Bahia

Quilombos e suas histórias: resistência em Pitanga dos Palmares

Com raízes profundas na antiga fazenda Mucambo, datando de mais de 150 anos, o território resistiu ao tempo

Por Stephanie Ferreira
Ás

Quilombos e suas histórias: resistência em Pitanga dos Palmares

Foto: Reprodução

Mais do que um simples território, o Quilombolo de Pitanga dos Palmares, é um símbolo de luta, identidade e resistência para mais de duas mil famílias que chamam esse lugar de lar.  No especial “Quilombos e suas histórias” mostramos a comunidade que vive às margens da BA 093.

A entrevista para a matéria foi realizada no início do mês de agosto, antes do assassinato da Mãe Bernadete, na noite da quinta-feira (17). 

Com raízes profundas na antiga fazenda Mucambo, datando de mais de 150 anos, o território resistiu ao tempo, testemunhou mudanças e permaneceu firme, mesmo quando a fazenda desapareceu sob as águas do Rio Joanes.

As manifestações culturais desempenham um papel essencial na vida desta comunidade. A Dança de São Gonçalo, a Dança de Engenho, o Samba chula, o Samba de Roda, o Bumba-meu-Boi e o artesanato local são expressões que refletem a riqueza cultural e a herança desta terra. O Quilombo Pitanga de Palmares é um local onde as tradições são preservadas através das gerações, graças à liderança e mestria de figuras como Maria Bernadete Pacífico Moreira, a Mãe Bernadete.

"Um povo sem cultura é um povo sem identidade", observa o quilombola Wellington Pacífico, filho da Mestra Bernadete, destacando a importância de suas celebrações. Um dos destaques dessas manifestações é a Dança de São Gonçalo que brilha intensamente, “enchendo as ruas com músicas, danças e uma conexão profunda com o passado”, afirma. 

O artesanato é outra faceta do patrimônio do quilombo. Os artesãos locais habilmente transformam materiais como a palha da costa e o barro em peças de arte únicas. Vasos decorativos, joias, bolsas e outros objetos são confeccionados à mão, refletindo a tradição e a criatividade intrínsecas à comunidade.

Apesar da riqueza cultural, Pitanga de Palmares enfrenta desafios até hoje. De acordo Wellington Pacífico, a falta de apoio governamental tem sido uma luta constante para a comunidade. A realização de festivais e a promoção da cultura dependem de parcerias privadas e editais públicos, destacando a necessidade de apoio contínuo para a preservação das tradições.

Um exemplo dessa luta é a Dança de São Gonçalo, que parou por anos devido à falta de apoio. “Tem 11 anos que não se faz a Festa em São Gonçalo. Eu vou retornar com a 33ª, que já poderia estar na 44ª.  Mas, não vamos ficar esperando, e isso vai mudar. Há de vir alguém que enxergue e que olhe com carinho pra cultura de seu povo”. 

As tradições eram passadas por Mãe Bernadete, líder da cultura popular, com o intuito de preservar esses saberes e fazeres que fluem de geração em geração.

Segundo Wellington Pacífico, do ponto de vista econômico, a comunidade de Pitanga de Palmares vive da agricultura, mas também enfrentam grandes dificuldades e, mais uma vez, por falta de apoio. 

“Está um pouco fraquinha, porque não tem, infelizmente, ajuda. O município deveria comprar as coisas de lá do quilombo para colocar na alimentação escolar, que tem potencialidade para isso. Mas hoje, a Associação Étnico no Desenvolvimento de Musães, através da Mestra Bernadette, toda vez no mês tem uma feira para os agricultores lá expõem suas mercadorias e venderem, até para Salvador a gente leva para vender”, afirma. 

O Quilombo Pitanga de Palmares foi reconhecido como comunidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares em 2004. E mantém a esperança de que suas tradições e cultura serão devidamente valorizadas. 

Luta, resistência e morte

A líder do Quilombo Pitangas dos Palmares, Maria Bernadete Pacífico Moreira, a Mãe Bernadete, foi assassinada dentro de casa na noite da quinta-feira (17). Segundo Wellington Pacífico, testemunhas afirmam que dois homens entraram numa moto no quilombo para executar sua mãe com mais de 12 tiros.  A Polícia Civil diz que equipes buscam imagens que levem aos criminosos . 

“Colocaram todo mundo no quarto, minha mãe sem saber ainda foi executada. Levou o celular de todo mundo. A polícia já está ciente, já está com as informações. E peço que a justiça resolva. Não sei quem foi”, disse em entrevista à TV Bahia.

Mãe Bernadete era líder do Quilombo Pitanga dos Palmares 

Este não é o primeiro crime que ocorre no Quilombo Pitanga dos Palmares. Em 2017, o filho caçula de Mãe Bernadete, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, conhecido como Binho do Quilombo, de 36 anos, foi morto dentro do carro. Ele também era líder do quilombo. 

A investigação foi iniciada pela Polícia Civil, mas foi federalizada há cerca de três anos. A Polícia Federal disse que o caso está sendo apurado em inquérito policial e que as investigações seguem em sigilo.

“Tem dois crimes para resolver, o de meu irmão, que foi da mesma forma levou 12 tiros no rosto, dentro do carro do seu veículo, sem chance de reação. E minha mãe, Maria Bernadete Pacífico Moreira, também levou vários tiros na face por esses covardes, destruiu minha família, está destruindo”, disse Wellington Pacífico. 

Além da forte representação dentro do quilombo e no munícipio de Simões Filho, Maria Bernadete também era coordenadora-executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Também foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho, de 2009 a 2016. Em 2017, recebeu o título de Cidadã Simõesfilhense pela Câmara de Vereadores da cidade.

“Minha mãe era da cultura afro-brasileira, sambadeira, mestre da cultura popular, coordenadora nacional do Conac, uma guerreira nata! Se Simões Filho, hoje é reconhecido culturalmente, deve a Mestra Bernadette. O munícipio perdeu a maior expressão cultural e a maior expressão do movimento negro e a maior expressão de luta e resistência da cidade”, finalizou Welligton Pacífico.

 

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