Quilombo e suas histórias: com gestão coletiva, Dandá sobrevive em Simões Filho
Associação dos Quilombolas da Fazenda Coqueiro e Mata Grossa conduz comunidade com mais de 150 pessoas
Foto: Arquivo pessoal
Com cerca de 150 pessoas, o Quilombo Dandá, em Simões Filho, tem uma história de luta pelo reconhecimento e permanência nas terras. Após uma longa batalha judicial, atualmente, o território é gerido pela Associação dos Quilombolas da Fazenda Coqueiro e Mata Grossa, mas os desafios continuam.
De acordo com uma das representantes da Associação, Ana Paula Souza, os fundadores do quilombo foram Samuel Lopes e dona Joana dos Santos. “Os primeiros que aqui chegaram trabalhavam com a produção de carvão para um fazendeiro, que era dono de uma grande parte dessa região. E aí ele foi trabalhando, mas não recebia. Daí surgiu a promessa de um pedaço de terra para que a família pudesse permanecer após a morte do Samuel”, conta.
Sem nenhum documento que comprovasse o acordo, após o falecimento do trabalhador, os quilombolas sofreram com ameaças e destruição do plantio e casas. “A gente tinha todas as situações da luta para garantir a terra e também garantir a sobrevivência, que era o alimento que a gente plantava e quando a gente estava perto de colher, a fazendeira herdeira mandava os capatazes lá e quebrava e acabava tudo, e quando a gente chegava lá, a roça estava totalmente acabada. Sem contar, às vezes, que a gente estava na roça e recebia ameaças”.
O Quilombo Dandá foi certificado pela Fundação Cultural Palmares em 30 de abril de 2004, para fins de demarcação e titulação do seu território tradicional. Com este reconhecimento do órgão, a situação em relação à permanência dos quilombolas melhorou. Mas, novos problemas surgiram já que a filha do fazendeiro tinha supostamente vendido hectares a terceiros e havia posseiros em determinados locais.
“Começaram a bater em nossa porta exigindo que saíssemos daqui alegando que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) não havia pagando o valor da terra, só que o órgão diz que só pagaria para a fazendeira – in memorian, porque ela era a única que tem a certidão da terra. Há também os posseiros que a gente não tem o poder para tirar do lugar, não cabe a gente fazer isso, seria o poder público.”, diz a representante da associação.
Segundo Ana Paula, a documentação deu mais segurança para reformular a estrutura do local pelas próprias mãos e “sem nenhuma ajuda nem da Prefeitura nem do Governo do estado”. Na tentativa de melhorar a residência, algumas medidas deram certo, mas outras foram prejudiciais à saúde.
“A gente acabou contaminando a nossa própria água com coliformes fecais, porque a nossa fossa estava acima, e aí a gente teve um problema. Muita gente passou mal, não tínhamos posto de saúde perto, nem carro. As pessoas iam andando ou de bicicleta até a comunidade vizinha buscar ajuda. A prefeitura não dá a mínima até hoje, a gente não está nem no mapa da cidade.", pontua.
A Associação dos Quilombolas da Fazenda Coqueiro e Mata Grossa foi criada para reivindicar melhorias para os quilombolas e também para ser a representante legal do local, dessa forma o Quilombo Dandá não tem apenas um dono, mas pertence ao coletivo. “Uma vez por mês, tem a assembleia da associação, se tiver algum outro assunto, por exemplo, o processo de regularização pela terra que ainda tá rolando, aí a gente convida, vai pra reunião e é decidido em conjunto.”, explica Ana.
A subsistência do espaço se dá majoritariamente da agricultura e comércio local com produtos produzidos na casa da farinha construída pela própria comunidade. “A gente tem essas áreas de produção agrícola familiar, e fazemos os mutirões toda semana. A gente vai plantando, vai colhendo para gerar uma renda justamente para suprir essas necessidades da associação.”, diz a quilombola.
Casa da farinha construída pela própria comunidade. Foto: Divulgação
Além disso, faz parte do compromisso da comunidade com cuidado com a natureza. “Não cometemos crime ambiental, preservamos a mata, os animais. Tudo em equilíbrio”.
A religiosidade é um pilar importante entre os quilombolas, porém até o momento, no Quilombo Dandá não há um terreiro para as realizações das obrigações religiosas da comunidade. Segundo a integrante da Associação, esta é uma das mudanças que deve ocorrer, principalmente com o intuito de manter a história e a cultura viva entre os mais novos.
“O Brasil, a Bahia, não tem pedra sob pedra que não tenha sido construído pelo trabalho escravo. Então, eu acho que vai ser impossível o estado um dia ressarcir a gente de tudo isso, por todo o sangue derramado, por toda a nossa história, pela nossa própria cultura religiosa, que até hoje ela é banalizada, demonizada. Às vezes as pessoas dizem: ‘ah, mas isso foi uma parte do passado, tá na hora da gente virar essa fase, mas fácil falar, agora, na prática, na vivência, é outra realidade”, finaliza Ana Paula.