Setor de energia alerta para efeito negativo de MP na conta de luz e Lula pede avaliação
O presidente criou um grupo de trabalho para propor um novo programa energético no país
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Após ouvir especialistas da área de energia por três horas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou na quarta-feira (10) a criação de um grupo de trabalho para propor um novo programa energético capaz de reduzir a conta de luz com medidas estruturais.
A iniciativa vem um dia depois de Lula assinar uma MP (medida provisória) anunciada com a promessa de baixar a tarifa. Mas, segundo o setor de energia, tem efeito inverso: faz redução momentânea de curto prazo, até 2026, e eleva o preço para consumidor no longo prazo, a partir de 2029.
O governo prevê uma queda entre 3,5% e 5%. Segundo cálculos privados, porém, o aumento da conta de luz, daqui a cinco anos, é de 2% a 7%. Levantamento divulgado nesta quarta pela consultoria Volt Robotics detalha as desvantagens para o consumidor.
Historicamente, os governos do PT criaram grupos de trabalho em diferentes áreas, formularam propostas, que não foram depois implantadas, mas a disponibilidade para o debate foi interpretada como um avanço.
O presidente orientou os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil), que também estiveram na reunião, a organizarem o grupo com representantes do setor e congressistas.
O preço da energia, hoje, é uma das principais preocupações de Lula em meio à queda de popularidade identificada em pesquisas de opinião. O presidente foi surpreendido com a reação negativa à MP, contam executivos ouvidos pela Folha que acompanham a discussão no governo e no Congresso.
Na reunião, a MP foi novamente criticada, e os especialistas detalharam as desvantagens e riscos para os consumidores.
A medida amplia o prazo para a concessão de benefícios a energias renováveis, que vão elevar a conta de luz a partir de 2029, e altera o uso de recursos da Eletrobras com a proposta de reduzir a conta de luz de 2024 a 2026, mas com uma operação condenada pelo setor.
Pela lei de privatização, a Eletrobras terá de fazer repasses, ao longo de 25 anos, para reduzir o peso da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), na qual se concentram diferentes subsídios e custos adicionais repartidos com os consumidores. Foram R$5 bilhões em 2022 e, a seguir, cerca de R$1 bilhão ao ano.
A MP autoriza que os bancos antecipem parte desses recursos para que seja possível quitar empréstimos que socorreram as empresas durante a pandemia e a seca, e estão sendo pagos agora via tarifa.
"Deixamos claro para o presidente que isso é fazer empréstimo para quitar outro, e não faz o menor sentido. Olhando os números é praticamente trocar seis por meia dúzia", afirmou à Folha Luiz Augusto Barroso, presidente da PSR, consultoria especializada em energia, que participou da reunião.
"O diagnóstico apresentado pelos especialistas teve uma grande convergência: estamos a caminho de um precipício no setor, e a primeira coisa a fazer é parar de caminhar rumo a este precipício." Isso inclui, destacou, evitar alternativas como as que foram apresentadas na MP assinada por Lula.
A perspectiva é que a tramitação do texto seja tema de debates. A Frente de Consumidores de Energia, por exemplo, vai propor que o Tesouro Nacional arque com os custos para não sobrecarregar a conta de luz. Ontem, já havia quem defendesse que os parlamentares deixassem a medida caducar.
O fato de Lula permanecer atento ao longo do encontrou chamou a atenção dos presentes.
"Senti que o presidente entendeu o problema, e a orientação é propor um novo arcabouço para o setor", disse Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia, que se declarou animado após o encontro.
Barata disse ainda que a tarifa da hidrelétrica binacional de Itaipu foi outro tema tratado. O presidente explicou que a negociação com o Paraguai seguia no impasse porque o parceiro insiste em elevar o valor da tarifa.
Cada lado da fronteira têm direito à metade da energia da usina, como o Paraguai não consome toda a sua parte, o Brasil compra a diferença. A proposta da frente é aumentar o preço apenas dessa diferença.
"Explicamos que podemos atender o Paraguai elevando o valor da cessão de energia, sem que pese na conta de luz dos brasileiros", disse Barata.
A proposta, antecipada pela Folha, já foi entregue ao MME (Ministério de Minas e Energia), mas a frente não teve ainda um retorno da pasta.
Foram muitas as queixas sobre o protagonismo do Congresso na criação de projetos de lei ou artigos de última hora, não raro com o apoio do governo que impactam negativamente a conta luz e distorcem regras do setor.
Segundo relatos, Lula pediu que o setor mantenha diálogo com o Executivo para que as pautas possam ser mais alinhadas.
No primeiro ano de governo, no entanto, faltou receptividade do MME. Foram recorrentes as queixas de que o ministro não tinha agenda para ouvir as entidades. Algumas não foram recebidas até hoje.