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Relatório da Anistia Internacional aponta falhas na resposta do poder público às enchentes no RS

A organização também alerta que as políticas de reconstrução não têm considerado as desigualdades que tornaram determinados grupos mais vulneráveis aos impactos das chuvas

Por FolhaPress
Ás

Atualizado
Relatório da Anistia Internacional aponta falhas na resposta do poder público às enchentes no RS

Foto: Concresul | Divulgação

Um ano após as enchentes históricas que devastaram regiões do Rio Grande do Sul, um relatório da Anistia Internacional Brasil divulgado nesta quarta-feira (30), aponta falhas na atuação do poder público para prevenir, enfrentar e reparar os danos provocados pelos desastres. A organização também alerta que as políticas de reconstrução não têm considerado as desigualdades que tornaram determinados grupos mais vulneráveis aos impactos das chuvas.

Segundo o levantamento, eventos climáticos extremos deixaram mais de 250 mortos no estado entre 2023 e 2024. Para a entidade, a resposta dos governos em diferentes esferas tem sido insuficiente diante da dimensão dos danos e da urgência de medidas que combinem reconstrução, adaptação climática e redução das desigualdades sociais.

A principal iniciativa estadual, o Plano Rio Grande, é criticada no documento por se limitar à reposição de estruturas destruídas sem atacar causas estruturais. "Ele mantém estratégias que já foram infrutíferas no passado e possibilitaram a recorrência das tragédias, com efeitos cada vez mais graves -principalmente na população mais afetada pelas desigualdades", afirma a diretora-executiva da Anistia Brasil, Jurema Werneck.

A análise parte de dados públicos e entrevistas realizadas com moradores de comunidades atingidas. Entre os equipamentos públicos afetados estão 782 escolas, 243 unidades de saúde, 111 instituições culturais e 69 centros da assistência social. Para a Anistia, a fragilidade desses serviços compromete a proteção da população em futuras emergências.

Procurado, o governo do RS informou que já foram investidos e garantidos cerca de R$ 7 bilhões em ações emergenciais e de reconstrução. Segundo a gestão estadual, o Funrigs (Fundo do Plano Rio Grande), abastecido com recursos da suspensão da dívida com a União, soma R$ 14,3 bilhões, dos quais R$ 1,7 bilhão já foi efetivamente gasto e R$ 3,7 bilhões estão empenhados.

A moradia é outro ponto sensível do relatório. A organização identificou que auxílios como o aluguel popular e o Auxílio Reconstrução têm alcançado parte limitada da população, com processos de cadastro considerados lentos e valores abaixo do necessário, especialmente em regiões onde os preços subiram após as enchentes.

Dos 22 mil imóveis prometidos pelo governo federal, apenas 5.600 tiveram contratos assinados até o fim de janeiro, e 448 obras começaram. Já o governo estadual havia se comprometido a construir 2.500 casas, mas entregou 332 unidades temporárias. Algumas dessas moradias, feitas em contêineres, foram consideradas insalubres pela Anistia, com relatos de altas temperaturas internas, falta de espaço e infraestrutura precária.

O relatório também chama atenção para o uso dos recursos públicos. Dos R$ 8,5 bilhões já alocados no Plano Rio Grande, R$ 1,7 bilhão foi efetivamente gasto. A maior parte foi destinada à reconstrução de rodovias (R$ 1,73 bilhão), dragagem de rios (R$ 1,3 bilhão) e segurança pública (R$ 930 milhões). Políticas de prevenção, mitigação e monitoramento climático ainda não contam com orçamento específico ou cronograma definido.

Entre as medidas do governo do estado em andamento, a gestão destaca a dragagem de hidrovias (R$ 731 milhões), o programa Volta por Cima (R$ 251 milhões para mais de 100 mil famílias) e obras em estradas e pontes (R$ 1,2 bilhão), além de investimento em novos radares meteorológicos.

Na habitação, o governo afirma que investiu R$ 83,3 milhões na compra de 625 módulos habitacionais transportáveis (não-contêineres), dos quais 500 já foram instalados. Também projeta a construção de mais de 2.200 casas definitivas em 40 municípios e diz que há mais de 7 mil unidades habitacionais previstas via atas de registro de preços.

O governo afirma ainda que parte das ações emergenciais foi financiada com recursos próprios, sem vínculo com o Funrigs, e que vem atuando para revisar planos diretores, reforçar a Defesa Civil e preparar o Estado para futuros eventos climáticos.

A reportagem procurou ainda a prefeitura de Porto Alegre e o governo federal, por meio do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

GRUPOS MAIS AFETADOS
A Anistia destaca ainda que negros, indígenas, quilombolas, refugiados e idosos foram desproporcionalmente atingidos pelas enchentes. Mapas apresentados no relatório mostram que as áreas mais alagadas na região metropolitana de Porto Alegre coincidem com bairros de população majoritariamente negra e com maior índice de pobreza, como Humaitá e Rubem Berta, na capital, e Mathias Velho, em Canoas.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Datafolha também indicam que pretos e pardos foram maioria entre os atingidos, e que famílias de menor renda relataram perdas mais frequentes. Quilombolas, indígenas e povos de terreiro relataram à Anistia a ausência de políticas específicas antes e depois das enchentes.

Entre os povos indígenas, estima-se que 70% dos territórios no RS tenham sido afetados, atingindo mais de 80 comunidades. Em muitos casos, a falta de regularização fundiária dificultou o acesso a auxílios emergenciais. Já entre os idosos, que representam 20% da população gaúcha, 51% das vítimas fatais das enchentes estavam nessa faixa etária, segundo dados da Defesa Civil.

Mais de 43 mil migrantes e refugiados também foram impactados pelas chuvas, principalmente venezuelanos, haitianos e cubanos. Além da perda de bens e documentos, muitos enfrentaram a interrupção das fontes de renda.

A versão completa do relatório será lançada no fim de maio e deve incluir recomendações à atuação do Estado, com foco na prevenção de novas tragédias, no fortalecimento de políticas públicas e na participação das comunidades afetadas na tomada de decisões.

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