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Bahia

Quilombo e suas histórias: conheça o Quingoma, referência de luta e resistência

Quilombolas seguem em busca da titulação do território em Lauro de Freitas

Por Da Redação
Ás

Quilombo e suas histórias: conheça o Quingoma, referência de luta e resistência

Foto: Instagram / Reprodução

O quilombo Quingoma, localizado em Lauro de Freitas, foi formado por pessoas escravizadas trazidas da Costa Leste da África nos primeiros navios negreiros. “Os nossos irmãos se organizaram para conquistar a liberdade, e em um certo dia, quando estavam derrubando a mata fechada, próximas margens do rio Joanes, eles puderam fugir pelo manguezal até poderem atravessar o rio Joanes e encontrar aqui esse lugar”, conta a mãe do quilombo Donana, reproduzindo a história que ouvira da sua avó Izabel Enedina de Brito, conhecida como mãe Bebé. 

“Foi assim que ela me contou quando queria que eu tivesse consciência da minha origem. Toda minha família é quilombola”. E é da mesma forma que gerações futuras aprendem sua história e a cultura. 

“Nós ensinamos as nossas crianças que tudo foi conquistado com luta, mas também os saberes: os remédios, as folhas, os banhos, os cultos aos orixás, à natureza, o respeito aos mais velhos, às crianças e o cuidado com o outro. Quilombo é solidariedade, respeito e resistência”.

Além da tradição da oralidade, o Quingoma, que hoje conta com aproximadamente 600 quilombolas, mantém celebrações realizadas pelos antepassados.“A principal tradição é a de viver de forma harmoniosa e respeitosa com a natureza, as águas, rios, o samba de roda, capoeira, o maculelê, beiju, o vatapá e outras comidas típicas que nós conservamos das tradições que foram criadas pelos nossos irmãos, tanto nas senzalas quanto nos quilombos”, conta.

Apesar reconhecimento como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 2013, o Quingoma ainda não tem a titulação definitiva do território. 

“O principal desafio enfrentado pela comunidade é a luta contra a especulação mobiliária que vem destruindo nossa mata, expulsando nossas famílias e nos encurralando. Estamos há mais de 10 anos na luta pela titulação para proteger o que ainda nos resta de mata, de cultura e de religiosidade para a manutenção das famílias.”

Segundo o Decreto 4.887 de 2003, o procedimento de titulação passa por várias fases, começando com a autoatribuição, a identificação, o reconhecimento, a delimitação e a demarcação do local. Além disso, a matriarca ressalta que os moradores enfrentam dificuldades para permanecer no espaço herdado por seus ancestrais por conta do interesse econômico. 

“É uma relação conflituosa [com os governos e empresas privadas] a gente luta para se manter vivo aqui dentro. Já construíram via metropolitana cortando o quilombo ao meio, já construíram hospitais sem pedir autorização, vários empreendimentos imobiliários. A liberação de licenças ambientais para construção de novos empreendimentos que vêm crescendo em todo território. Então, é uma relação de luta que a gente cobra dos órgãos públicos municipais, estaduais e federais a titulação para a proteção e manutenção do nosso território sagrado”.

A comunidade resiste e subsiste com agricultura e comércio local.  “O quilombo só pega para si aquilo que é necessário para a sua subsistência, não destrói, não desmata e não soterra”, afirma Donana. 

O Quingoma participou da pesquisa inédita realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o povo quilombola. Para Donana, a realização do censo baseada na autodeclaração é importante, mas considera que o preconceito impede que as pessoas se reconheçam como tal.

“Pode ser também um risco porque de tanto falarem que quilombola não presta, é preguiçoso, é feio, que o cabelo e a cultura são feios, que as pessoas têm medo [de se autodeclarar] por conta da violência, ameaças e racismo. Mas, fazemos esse trabalho de conscientização para que se sintam importantes, belos, capazes para que se reconheçam”, concluiu. 

Quilombo Quingoma é território Iorubá
Em março deste ano, o Quilombo Quingoma foi reconhecido pelo rei da Nigéria, Onni Ilê Ifé, como o primeiro Território Iorubá do Brasil. Durante o evento, o monarca plantou uma árvore na entrada do Quilombo como símbolo desse momento e destacou a importância da resistência e da herança dos ancestrais.

A visita do rei foi considerada um marco para a Bahia, um estado com histórica resistência negra e profundas conexões com a África. Para Donana, o título representa um passo importante na valorização da cultura e história do quilombo. “Foi um fato histórico muito importante porque o quilombo acolheu várias nações, várias etnias, inclusive da Nigéria. Então, esse título nos fortalece e mais reconhecidos. Este quilombo é o primeiro de resistência negra do Brasil e traz com ele muita riqueza ancestral”, afirma.

As terras também receberam a visita da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, no dia 26 de julho deste ano. 

Censo IBGE
A Bahia é o estado com maior população quilombola do Brasil, contando com 397.059 pessoas, o que representava 3 em cada 10 quilombolas identificados no Censo Demográfico de 2022. Maranhão e Minas Gerais, aparecem em seguida com 269.074 e 135.310 quilombolas, respectivamente

Além de liderar em quantidade, a Bahia também se destaca em proporção. Enquanto no estado 2,81% da população se autodeclarava quilombola, no Brasil como um todo esse percentual era de apenas 0,65%.
Apesar do alto número de quilombolas residentes na Bahia, apenas 5,23% deles viviam em territórios oficialmente delimitados, o terceiro menor percentual do país. Das 397.059 pessoas autodeclaradas quilombolas no estado, apenas 20.753 moravam em territórios reconhecidos, enquanto no Brasil como um todo esse número chegava a 12,59%.

Segundo o levantamento revelou que o país abriga 1.327.802 quilombolas, representando 0,65% do total de habitantes, abrangendo 1.696 municípios.

O município de Bom Jesus da Lapa se destacava como o local com maior número absoluto de quilombolas vivendo em território delimitado na Bahia, seguido por Senhor do Bonfim e Malhada. Porém, era em Tijuaçu que residia a maior população quilombola em um território oficialmente reconhecido no estado, com 2.865 pessoas.

Supervisora de disseminação de informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveros, os dados trazem um novo olhar para as comunidades.

“É de uma importância imensa, de reconhecimento não só do ponto de vista estatístico socioeconômico, mas também do ponto de vista histórico e simbólico porque é um reconhecimento por parte das instituições oficiais da importância dessa população. Não só saber quantos são e onde estão, mas também suas características únicas, demandas e necessidades que só o censo pode trazer”.

O método se baseou na identificação dos quilombos atuais, que produzem e organizam seus territórios, através de uma cartografia participativa validada pelas lideranças comunitárias.

De acordo Mariana Viveros, o principal desafio para colher os dados foi obter uma metodologia adequada, além da dificuldade de acesso aos locais, em alguns casos, necessitando da orientação de guias. "[O problema] foi equacionado com a elaboração de um mapeamento específico para as comunidades, para além dos territórios oficializados e com o desenvolvimento das perguntas. É uma metodologia inédita. Fizemos também um trabalho de conscientização prévia para conscientizar as comunidades acerca da importância da pesquisa", concluiu.
 

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