano, em R$ 1.679.459,04 para incluir o atendimento a mais duas unidades, os postos de atendimento médico (PAM) de Cavalcanti e de Coelho Neto, na Zona Norte. Ao todo, os três contratos do PCS Lab Saleme com a Fundação Saúde preveem a prestação do serviço num total de 18 unidades, entre hospitais, PAMs, institutos e centros especializados.
No entanto, durante o último processo de licitação, o Dr. Saleme teve sua capacidade técnica para produzir exames questionada. Segundo o recurso interposto por uma concorrente, o laboratório não conseguiu comprovar que tinha experiência prévia para executar metade dos exames previstos por contrato. O documento que faz parte do processo de concorrência aponta que o Dr. Saleme só conseguiu comprovar a execução de 581 mil exames por ano, e o edital previa pelo menos 628 mil.
Também foi alegado pelo Dr. Saleme que, em ofício que também faz parte da licitação, que "realiza o objeto do certame há mais de dez anos, já tendo realizado, só em favor da Secretaria municipal de Nova Iguaçu, mais de 2 milhões de exames clínicos e anatomia patológica". O laboratório tem contratos com a prefeitura de Nova Iguaçu desde 2016. A Fundação Saúde entendeu que "a empresa vencedora atendeu às exigências do edital" e homologou o resultado.