Quilombolas se dizem excluídos da organização da COP30

Para organizações do movimento negro, falta representatividade negra na construção da cúpula

Por FolhaPress
Ás

Quilombolas se dizem excluídos da organização da COP30

Foto: Weverson Paulino/Divulgação

"Racismo ambiental", "invisibilidade climática" e "desrespeito pela sabedoria ancestral" são algumas das expressões usadas por organizações do movimento negro para criticar documento que reúne as propostas da presidência da COP30, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que será realizada em Belém em novembro.

Para Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e Geledés - Instituto da Mulher Negra, falta representatividade negra na construção da cúpula, que ocorrerá pela primeira vez na amazônia. O evento deve reunir representantes de mais de 190 países na capital do Pará.

No último dia 10, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, divulgou uma carta direcionada para a comunidade internacional, na qual diz que o Brasil convoca um "mutirão global" contra as mudanças climáticas. O documento, de 12 páginas, não cita a população negra.

Procurada pela reportagem, a organização da conferência, que é encabeçada por secretaria extraordinária na Casa Civil, não respondeu sobre as críticas das entidades.

A carta da COP30 cita os povos indígenas em um convite de formação de um "círculo de liderança" para aumentar sua representação e integrar conhecimentos tradicionais "à inteligência coletiva global". O texto traz, ainda, a explicação do conceito de "mutirão", oriundo de "motirõ", do tupi-guarani.

A Conaq afirmou, em nota, que a luta por justiça ambiental não deveria ser apenas uma questão de sobrevivência, mas também de reconhecimento e respeito "às vozes que historicamente foram silenciadas". A entidade disse ter tentado estabelecer, sem sucesso, contato com a comissão da COP30 para compor os debates principais da agenda climática.

"A invisibilidade climática dos povos afrodescendentes quilombolas é um reflexo do desrespeito por suas sabedorias ancestrais e práticas sustentáveis que, por séculos, têm contribuído para a preservação da biodiversidade e a harmonia com a natureza", diz trecho do comunicado.

Para Fran Paula, representante do grupo de trabalho de meio ambiente da Conaq, os afrodescendentes deveriam ser prioritários nas discussões da agenda climática. Como exemplo, citou a preservação dos biomas brasileiros por meio de seus territórios, principalmente na amazônia, que concentra 32% dos quilombolas do país, segundo o Censo 2022.

"Somos mais de 420 mil quilombolas na amazônia fazendo o manejo sustentável, contribuindo com a justiça climática", disse à Folha. "Toda a nossa contribuição tem sido anulada pelo Estado brasileiro e pela comissão da COP30 à medida que nos exclui de um processo tão importante para o mundo."

Na visão de Fran Paula, a falta de participação do movimento negro nos debates configura racismo ambiental, conceito usado para apontar que minorias étnicas enfrentam os maiores riscos ambientais.

"Reivindicamos a participação das comunidades quilombolas e afrodescendentes nesse mutirão global convocado pelo presidente da COP30. Que construção e quais políticas da agenda climática o Brasil pretende fazer sem esses povos?", questionou.

Em nota, o Geledés, que atua pelos direitos de mulheres negras, afirma que a população afrodescendente não se vê representada pelos desejos do governo brasileiro apresentados na carta de Corrêa do Lago.

"Globalmente, a população afrodescendente está desproporcionalmente concentrada em zonas de sacrifício --regiões onde predominam ameaças à vida devido à degradação ambiental. Essa realidade de magnitude histórica implica em ganhos econômicos e políticos para uns, enquanto submete muitos a condições de extrema vulnerabilidade", afirma a ONG, em manifesto.

Segundo Mariana Belmont, assessora de clima e racismo ambiental do Geledés, as condições de vida desses grupos resultam de graves e históricas violações de direitos humanos, que geram desvantagens e discriminações no acesso a oportunidades sociais, políticas e econômicas.

"A invisibilidade da população afrodescendente em documentos e declarações de agentes públicos nos mostra como o racismo institucional está colocado de forma sistêmica. A gente observa a ausência de debate sobre racismo ambiental", frisou.

Para Belmont, é fundamental que a diplomacia brasileira defenda uma linguagem que represente a população do país nos documentos da COP30.

"Mesmo diante de uma pressão cada vez maior dos movimentos de todo o mundo para que se reconheça a dimensão racial da crise climática, a população afrodescendente ainda não foi incorporada com a devida importância nos documentos de negociações", ressaltou.

As organizações indígenas, por sua vez, exigem a copresidência da COP30. A proposta inédita permanece sem uma resposta da comissão da cúpula. Ela é uma das pautas do G9 --grupo de coalizão de etnias dos nove países da amazônia, criado na COP16, conferência da ONU sobre biodiversidade que ocorreu na Colômbia, em outubro de 2024.

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford. 
 

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